Durante o regime do Estado Novo (1937-1945) o país avançou no plano econômico, desenvolvendo, por exemplo, a sua indústria de base, e a chamada Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Porém, as liberdades individuais e políticas básicas foram duramente restringidas. Foi o Estado Novo também duramente marcado pela censura, por prisões arbitrárias, pela tortura, pelo personalismo político e pelo intervencionismo do Estado na economia.
Como explicar os motivos que levaram Vargas a dar o golpe que origina o Estado Novo? Essa é a pergunta que orienta esse artigo.
Crise econômica internacional
Em primeiro lugar, é preciso destacar a conjuntura política internacional. Na década de 1920, diversos países europeus enfrentaram uma grande crise econômica em decorrência dos danos sofridos em seus parques industriais na Primeira Guerra Mundial. Essa crise permitiu a subida ao poder de governos autoritários que prometiam soluções de curto prazo, caso de Mussolini na Itália. Entre vários outros exemplos, Hitler chegou ao poder na Alemanha, Salazar em Portugal e, depois de uma guerra civil, Franco assumiu na Espanha.
Depois da crise, a maior dela a de 1929, provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, intensificou-se a perda de confiança no liberalismo. A intervenção estatal passou a ser vista, então, como a grande solução para o retorno à estabilidade do sistema capitalista. Com isso, mesmo nos Estados Unidos, onde não houve ditadura, o Estado também se fortaleceu: Franklin D. Roosevelt acumulou quatro mandatos (1933-1945). Sob seu governo, o Estado interveio fortemente para solucionar a crise – essas medidas intervencionistas ficaram conhecidas como New Deal. O Estado Novo de Vargas deve ser visto dentro dessa perspectiva.
Crise na política brasileira
Em segundo lugar, é preciso destacar as transformações que ocorriam na política brasileira. No Brasil, assim como na América Latina, uma série de movimentos políticos derrubou oligarquias que estavam no poder há muito tempo. Getúlio Vargas, após ser derrotado nas eleições de 1930 por Júlio Prestes, contou com o braço armado dos tenentes para impedir a posse do vencedor e derrubar o então presidente, Washington Luís.
Para Vargas e seu grupo, o Brasil necessitava de um governo forte, um Executivo com poderes para implementar um programa de governo que trouxesse desenvolvimento econômico e social sem a necessidade de discutir as medidas democraticamente com o Congresso Nacional eleito pela população.
No grupo político de Vargas havia figuras de relevo do pensamento autoritário brasileiro, como Oliveira Viana, Francisco Campos e Azevedo Amaral, e militares como os generais Pedro Aurélio de Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra.
Esse grupo acreditava que o “atraso” brasileiro tinha a ver com a escolha do sistema liberal, inadequado à realidade brasileira, e que o Congresso Nacional era mais um lugar de disputa entre interesses particulares do que um espaço de debate e de solução dos problemas nacionais. Daí a escolha por um Estado forte e interventor – características que seriam típicas do Estado Novo.
Em outubro de 1930, esses setores reformistas foram bem-sucedidos. Um movimento armado depôs o presidente Washington Luís e Getúlio Vargas assumiu a presidência da República. Esse complexo processo da política brasileira ficou conhecido como “Revolução de 1930” (Saiba um pouco mais sobre esse processo clicando aqui).
Vargas assume o poder, mas as tensões continuam
Nos primeiros anos do novo governo, Vargas enfrentou a insatisfação de inimigos e até de aliados descontentes com a ditadura iniciada em 1930 – assim considerada por eles uma vez que a Constituição de 1891 estava suspensa e o governo se dava por decretos.
Em 1932, o governo enfrentou uma guerra civil liderada por São Paulo e, apesar de vitorioso, teve que agilizar a elaboração de uma nova Constituição Federal. Essa nova constituição determinava que um novo presidente deveria ser eleito através do voto popular em janeiro de 1938. O grupo de Vargas, no entanto, não viu essa medida com bons olhos. Para eles, tratava-se de uma tentativa de retorno ao criticado sistema liberal.
Durante o Governo Constitucional (1934-1937), Vargas continuou enfrentando dificuldades. Mesmo com uma constituição e mesmo com maioria no Congresso, foi autoritário e enfrentou uma oposição contundente, que denunciava as ações violentas do seu governo. Nas ruas, os trabalhadores fizeram manifestações exigindo a ampliação dos direitos trabalhistas e a fiscalização das leis, que não estavam sendo cumpridas pelos patrões.
As dificuldades do governo se completavam com as pressões da Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista, e da Aliança Nacional Libertadora, frente antifascista que cada vez mais era controlada por comunistas.
Por fim, alguns antigos aliados de Vargas começavam, já em 1935, a denunciar seus planos continuístas e ditatoriais, entre os quais o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, que se tornou o principal adversário político de Vargas até a instalação do Estado Novo.
Em novembro de 1935, com as fracassadas insurreições da Aliança Nacional Libertadora – conhecidas como Intentona Comunista – Vargas obteve a justificativa que queria para fortalecer novamente o Poder Executivo, reformar a Lei de Segurança Nacional que havia sido criada em 4 de abril de 1935 e modificar a Constituição de 1934. Impôs o Estado de Sítio (equiparado ao Estado de Guerra) conseguindo meios para prender milhares de pessoas sob a acusação, por vezes falsa, de participação nos levantes comunistas. Para julgá-los, criou o Tribunal de Segurança Nacional (TSN).
Essa situação se arrastou de novembro de 1935 até julho de 1937, quando o Estado de Guerra foi suspenso e os presos políticos encarcerados no período foram libertados. Na mesma época, as campanhas eleitorais para as eleições de 1938 foram iniciadas, com o ex-governador de São Paulo, Armando Sales, concorrendo como candidato da oposição, contra José Américo de Almeida, candidato do governo, mas que, na prática, não contava com o explícito apoio de Vargas. Parecia um retorno à normalidade. Mas não era o caso.
O golpe do Estado Novo
O golpe, que asseguraria a continuação de Vargas e criaria a ditadura do Estado Novo, já estava sendo antecipado em artigos na imprensa desde meados de 1936. E concretizou-se com o uso, novamente, do anticomunismo como argumento: em 30 de setembro de 1937 o governo anunciou a descoberta do Plano Cohen, um suposto projeto comunista para promover novas insurreições que tentariam tomar o poder no Brasil.
O texto, que era falso, redigido a mando das próprias autoridades brasileiras, serviu de justificativa para o retorno do Estado de Guerra, em 1º de outubro, dando ensejo a novas perseguições e prisões políticas – tensão que, por fim, culminou no golpe de 10 de novembro de 1937 que criou o Estado Nacional, conhecido também como Estado Novo, tomando de empréstimo o nome oficial do regime ditatorial de Portugal criado por António de Oliveira Salazar (1933-1974).
O discurso da ditadura estadonovista, mediado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939, apresentava o regime autoritário instituído como uma continuação do projeto de 1930, que teria sofrido deturpações de 1934 a 1937 devido ao retorno da democracia liberal, o que era considerado um erro.
Portanto, em suma, Vargas deu o golpe em 1937, instalando a ditadura do Estado Novo em razão da: (1) Conjuntura internacional favorável a governos autoritários e que pregavam a descrença na democracia liberal; (2) Necessidade de retomar o poder para executar seu projeto político sem diálogo democrático; (3) Busca por um instrumento político de força para se livrar de adversários políticos e até mesmo de possíveis rivais, acabando com a oposição, fosse ela de deputados, senadores e governadores, ou mesmo de trabalhadores que se manifestassem nas ruas em busca de seus direitos.
Referências Bibliográficas
JARDIM, Zélia. Confrontos regionais e Estado sucessório (1934-1937). FGV/CPDOC, 1976. Mimeografado.
LEVINE, Robert M. O Regime de Vargas. Os anos críticos (1934-1938). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
MEDEIROS, Jarbas. Ideologia Autoritária no Brasil. 1930/1945. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1978.
MOURELLE. Thiago; FRAGA, André (orgs). Olhares sobre o governo Vargas. Rio de Janeiro: Autografia, 2017.
SILVA, Hélio. 1937 – Todos os golpes se parecem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
Como citar este artigo
MOURELLE, Thiago. Por que Vargas deu o golpe que criou o Estado Novo? In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/por-que-vargas-deu-o golpe-do-estado-novo/. Publicado em: 27 mai. de 2019.
Creio que Vargas foi necessário, em especial, para derrubar as oligarquias e modernizar o país, fechar os órgãos de “representação popular” como o Congresso Nacional, naturalmente corrupto e gerar novos parâmetros de desenvolvimento nacional seguro. Aliás, a Era Vargas, se não foi a melhor para o país pelo menos o colocou num novo caminho e até hoje há o rescaldo de Vargas.
Foi o presidente que mais tempo governou, na República.A propósito eu conheci seu primo Serafim Dorneles Vargas, também de São Borja.
A propósito eu conheci seu primo Serafim Dorneles Vargas, também de São Borja.
Para mim , Getúlio Vargas foi um dos melhores presidentes que o Brasil já teve ,este sim, queria Ordem e Progresso .Ele ,fez Ministérios,criou orgãos públicos, como Petrobrás,este sim ,queria ver o Brasil melhor .
Concordo com você Oliveira. A Era Vargas, na minha opinião, foi a única era na história do Brasil que assinalou mudanças profundas e positivas nesse pais.
Interpretação bem personalista que ignora o tamanho da coalizão pró-golpe e ignora seus principais membros, as oligarquias regionais periféricas e o exército. 1937 também foi um golpe militar que deu origem a uma ditadura idem, ainda que disfarçada. No mais não via ninguém citar Helio Silva desde os anos 80
Prezado Dennison,
Trata-se de um texto de divulgação, com apenas 1 página e meia, para tratar de um tema amplo e profundo. Para o grande público ter um primeiro contato com o ocorrido, a opção foi por um artigo que explicasse, de forma abrangente, os contextos interno e externo do Brasil, criando uma linha temporal que facilitasse o entendimento. A conjuntura explica o “por que”, que foi o objeto do texto e que, inclusive, consta no título. Para o “como” seria necessário um artigo mais longo, pois se relaciona com uma série de acontecimentos iniciados meses (alguns até anos) antes, e outros mais imediatos. Aliás, para tal, lancei recentemente o livro “O Brasil a caminho do Estado Novo” (2019, 7Letras), onde explico detalhadamente os pontos que você mencionou. Sobre o Hélio Silva, está na bibliografia de cinco livros pedida pelo Café, trazendo alguns autores que trataram do assunto com diferentes olhares. Logicamente tive que deixar de fora muita gente. Hélio Silva não é historiador, obviamente é datado e tem problemas, mas oferece um primeiro contato interessante com uma narrativa resumida que certamente atinge o público geral. E, por fim, não há personalismo, porque quando se fala que Vargas deu o golpe, obviamente está se falando sobre o governo Vargas como um todo, com toda uma rede de aliados e apoiadores. Um texto de divulgação é um primeiro contato do público com o tema e temos que facilitar a compreensão. Fico agradecido pela crítica. Um abraço.