“Quando afirmamos que algo é geopolítico, queremos dizer que ele se refere à maneira como os principais atores internacionais interagem entre si na administração da ordem mundial, ou como os principais atores regionais participam na administração da ordem regional ou, enfim, como o próprio Estado atua no estabelecimento de sua ordem e seus limites, usualmente tendo em mente a ideia de um conflito em potencial, por vezes com conotações territoriais”, explica Stefano Guzzini, organizador da coletânea “O retorno da geopolítica na Europa? Mecanismos sociais e crises de identidade de política externa“, lançamento da Editora Unesp pela Coleção Paz, Defesa e Segurança Internacional.
“Esses conflitos podem não se tornar embates militares, mas são vistos, em última análise, como inevitáveis em um mundo em que os Estados competem por poder”, pontua o organizador. “Dessa forma, dado seu caráter determinista, competitivo e militarizante, esperaríamos que a teoria geopolítica florescesse em sociedades com forte presença dos militares na política doméstica, e em um contexto cujo debate sobre assuntos internacionais estivesse fortemente associado à política de competição por poder das (grandes) potências”, escreve Guzzini. “Isso produz o ‘quebra-cabeça’ que informa este livro: por que encontraríamos um ressurgimento do pensamento geopolítico na Europa no final da Guerra Fria, isto é, na década de 1990, quando esta acabara de experimentar o fim de um dos principais momentos de competição por poder e o desmantelamento de regimes autoritários e, muitas vezes, fortemente militarizados? O livro avalia uma série de hipóteses para explicar esse quebra-cabeça.”
Esse ressurgimento leva a dois fatos importantes demais para serem negligenciados. No primeiro deles, em vez de ações militares servirem como meios pontuais para o alcance de objetivos políticos, esse tipo de atitude – ensaiando sempre o pior cenário possível, como um guerra, por exemplo, – para a ser o padrão a partir do qual toda a política externa se organiza; no segundo, pode se registrar o aparecimento da “essencialização das identidades físicas e humanas”, o que levaria a limpezas étnicas. “Embora essa contribuição teórica seja de fato importante, há também boas razões para ficarmos, empírica e politicamente, em alerta sobre o renascimento da geopolítica”, adverte.
Para esmiuçar com propriedade esse complexo panorama, o livro conta com um estudo comparativo entre os casos da República Tcheca, Alemanha, Itália, Turquia, Estônia e Rússia, os quais ganham capítulos inteiros nesta obra que se empenha em iluminar a cena europeia – que, há três décadas, não para de se transformar.
Sobre o organizador – Stefano Guzzini é professor de Relações Internacionais na PUC-Rio, professor de Government na Universidade de Uppsala e pesquisador sênior no Danish Institute for International Studies.