Revista de História

13 de junho de 2013
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Entrevista com Vivi Fernandes de Lima (RHBN)

A Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN) conseguiu um feito notável no Brasil: conquistou a admiração de leigos e especialistas em História. Vivi Fernandes de Lima, em uma conversa exclusiva ao café, nos ajuda a seguir a entender a trajetória da Revista de História. A editora interina da RHBN falou ainda a respeito de vários temas, desde o trabalho dedicado (e de qualidade) da equipe até sua opinião a respeito de temas como divulgação de história e o “boom de memória” nos tempos atuais.

Vivi-Fernandes-de-Lima
Vivi Fernandes de Lima trabalha na Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN). Foto: acervo pessoal da entrevistada.

Bruno Leal: Vivi, seja bem-vinda ao Cafe História. A Revista de História da Biblioteca Nacional está chegando ao seu décimo aniversário. É respeitada por profissionais acadêmicos e também pelo público em geral. Como você explica essa experiência de sucesso?

Vivi Fernandes de Lima: A ideia da revista é muito boa. E isso vem lá de 2003, com a Biblioteca Nacional ainda sob a gestão de Pedro Correa do Lago. Mas uma boa ideia não é garantia de respeito. Parte desse aval foi dada pelo conselho editorial da revista, que era formado por nomes de peso, como Alberto da Costa e Silva, José Murilo de Carvalho, Laura de Mello e Souza, João José Reis… O conselho abriu muitas portas para a revista. Abertas as portas, a equipe segurou a revista com muita firmeza, tanto na RHBN, quanto na Nossa História; tanto sob o comando de Luciano Figueiredo, quanto sob o comando de Cristiane Costa. O respeito foi um retorno da seriedade desse trabalho ao longo dos anos. Quando falo em “seriedade”, não é retórica, não. Aqui a equipe segura touro a unha mesmo, sempre em contato com autores, colegas da academia e, principalmente, os leitores. Mas respeito não é garantia de sucesso…

Bruno Leal: O professor Andreas Huyssen defende a ideia de que nossa sociedade vive uma espécie de encantamento pela memória e que consome a história de forma quase obsessiva. Prova disso seria a enorme recorrência de efemérides, monumentos, programas de televisão, modas retrô, biografias, romances históricos e até mesmo revistas dedicadas ao estudo da história voltadas para o grande público. Na sua opinião, a existência da RHBN também pode ser vista como parte deste fenômeno?

Vivi Fernandes de Lima: Este é um assunto que volta e meia aparece em nossas reuniões de pauta. A Revista de História pode, sim, ser interpretada como um produto deste encantamento, o que não quer dizer que tenha este conceito em sua origem. Longe disso. A revista foi pensada para divulgar as pesquisas históricas, que muitas vezes ficam apenas no âmbito da academia. Concordo com o ponto de vista do professor Huyssen. Mas outra leitura, complementar, que não podemos esquecer é que se a sociedade (parte dela) consome história de forma quase obsessiva, é porque existe um mercado para isto. Portanto, há quem veja nisto um bom negócio. Outro dia, conversando com um economista, ele me disse que a história hoje é um commodity. Acho que é por aí. A partir do momento em que a história está na moda, paga-se por isso. Um vestido retrô feito de um material de baixa qualidade muitas vezes é mais caro que outro de melhor qualidade. Estar na moda sai caro… e isto é histórico. Uma coisa puxa a outra.

Bruno Leal: Basta olhar para qualquer banca de jornal hoje em dia para perceber que a RHBN ganhou muitas e muitas concorrentes. Há uma grande variedade de revistas de história voltadas para o grande público. Qual a diferença entre a Revista de História e os demais títulos deste gênero hoje publicados?

Vivi Fernandes de Lima: Há muitas diferenças, mas a que está na essência da RHBN é o fato de ela ser o resultado do “casamento” de historiadores e jornalistas. Temos formas diferentes de trabalhar, de escrever, de entrevistar, mas essas diferenças se complementam de uma forma muito produtiva. Quase 80% da equipe é composta por historiadores, que fazem pesquisa de texto e de imagem, acompanham o processo de edição dos artigos, escrevem artigos e propõem pautas. Os repórteres, por sua vez, correm atrás do que muitas vezes não se acha em artigos: notícias, opiniões de historiadores, entrevistas… Tudo isto, como falei, de uma forma bem “casada”, um colabora com o trabalho do outro.

Bruno Leal: Em 2009, no auditório da Casa da Ciência, no Rio de Janeiro, a RHBN realizou o 1º Encontro Nacional de Divulgação de História e Ciências Sociais, em parceria com o Departamento de Popularização e Difusão de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia, que contou ainda com o apoio da Associação Nacional de História (Anpuh) e do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. Em 2011, a RHBN também promoveu o I Festival de História, realizado em Diamantina, em Minas Gerais. Visto isso, perguntamos: como a Revista enxerga a divulgação científica da história no Brasil, nos dias de hoje? E como a revista se vê dentro deste campo?

Vivi Fernandes de Lima: Esta é uma pergunta bem subjetiva, por isso não dá para responder em nome da revista. Posso falar por mim. Acho que a divulgação científica é o que justifica o trabalho científico. Qual seria a importância de escrever para não ser lido? A revista – agora, sim, posso falar em nome da RHBN – trabalha exatamente para ampliar o raio de conhecimento das pesquisas em história, para que mais pessoas saibam o que está sendo produzido na academia.

Bruno Leal: Escrever quase nunca é uma tarefa das mais fáceis. Avaliar, editar e divulgar o que os outros escrevem, muito menos. Como é, em geral, o relacionamento da Revista de História com seus autores? Como é o processo de publicação de um artigo na revista? Que caminhos e profissionais estão envolvidos neste processo?

Vivi Fernandes de Lima: O processo é longo. Cada artigo que chega à redação é acompanhado por um pesquisador, que é sempre um historiador. Após fazer a primeira leitura, o pesquisador avalia se o artigo deve ser descartado, entrar em produção ou ser devolvido para complementações do autor. “Entrar em produção” quer dizer que o artigo pode ser indicado para uma reunião de pauta. Nesta reunião escolhemos os artigos que devem entrar em uma determinada edição. A partir do momento em que o artigo é aprovado na pauta, ele entra em processo de edição: passa pelo editor de texto, pelo pesquisador responsável, o coordenador de pesquisa, o editor assistente, a editora, volta para o autor (para a aprovação) e segue para revisora. Em paralelo, a equipe da iconografia corre atrás das imagens para compor o artigo – com suas devidas autorizações – para, enfim, diagramar o artigo. Pensa que acabou? O arquivo volta para o pesquisador (que checa imagens e legendas), para os editores, que avaliam a diagramação, e ainda passa mais duas vezes pela revisão. No meio desse caminho muita coisa pode acontecer. O processo de edição de um artigo pode fluir normalmente e, na última hora, o texto pode cair por falta de autorização no uso de uma imagem imprescindível, por exemplo. Isto é frustrante para a equipe e para o autor. Quanto ao relacionamento com os autores, no geral, é muito bom. Temos autores que colaboram com bastante frequência e muitos estreantes, de todas as regiões do país e do exterior. Todos os artigos publicados têm sua edição aprovada previamente pelos autores. Às vezes, o autor não concorda com a edição de seu artigo. Nestes casos, refazemos a edição, dialogando com o autor até chegarmos a um ponto comum, ou seja, um equilíbrio entre a densidade de sua pesquisa e a fluência da leitura.

Bruno Leal: A RHBN possui um conselho editorial formado por historiadores renomados e publica artigos geralmente escritos por historiadores acadêmicos. No entanto, é um veículo jornalístico. Como é o funcionamento da revista? Ela é igual as outras em termos de reuniões de pauta, fechamento, anunciantes, relação com o público, etc.?

Vivi Fernandes de Lima: Um lembrete: estamos sem conselho editorial desde o ano passado. Nenhuma redação é igual à outra, cada uma tem suas especificidades. A principal especificidade da RHBN, como já dito, é o trabalho conjunto de historiadores e jornalistas. Mas, sim, temos reuniões de pauta. Para a edição impressa, temos ainda a pré-pauta, com um leque maior de artigos; para o site, que é diário, temos uma reunião semanal. Recebemos cartas de leitores de todo o país, por e-mail e via Correios, com direito a manuscritos e datilografia. Como também somos muitos ativos na internet, muitas dessas mensagens chegam também pelas redes sociais. Quanto aos anunciantes, infelizmente o contato é bem pequeno. Como já falei lá em cima, respeito não é garantia sucesso.

Bruno Leal: Qual edição gerou mais polêmica? E que temas tem melhor retorno em termos de venda?

Vivi Fernandes de Lima: De 2009 para cá – período em que estive mais presente na revista como editora assistente ou editora interina – houve três capas que repercutiram muito. A primeira foi a que tratou do arquivo pessoal de Luiz Carlos Prestes. Na verdade, foram duas reportagens sobre este material, uma com enfoque mais familiar, e outro, político. Como tive acesso a estes documentos antes de ele ser doado ao Arquivo Nacional – fui à casa de Maria Prestes muitas vezes, já nem me lembro quantas –, consegui reproduzir muita coisa: cartas, fotografias, relatórios… Este arquivo, por si só, já rendia várias pautas. Por isso pudemos lançar, junto com a edição impressa, um Especial Prestes no site. E no meio desse material todo havia uma joia: o original de um relatório com denúncias de torturas feitas durante o governo Geisel. Nela há uma lista de 233 torturadores. Esta lista já havia sido publicada em 1979 no jornal Em Tempo. Mas parece que nossa memória é mesmo curta… Quando anunciamos a lista no site, toda a imprensa veio em cima da gente, querendo saber mais sobre o furo. Era um furo de 79! E pior: o projeto “Brasil nunca mais” já havia publicado uma lista muito maior, com mais de 400 nomes. A revista repercutiu na grande imprensa por algumas semanas. E nosso site virou um grande debate de pessoas a favor e contra a divulgação da lista. Mas por que uma notícia velha teve tanta repercussão? O momento (quando se articulava a criação da Comissão da Verdade) era quente; o “gancho” (a doação para o Arquivo Nacional) era novo; os documentos eram originais; e o personagem (Prestes), muito rico em boas histórias. No fundo, tudo é uma questão de lead. A outra edição que deu o que falar foi a que apresentou o dossiê Golpe de 1964. Este era um assunto pedido há anos pelos leitores. Por último, a que deu o que falar foi a que apresentou o dossiê Nazismo no Brasil. Apesar de ser um assunto muito exposto nas bancas de jornais por outras publicações, atraiu leitores e jornalistas. Essa atração se deu principalmente pela reportagem, de Alice Melo, sobre fazendas do interior de São Paulo cujos donos eram simpatizantes do nazismo. O tema em si não é novidade para os historiadores, já que nos anos 30 e 40 essa simpatia não era vista como uma bizarrice, como é hoje. Mas os relatos dos personagens e a forma como a história foi contada nos deu material para fazermos um vídeo, que publicamos no site. Foi uma iniciativa isolada, excepcional, mas que nos deu um bom retorno.

Bruno Leal: Nos últimos anos, não foram poucos os jornalistas que se empenharam na escrita da história. Nomes como Laurentino Gomes, Eduardo Bueno, Lucas Figueiredo e Fernando Morais são apenas alguns exemplos daquilo que poderíamos chamar, talvez, de uma tendência editorial em história. Trabalhos escritos por jornalistas, no entanto, costumam gerar controvérsias e debates apaixonados entre historiadores. Como você, particularmente, pensa a produção de textos de história por jornalistas? Você também vê esta tensão?

Vivi Fernandes de Lima: Antes de diferenciar historiadores de jornalistas é preciso diferenciar bons profissionais de maus profissionais. Há bons e maus jornalistas; há bons e maus historiadores. É claro que o livro de um bom historiador é melhor do que o de um mau jornalista. É claro que o livro de um bom jornalista é melhor do que o de um mau historiador. Acho que o historiador deve ficar em paz com relação a isto. Se o trabalho dele é sério e seu texto é fluente, não há por que se preocupar. Temos grandes historiadores que escrevem para a grande imprensa. Receber um texto, por exemplo, de Daniel Aarão Reis, Mary Del Priore ou José Murilo de Carvalho é um luxo pra qualquer redação. Significa nenhum trabalho para a edição, um presente para qualquer editor de jornal ou revista. Mas nem todo historiador tem esta facilidade de escrever para o grande público. É aí que o jornalista encontra espaço… Se fizer um bom trabalho, vinga.

Bruno Leal: Ainda dentro da querela “jornalistas e historiadores”. Historiadores acadêmicos como Carlos Fico ou Mary Del Priore publicaram trabalhos voltados para o grande público e que tiveram boa aceitação comercial. Na sua opinião, qual seria a diferença entre trabalhos voltados para o grande público de história produzidos por historiadores e trabalhos voltados para o grande público de história produzidos por jornalistas? É possível falar em divulgação científica da história e popularização da história? Seriam coisas distintas?

Vivi Fernandes de Lima: Se bem feito, pouco importa a graduação do autor. Aliás, quando trabalhei na Escola Politécnica da Fiocruz, conheci trabalhos de alunos do ensino médio que deixariam muitos historiadores e jornalistas no chinelo. A diferença talvez esteja no método de cada um. O bom jornalista é essencialmente repórter, especialista em arrancar respostas; o historiador é essencialmente pesquisador, especialista em se aprofundar num determinado tema. Nos dois casos, se eles obtiverem as respostas a suas perguntas, o resultado é positivo. A divulgação científica pode, sim, ser feita de uma forma popular. Mas nem toda a popularização da história tem base científica. A televisão, por ser um veículo de massa, é um grande exemplo disso. Há programas, normalmente documentários, baseados em pesquisas científicas. E há outros não ligam muito para isso, tratam a história mais como uma revista de curiosidades. A diferença entre as publicações de história, é medida pelo público. Aprendi – ser “cascuda” tem algumas vantagens (rs) – que no mercado editorial a melhor pergunta a ser feita não é se uma revista é boa ou ruim, e sim se ela é certa ou errada para o público a que se destina.

Bruno Leal: Vivi, muito obrigado por aceitar conversar com o Café História. Foi um prazer tê-la conosco. Para encerrar, uma pergunta sobre o futuro: o que a Revista de História da Biblioteca Nacional está planejando para 2013 e para os anos seguintes? Algum evento, novas seções…?

Vivi Fernandes de Lima: Surpresa…


Vivi Fernandes de Lima é jornalista e editora interina da Revista de História da Biblioteca Nacional.

Ana Paula Tavares

Subeditora do Café História. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas (PPHPBC/FGV) , bolsista CNPq. Possui graduação em Comunicação Social – habilitação jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (2006). É formada em teatro pela Casa de Artes de Laranjeiras – CAL (2010). Estuda História Intelectual, Imprensa, Mediação Cultural na trajetória da jornalista Yvonne Jean.

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  1. Gostaria de informar que em 2018 se completam 20 anos da morte do poeta paulista José Paulo Paes. Eu e o professor e crítico literário da UFRRJ Marcos Pasche somos os organizadores de um volume de ensaios sobre a obra do poeta, que deverá sair entre o segundo semestre de 2018 e o primeiro de 2019, já que ele está sob análise editorial. Entre os colaboradores estão figuras importantes da crítica literária nacional, tais como: Fernando Paixão, Marcelo Sandmann e Susana Scramim. Gostaria, se possível for, de escrever um pequeno artigo para esta revista, falando um pouco da vida e, principalmente, da obra de José Paulo Paes. Abaixo segue meu contato.

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