Durante a ditadura no Brasil (1964-1985), grupos militares de extrema direita recorreram à associação entre um suposto plano comunista e práticas sexuais consideradas “desviantes” ou “impróprias”. É o que revela estudo recente do historiador Antônio Maurício Brito. O trabalho investiga opressões de gênero difundidas por militares de extrema direita no Brasil no período autoritário e foi publicado na revista acadêmica Varia História, organizada pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, na edição de setembro/dezembro de 2020.
Os militares de extrema direita estudados por Brito eram vinculados à denominada “linha dura” do regime ditatorial. Em sua maioria, eram homens “brancos, anticomunistas […], heteronormativos e antifeministas”. Eles faziam parte de diferentes órgãos institucionais, como o Ministério do Interior, o Serviço Nacional de Informações (SNI), o Ministério da Educação e a Divisão de Segurança e Informações.
Mesmo sem focar no grau de influência desses sujeitos tanto entre os militares, quanto entre parcelas da sociedade civil, Brito analisa os discursos por eles produzidos e os sentidos de moral e conservadorismo que buscavam impor à população brasileira.
Dentre as práticas sexuais que esses militares consideravam subversivas, estava, por exemplo, o sexo antes do casamento. Nesses casos, afirmava-se que as mulheres eram seduzidas pelos militantes comunistas, por meio do sexo, a fim de adentrarem para a luta armada ou demais associações consideradas de subversão.
Segundo Brito, as formas de atuação desses militares variavam. Eles publicavam, por exemplo, livros e materiais educativos que acusavam os militantes comunistas de se utilizarem do sexo e das drogas a fim de cooptar jovens inocentes. Em outras ocasiões, agentes de espionagem acompanhavam e produziam relatórios sobre eventos variados como peças de teatro e festas universitárias.
O cenário internacional e o anticomunismo brasileiro
De acordo com o historiador, os eventos ocorridos no Brasil estavam intimamente conectados com o que acontecia, na mesma época, em outros países. Na França, os jovens lutavam por maior autonomia para lidar com a própria sexualidade, além de se posicionarem contrariamente à Guerra Fria e às desigualdades sociais. Essas reivindicações chegaram ao Brasil e somaram-se às demandas da juventude brasileira, que passava a reivindicar e experimentar novos ideais de liberdade, incompatíveis com a visão desses militares brasileiros de extrema direita e vinculados à “linha dura”.
Por outro lado, os militares brasileiros conservadores também estavam alinhados com o que acontecia no exterior, como, por exemplo, o conservadorismo e o anticomunismo que florescia nos Estados Unidos.
Achismo e homofobia nas narrativas militares
Em pronunciamentos públicos, esses militares conservadores definiam as mulheres, principalmente as jovens da classe média, como passivas e desprovidas de autonomia, condenavam as pílulas anticoncepcionais e acusavam os espaços universitários de serem centros de orgias e “amor livre”, com consentimento de reitores e professores. De acordo com Brito, moradias estudantis, festas e congressos universitários sofreram invasões policiais e inúmeras tentativas de criminalização durante a ditadura militar.
Os homossexuais eram outro alvo desses grupos militares. Eles acreditavam que tanto a prática sexual antes do casamento quanto as práticas homoafetivas eram parte de um plano internacional comunista contra a soberania nacional. Essa conspiração comunista teria como um de seus objetivos atacar a “família brasileira”. O desvio das mulheres de sua “essência natural”, embasada no cuidado do lar e da família, bem como a afetividade entre pessoas do mesmo gênero, teria o poder de destruir núcleos familiares.
Segundo Brito, um dos objetivos desses militares de extrema direita era provocar pânico na população brasileira. Por meio de uma falsa ameaça comunista à soberania nacional, aproveitavam-se para disseminar os seus próprios padrões morais. Esses padrões incluíam a figura feminina como passiva e dedicada apenas aos afazeres domésticos, devendo as mulheres fazerem sexo apenas seria permitido depois do casamento e conforme os desejos do marido. Já os rapazes deveriam seguir os padrões de masculinidade, envolvendo-se apenas em relações heterossexuais, e exercendo de forma dura e severa os seus comportamentos.
Sobre o autor
Antônio Maurício Freitas Brito é doutor em História pela Universidade Federal da Bahia, onde também integra o Programa de Pós-Graduação em História Social, como docente. Dedica-se aos estudos sobre memória, juventude, gênero, sexualidade e ditaduras.
O artigo
BRITO, Antonio Mauricio Freitas. A subversão pelo sexo: representações anticomunistas durante a ditadura no Brasil. Varia Historia, v. 36, p. 859-888, 2020.