Uma breve caminhada pelos monumentos e locais históricos da Filadélfia ou de Washington, D.C., revela bustos, estátuas e memoriais de figuras-chave da Revolução Americana, como George Washington e Thomas Jefferson, além de nomes menos conhecidos, como Gouverneur Morris.
Enquanto isso, Thomas Paine é uma figura praticamente apagada do espaço público. Seu panfleto Common Sense (Bom Senso, em português), um clássico da Independência dos EUA, recebe apenas uma menção discreta no Museu da Revolução Americana, na Filadélfia, e uma pequena seção no Museu Nacional de História Americana, em Washington, D.C. Um visitante desavisado poderia facilmente concluir que se trata de um personagem secundário – se é que chegaria a notar sua existência.
Porém, Paine foi muito mais do que um coadjuvante. Ele foi ator, testemunha, intérprete fundamental não apenas da Revolução Americana, mas também da Revolução Francesa, da Revolução Irlandesa e dos movimentos “jacobinos” ingleses do final do século XVIII. Documentos recém-descobertos indicam que ele teve um papel central em um amplo movimento reformista internacional na segunda metade do século XVIII.
Quem foi Thomas Paine?
Thomas Paine nasceu em 29 de janeiro de 1737, em Thetford, um pequeno povoado inglês de 2 mil habitantes no condado de Norfolk, Inglaterra. Seu pai, Joseph Pain, era artesão e comandava uma oficina de produção de espartilhos. Como seguidor dos quacres, ele se opunha à escravidão, à pena de morte, à hierarquia clerical e ao serviço militar.
Aos treze anos, Paine deixou a grammar school para aprender o ofício do pai, mas sua trajetória logo tomou outro rumo. Ainda jovem, embarcou em duas viagens marítimas, servindo a bordo do navio Terrible, sob o comando do lendário capitão Death, e do King of Prussia. Contrariando biografias antigas, documentos recém-descobertos revelam que, desde muito jovem, Paine começou a escrever e a se engajar politicamente. Isso o aproximou dos críticos da monarquia inglesa e, mais tarde, de Benjamin Franklin.
Aos 37 anos, mudou-se para a Filadélfia, onde se alinhou a um grupo de radicais de origem modesta, distante da elite mercantil, que só ganharia influência a partir de 1776. Entre eles estavam Benjamin Rush, Timothy Matlack, Christopher Marshall, James Cannon, David Rittenhouse, Owen Biddle, Thomas Young e Charles Wilson Peale.
Na Pensilvânia, Paine integrou a Sociedade Antiescravista da Filadélfia e trabalhou como escritor e editor do Pennsylvania Magazine e, posteriormente, do Pennsylvania Journal. Seus artigos contra o despotismo inglês, a escravidão e em defesa dos direitos das mulheres e dos indígenas fizeram dele um autor amplamente conhecido.
Bom Senso
Seu primeiro panfleto de grande impacto, Common Sense (1776), vendeu 150 mil cópias em um país com apenas 400 mil leitores. Para comparação, o Almanaque do Pobre Richard, de Benjamin Franklin, vendia cerca de 10 mil exemplares por ano entre 1750 e 1760.
Enquanto muitos líderes coloniais ainda buscavam a conciliação com a Coroa, Paine rejeitava essa ideia como infrutíferas, argumentando que não havia futuro nos “direitos dos ingleses livres”. Para ele, a Inglaterra não era um modelo de governo republicano, mas sim um sistema aristocrático que não deveria ser modelo para ninguém. Ele criticava a chamada Revolução Gloriosa de 1688-1689 como incompleta, afirmando que:
“Embora tenhamos sido suficientemente sábios para fechar e trancar a porta contra a monarquia absoluta, fomos, ao mesmo tempo, idiotas o bastante para deixar a Coroa com a posse da chave.”

Em Common Sense, Paine contrariava a autoridade de Montesquieu e defendia que a independência das Treze Colônias daria origem a uma grande república. Seu impacto foi imediato: George Washington afirmou que o panfleto “operou uma extraordinária mudança na mente de muitos homens.” Para Thomas Jefferson, o republicanismo de Paine “tornou superado tudo o que se escreveu antes sobre as estruturas de governo” e “criou uma nova linguagem política.”
Nos anos seguintes, Paine escreveu outros textos fundamentais para a Revolução Americana, incluindo as edições de The American Crisis (1776-1783) e Carta ao Abade Raynal (1782). Paine participou de combates e ocupou cargos políticos, como o de secretário da Comissão de Relações Exteriores.
Após a Revolução Americana, ainda desempenhou papéis na Revolução Francesa e viveu um período na Inglaterra. Condenado à morte em sua terra natal e sentenciado à guilhotina na França jacobina (escapando por puro acaso), Paine retornou aos Estados Unidos e se estabeleceu em sua propriedade em New Rochelle, que havia recebido como recompensa por seus serviços na Revolução Americana. Hoje, o local abriga a Thomas Paine Association.
Thomas Paine: pensador radical
O termo “radical”, que ganhou uso político frequente a partir de 1790, já era associado a Paine por seus críticos. De fato, em muitos aspectos e sob diferentes perspectivas, Paine pode ser considerado mais “radical” do que os tradicionais founding fathers (“pais-fundadores”) da Independência, pois ele se opunha abertamente à escravidão, defendia explicitamente a democracia desde 1791 e, a partir de 1797, propunha a renda básica universal.

No entanto, foi The Age of Reason que mais contribuiu para seu ostracismo até o presente. Nesse texto, Paine argumentava que a Bíblia não poderia ser considerada a palavra de Deus, o que lhe rendeu ferozes ataques. O presidente Theodore Roosevelt, por exemplo, o chamava de “filthy little atheist” (algo como “ateuzinho imundo”). É devido à repercussão desse texto que, quando ocorreu seu enterro, em 1809, em New Rochelle, somente havia seis pessoas presentes, o suficiente apenas para carregar seu caixão.
Série “A Idade da Razão”
Na série, Daniel Gomes de Carvalho compartilha em primeira mão os resultados de sua pesquisa como pesquisador visitante na George Washington University (GWU), sob a supervisão de Denver Brunsman. Em sua atual, Carvalho investiga os debates nos Estados Unidos provocados pela publicação de The Age of Reason (a “Idade da Razão”), de 1794.
Como citar este artigo
CARVALHO, Daniel Gomes de. Thomas Paine: o revolucionário que os Estados Unidos quiseram esquecer (artigo) In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/quem-foi-thomas-paine/. Publicado em: XX março de 2025. ISSN: 2674-5917.