Ícone do site Café História

Revista de História

Entrevista com Vivi Fernandes de Lima (RHBN)

A Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN) conseguiu um feito notável no Brasil: conquistou a admiração de leigos e especialistas em História. Vivi Fernandes de Lima, em uma conversa exclusiva ao café, nos ajuda a seguir a entender a trajetória da Revista de História. A editora interina da RHBN falou ainda a respeito de vários temas, desde o trabalho dedicado (e de qualidade) da equipe até sua opinião a respeito de temas como divulgação de história e o “boom de memória” nos tempos atuais.

Vivi Fernandes de Lima trabalha na Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN). Foto: acervo pessoal da entrevistada.

Bruno Leal: Vivi, seja bem-vinda ao Cafe História. A Revista de História da Biblioteca Nacional está chegando ao seu décimo aniversário. É respeitada por profissionais acadêmicos e também pelo público em geral. Como você explica essa experiência de sucesso?

Vivi Fernandes de Lima: A ideia da revista é muito boa. E isso vem lá de 2003, com a Biblioteca Nacional ainda sob a gestão de Pedro Correa do Lago. Mas uma boa ideia não é garantia de respeito. Parte desse aval foi dada pelo conselho editorial da revista, que era formado por nomes de peso, como Alberto da Costa e Silva, José Murilo de Carvalho, Laura de Mello e Souza, João José Reis… O conselho abriu muitas portas para a revista. Abertas as portas, a equipe segurou a revista com muita firmeza, tanto na RHBN, quanto na Nossa História; tanto sob o comando de Luciano Figueiredo, quanto sob o comando de Cristiane Costa. O respeito foi um retorno da seriedade desse trabalho ao longo dos anos. Quando falo em “seriedade”, não é retórica, não. Aqui a equipe segura touro a unha mesmo, sempre em contato com autores, colegas da academia e, principalmente, os leitores. Mas respeito não é garantia de sucesso…

Bruno Leal: O professor Andreas Huyssen defende a ideia de que nossa sociedade vive uma espécie de encantamento pela memória e que consome a história de forma quase obsessiva. Prova disso seria a enorme recorrência de efemérides, monumentos, programas de televisão, modas retrô, biografias, romances históricos e até mesmo revistas dedicadas ao estudo da história voltadas para o grande público. Na sua opinião, a existência da RHBN também pode ser vista como parte deste fenômeno?

Vivi Fernandes de Lima: Este é um assunto que volta e meia aparece em nossas reuniões de pauta. A Revista de História pode, sim, ser interpretada como um produto deste encantamento, o que não quer dizer que tenha este conceito em sua origem. Longe disso. A revista foi pensada para divulgar as pesquisas históricas, que muitas vezes ficam apenas no âmbito da academia. Concordo com o ponto de vista do professor Huyssen. Mas outra leitura, complementar, que não podemos esquecer é que se a sociedade (parte dela) consome história de forma quase obsessiva, é porque existe um mercado para isto. Portanto, há quem veja nisto um bom negócio. Outro dia, conversando com um economista, ele me disse que a história hoje é um commodity. Acho que é por aí. A partir do momento em que a história está na moda, paga-se por isso. Um vestido retrô feito de um material de baixa qualidade muitas vezes é mais caro que outro de melhor qualidade. Estar na moda sai caro… e isto é histórico. Uma coisa puxa a outra.

Bruno Leal: Basta olhar para qualquer banca de jornal hoje em dia para perceber que a RHBN ganhou muitas e muitas concorrentes. Há uma grande variedade de revistas de história voltadas para o grande público. Qual a diferença entre a Revista de História e os demais títulos deste gênero hoje publicados?

Vivi Fernandes de Lima: Há muitas diferenças, mas a que está na essência da RHBN é o fato de ela ser o resultado do “casamento” de historiadores e jornalistas. Temos formas diferentes de trabalhar, de escrever, de entrevistar, mas essas diferenças se complementam de uma forma muito produtiva. Quase 80% da equipe é composta por historiadores, que fazem pesquisa de texto e de imagem, acompanham o processo de edição dos artigos, escrevem artigos e propõem pautas. Os repórteres, por sua vez, correm atrás do que muitas vezes não se acha em artigos: notícias, opiniões de historiadores, entrevistas… Tudo isto, como falei, de uma forma bem “casada”, um colabora com o trabalho do outro.

Bruno Leal: Em 2009, no auditório da Casa da Ciência, no Rio de Janeiro, a RHBN realizou o 1º Encontro Nacional de Divulgação de História e Ciências Sociais, em parceria com o Departamento de Popularização e Difusão de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia, que contou ainda com o apoio da Associação Nacional de História (Anpuh) e do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. Em 2011, a RHBN também promoveu o I Festival de História, realizado em Diamantina, em Minas Gerais. Visto isso, perguntamos: como a Revista enxerga a divulgação científica da história no Brasil, nos dias de hoje? E como a revista se vê dentro deste campo?

Vivi Fernandes de Lima: Esta é uma pergunta bem subjetiva, por isso não dá para responder em nome da revista. Posso falar por mim. Acho que a divulgação científica é o que justifica o trabalho científico. Qual seria a importância de escrever para não ser lido? A revista – agora, sim, posso falar em nome da RHBN – trabalha exatamente para ampliar o raio de conhecimento das pesquisas em história, para que mais pessoas saibam o que está sendo produzido na academia.

Bruno Leal: Escrever quase nunca é uma tarefa das mais fáceis. Avaliar, editar e divulgar o que os outros escrevem, muito menos. Como é, em geral, o relacionamento da Revista de História com seus autores? Como é o processo de publicação de um artigo na revista? Que caminhos e profissionais estão envolvidos neste processo?

Vivi Fernandes de Lima: O processo é longo. Cada artigo que chega à redação é acompanhado por um pesquisador, que é sempre um historiador. Após fazer a primeira leitura, o pesquisador avalia se o artigo deve ser descartado, entrar em produção ou ser devolvido para complementações do autor. “Entrar em produção” quer dizer que o artigo pode ser indicado para uma reunião de pauta. Nesta reunião escolhemos os artigos que devem entrar em uma determinada edição. A partir do momento em que o artigo é aprovado na pauta, ele entra em processo de edição: passa pelo editor de texto, pelo pesquisador responsável, o coordenador de pesquisa, o editor assistente, a editora, volta para o autor (para a aprovação) e segue para revisora. Em paralelo, a equipe da iconografia corre atrás das imagens para compor o artigo – com suas devidas autorizações – para, enfim, diagramar o artigo. Pensa que acabou? O arquivo volta para o pesquisador (que checa imagens e legendas), para os editores, que avaliam a diagramação, e ainda passa mais duas vezes pela revisão. No meio desse caminho muita coisa pode acontecer. O processo de edição de um artigo pode fluir normalmente e, na última hora, o texto pode cair por falta de autorização no uso de uma imagem imprescindível, por exemplo. Isto é frustrante para a equipe e para o autor. Quanto ao relacionamento com os autores, no geral, é muito bom. Temos autores que colaboram com bastante frequência e muitos estreantes, de todas as regiões do país e do exterior. Todos os artigos publicados têm sua edição aprovada previamente pelos autores. Às vezes, o autor não concorda com a edição de seu artigo. Nestes casos, refazemos a edição, dialogando com o autor até chegarmos a um ponto comum, ou seja, um equilíbrio entre a densidade de sua pesquisa e a fluência da leitura.

Bruno Leal: A RHBN possui um conselho editorial formado por historiadores renomados e publica artigos geralmente escritos por historiadores acadêmicos. No entanto, é um veículo jornalístico. Como é o funcionamento da revista? Ela é igual as outras em termos de reuniões de pauta, fechamento, anunciantes, relação com o público, etc.?

Vivi Fernandes de Lima: Um lembrete: estamos sem conselho editorial desde o ano passado. Nenhuma redação é igual à outra, cada uma tem suas especificidades. A principal especificidade da RHBN, como já dito, é o trabalho conjunto de historiadores e jornalistas. Mas, sim, temos reuniões de pauta. Para a edição impressa, temos ainda a pré-pauta, com um leque maior de artigos; para o site, que é diário, temos uma reunião semanal. Recebemos cartas de leitores de todo o país, por e-mail e via Correios, com direito a manuscritos e datilografia. Como também somos muitos ativos na internet, muitas dessas mensagens chegam também pelas redes sociais. Quanto aos anunciantes, infelizmente o contato é bem pequeno. Como já falei lá em cima, respeito não é garantia sucesso.

Bruno Leal: Qual edição gerou mais polêmica? E que temas tem melhor retorno em termos de venda?

Vivi Fernandes de Lima: De 2009 para cá – período em que estive mais presente na revista como editora assistente ou editora interina – houve três capas que repercutiram muito. A primeira foi a que tratou do arquivo pessoal de Luiz Carlos Prestes. Na verdade, foram duas reportagens sobre este material, uma com enfoque mais familiar, e outro, político. Como tive acesso a estes documentos antes de ele ser doado ao Arquivo Nacional – fui à casa de Maria Prestes muitas vezes, já nem me lembro quantas –, consegui reproduzir muita coisa: cartas, fotografias, relatórios… Este arquivo, por si só, já rendia várias pautas. Por isso pudemos lançar, junto com a edição impressa, um Especial Prestes no site. E no meio desse material todo havia uma joia: o original de um relatório com denúncias de torturas feitas durante o governo Geisel. Nela há uma lista de 233 torturadores. Esta lista já havia sido publicada em 1979 no jornal Em Tempo. Mas parece que nossa memória é mesmo curta… Quando anunciamos a lista no site, toda a imprensa veio em cima da gente, querendo saber mais sobre o furo. Era um furo de 79! E pior: o projeto “Brasil nunca mais” já havia publicado uma lista muito maior, com mais de 400 nomes. A revista repercutiu na grande imprensa por algumas semanas. E nosso site virou um grande debate de pessoas a favor e contra a divulgação da lista. Mas por que uma notícia velha teve tanta repercussão? O momento (quando se articulava a criação da Comissão da Verdade) era quente; o “gancho” (a doação para o Arquivo Nacional) era novo; os documentos eram originais; e o personagem (Prestes), muito rico em boas histórias. No fundo, tudo é uma questão de lead. A outra edição que deu o que falar foi a que apresentou o dossiê Golpe de 1964. Este era um assunto pedido há anos pelos leitores. Por último, a que deu o que falar foi a que apresentou o dossiê Nazismo no Brasil. Apesar de ser um assunto muito exposto nas bancas de jornais por outras publicações, atraiu leitores e jornalistas. Essa atração se deu principalmente pela reportagem, de Alice Melo, sobre fazendas do interior de São Paulo cujos donos eram simpatizantes do nazismo. O tema em si não é novidade para os historiadores, já que nos anos 30 e 40 essa simpatia não era vista como uma bizarrice, como é hoje. Mas os relatos dos personagens e a forma como a história foi contada nos deu material para fazermos um vídeo, que publicamos no site. Foi uma iniciativa isolada, excepcional, mas que nos deu um bom retorno.

Bruno Leal: Nos últimos anos, não foram poucos os jornalistas que se empenharam na escrita da história. Nomes como Laurentino Gomes, Eduardo Bueno, Lucas Figueiredo e Fernando Morais são apenas alguns exemplos daquilo que poderíamos chamar, talvez, de uma tendência editorial em história. Trabalhos escritos por jornalistas, no entanto, costumam gerar controvérsias e debates apaixonados entre historiadores. Como você, particularmente, pensa a produção de textos de história por jornalistas? Você também vê esta tensão?

Vivi Fernandes de Lima: Antes de diferenciar historiadores de jornalistas é preciso diferenciar bons profissionais de maus profissionais. Há bons e maus jornalistas; há bons e maus historiadores. É claro que o livro de um bom historiador é melhor do que o de um mau jornalista. É claro que o livro de um bom jornalista é melhor do que o de um mau historiador. Acho que o historiador deve ficar em paz com relação a isto. Se o trabalho dele é sério e seu texto é fluente, não há por que se preocupar. Temos grandes historiadores que escrevem para a grande imprensa. Receber um texto, por exemplo, de Daniel Aarão Reis, Mary Del Priore ou José Murilo de Carvalho é um luxo pra qualquer redação. Significa nenhum trabalho para a edição, um presente para qualquer editor de jornal ou revista. Mas nem todo historiador tem esta facilidade de escrever para o grande público. É aí que o jornalista encontra espaço… Se fizer um bom trabalho, vinga.

Bruno Leal: Ainda dentro da querela “jornalistas e historiadores”. Historiadores acadêmicos como Carlos Fico ou Mary Del Priore publicaram trabalhos voltados para o grande público e que tiveram boa aceitação comercial. Na sua opinião, qual seria a diferença entre trabalhos voltados para o grande público de história produzidos por historiadores e trabalhos voltados para o grande público de história produzidos por jornalistas? É possível falar em divulgação científica da história e popularização da história? Seriam coisas distintas?

Vivi Fernandes de Lima: Se bem feito, pouco importa a graduação do autor. Aliás, quando trabalhei na Escola Politécnica da Fiocruz, conheci trabalhos de alunos do ensino médio que deixariam muitos historiadores e jornalistas no chinelo. A diferença talvez esteja no método de cada um. O bom jornalista é essencialmente repórter, especialista em arrancar respostas; o historiador é essencialmente pesquisador, especialista em se aprofundar num determinado tema. Nos dois casos, se eles obtiverem as respostas a suas perguntas, o resultado é positivo. A divulgação científica pode, sim, ser feita de uma forma popular. Mas nem toda a popularização da história tem base científica. A televisão, por ser um veículo de massa, é um grande exemplo disso. Há programas, normalmente documentários, baseados em pesquisas científicas. E há outros não ligam muito para isso, tratam a história mais como uma revista de curiosidades. A diferença entre as publicações de história, é medida pelo público. Aprendi – ser “cascuda” tem algumas vantagens (rs) – que no mercado editorial a melhor pergunta a ser feita não é se uma revista é boa ou ruim, e sim se ela é certa ou errada para o público a que se destina.

Bruno Leal: Vivi, muito obrigado por aceitar conversar com o Café História. Foi um prazer tê-la conosco. Para encerrar, uma pergunta sobre o futuro: o que a Revista de História da Biblioteca Nacional está planejando para 2013 e para os anos seguintes? Algum evento, novas seções…?

Vivi Fernandes de Lima: Surpresa…


Vivi Fernandes de Lima é jornalista e editora interina da Revista de História da Biblioteca Nacional.

Sair da versão mobile