Para falar sobre os desafios e prazeres da sala de aula, conversamos com a historiadora Selma Zalcman, professora de história desde 1977 no Rio de Janeiro. Ela conta sobre sua trajetória e suas atividades dentro de sala de aula. Zalcman é professora de História no Instituto de Tecnologia ORT, que iniciou suas atividades no Brasil em 1943, com cursos profissionalizantes e também com programas de treinamento para empresas e para a comunidade em geral.
Atualmente, o Instituto de Tecnologia ORT oferece cursos de Ensino Fundamental II (do 6º ao 9º ano) e de Ensino Médio, com especialização em Biotecnologia, Comunicação Social, Eletrônica e Informática.
Selma Zalcman é formada em História pela UFRJ, docente desde 1977. Já trabalhou na rede municipal de ensino e hoje é professora de história no Instituto de Tecnologia ORT, nas Escolas Eliezer Max e no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ). Zalcman atua especialmente com o sexto ano e com Ensino Médio nas disciplinas de História Geral, do Brasil e Judaica. Seus outros projetos incluem aulas de História Judaica na Congregação Judaica do Brasil, para alunos em processo de conversão.
Professora, é um prazer tê-la como entrevistada. Vamos começar nossa conversa não com a Selma professora de História, mas com a Selma aluna. Há alguma lembrança especial dos tempos em que você sentava do outro lado da sala de aula? Como eram os seus antigos professores de História?
Tenho lembranças muito boas de alguns professores de História como a Arlete Togashi e Otoni. Estudei no [colégio] Anderson numa época em que havia o curso Clássico. As aulas de História, especialmente, eram de uma novidade enorme e traziam informações muito diferentes de tudo que eu conhecia.
Atualmente, os estudantes estão imersos em um mundo de Iphone, Ipod, MP3, internet, enfim, um mundo bastante digitalizado, quer tenham acesso a esses bens de consumo ou não. Falar sobre História em sala de aula tornou-se mais difícil? Como o professor hoje deve discutir o passado em uma realidade tão fascinada com o próprio presente?
As aulas de História hoje são um espaço para informações mais apuradas e de abertura de debates e idéias que podem ser transformadoras. O passado ainda é um assunto que, dependendo muitas vezes do professor, desperta a curiosidade de uma forma maravilhosa. Quando conseguimos trazer o passado para o presente da sala de aula e mostrar como existem relações entre os fatos, todos nós ficamos felizes e mais contemporâneos de nosso tempo.
Além dos livros didáticos, você utiliza outros recursos didáticos na sala de aula? Existe alguma experiência especial que você gostaria de contar?
Sempre que possível faço uso da Internet. São informações preciosas que temos disponíveis. Utilizo vídeos, documentos e esse ano muita literatura. Fiz uma experiência com a Biblioteca Virtual Camões (Portugal) com meus alunos de 6º ano. São livros sobre a História das navegações e conquistas portuguesas que podemos ler e também escutar a narração em português de Portugal. Pensei que eles iriam reclamar, mas o resultado foi dos melhores e aí incluo pais e responsáveis que participaram do trabalho em casa.
Uma pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que quase 60% dos jovens não estão na escola pública porque não veem sentido nesse modelo de escola que aí está. O que um professor deve (e pode) fazer para tentar mudar esse quadro?
Minha experiência mostra que a realidade da escola realmente não combina com a realidade dos alunos que hoje estão na escola pública. Infelizmente ainda não tenho uma resposta para esta questão. O que tento fazer é trazer para o aluno as possibilidades que o estudo pode dar à ele. O que sempre mantenho com os alunos é um diálogo franco, aberto e muito carinhoso. O afeto é o grande trunfo que tenho e que mostra ao aluno a autoridade sem autoritarismo, os limites e contornos que muitas vezes eles só conhecem na escola.
Quase todas as correntes pedagógicas falam muito sobre interdisciplinaridade. Você trabalha com esse conceito em suas aulas? Por que ele é assim tão importante?
A interdisciplinaridade torna os assuntos mais interessantes, mais abrangentes e mais completos. E é um grande exercício para o professor que precisa multiplicar sua visão sobre um assunto que ele só conhecia de uma forma. Quem sai ganhando com a interdisciplinaridade é o aluno que aprofunda os conhecimentos e se torna mais capaz de discernir sobre as questões.
Voltemos ao universo da História. Você identifica alguma mudança importante no Ensino de História nos últimos anos? Quais conteúdos perderam força e quais são mais contemplados pelo currículo escolar da disciplina hoje?
Deixamos de ter nomes e datas como a linha mestra e passamos à reflexão como o ponto crucial. Nem sei que pontos mudaram tanto porque sempre trabalhei de uma forma que achava correta, com muita interpretação de textos e documentos, trabalhos com mapas, plantas e postulados e tudo que possa aproximar a História da humanidade da História dos meus humanos, os meus alunos.
Você é professora de história em uma escola de origem judaica. Quais são as particularidades deste tipo de instituição? Existe uma outra relação com a História?
Minha experiência com a escola judaica é muito particular. Leciono no Instituto de Tecnologia ORT onde um grande número de alunos não é judeu. Como quase todas as religiões estão presentes em sala de aula, o exercício se torna muito interessante. O foco da História são os judeus e sua passagem pelo mundo; as características e particularidades de um grupo que sobrevive há tanto tempo mantendo sua individualidade, mas sempre em processo de transformação. As relações com a História são mantidas sempre, já que não podemos trabalhar um grupo isolado da sua realidade plena.
Desinteresse do aluno, salários baixos, formação lacunar do professor, violência na escola, infra-estrutura comprometida. Essas são algumas das dificuldades enfrentadas por muitos professores. Para você, na posição de professora de história, qual o maior obstáculo, hoje, para o desenvolvimento da educação no país?
Vivemos num mundo onde o ser educado é uma ameaça constante. Alguém que saiba ler, escrever, interpretar e opinar coloca em risco uma sociedade pautada no vazio.
Apesar de todos os problemas, escola continua sinônimo de coisa boa. Qual a melhor coisa em ser professora, em especial, professora de História?
É muito bom ser a parte que pode introduzir coisas novas e orientar os alunos em questões que muitas vezes só ocorrem em sala de aula.
Chegamos ao fim de nossa entrevista. O espaço é todo seu…
Prazer. Quando o prazer de entrar em sala acaba, quando a curiosidade e o sorriso saem de cena, é hora de procurar outra coisa. Ser professor precisa combinar com ser feliz porque é uma profissão onde o outro existe muito próximo. A sala de aula é como um palco de teatro: a troca de energia existe, precisa ser constante.
Como citar esta entrevista
ZALCMAN, Selma. Profissão: professora de História (Entrevista). Entrevista concedida a Bruno Leal Pastor de Carvalho. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/profissao-professora-de-historia. ISSN: 2674-5917. Publicado em: 5 set. 2009.