Desde os primeiros momentos da Segunda Guerra Mundial, sabia-se, com mais ou menos precisão, da perseguição e morte de judeus na Alemanha e em seus territórios ocupados. Essas informações vinham de agentes secretos, testemunhas oculares, oficiais do exército, membros da resistência polonesa e até mesmo de soldados alemães que voltavam para a casa de licença e conversavam com amigos e parentes. Muito antes do fim da guerra, portanto, já se tinha notícias do desaparecimento de comunidades judaicas inteiras na Europa. O problema é que nem todos acreditavam nessas histórias.
Os relatos eram tão bárbaros, tão inacreditáveis, que países como Inglaterra e França custaram a acreditar neles, achando que essas narrativas não passavam de propaganda de guerra ou que eram histórias exageradas que os países ocupados pelos nazistas contavam a fim de receber maior atenção. Isso só começou a mudar quando a Alemanha invadiu os territórios soviéticos, em meados de 1941. A partir daí, a escala da violência foi tão clara e tão a céu aberto, que não era mais possível ignorar que havia algo errado.
Mesmo assim, muito pouco foi feito para aliviar o sofrimento daqueles que viviam em guetos e campos de concentração e extermínio. Há três explicações básicas para isso. Em primeiro lugar, as forças aliadas não consideravam a libertação de prisioneiros civis um objetivo de guerra. Enquanto houvesse guerra e enquanto esta ainda não fosse vencida pelos aliados, a prioridade das tropas era lutar contra o Eixo no campo de batalha, efetivo militar contra efetivo militar, devendo a ajuda aos civis ser feita por membros da resistência, o que até acabou acontecendo, mas de forma muito limitada.
Em segundo lugar, muitas das autoridades aliadas temiam que ações contra guetos e campos de concentração pudessem gerar algum tipo de retaliação por parte da Alemanha, em posse da qual estavam milhares de soldados aliados presos em campos de prisioneiros de guerra. Caso algo acontecesse com esses homens, o apoio da opinião pública ao esforço de guerra poderia ser seriamente comprometido.
Em terceiro lugar, alegava-se uma dificuldade logística: os guetos, em geral, ficavam em áreas muito populosas, próximas de grandes cidades, muito bem guardadas militarmente, ao passo que muitos campos de concentração, instalados no interior, eram também de difícil acesso e com o caminho até lá muito bem protegido, já que serviam, em vários casos, a produção industrial, por meio do fornecimento de mão-de-obra. Para chegar até esses “alvos”, os aliados teriam que empregar armamento pesado e desviar parte das tropas e recursos para locais que não eram considerados estratégicos.
Não se deve ignorar ainda o antissemitismo presente no meio social e também na própria estrutura de Estado. Segundo a historiadora Deborah Lipstadt, “os judeus eram sempre vistos como uma ameaça ao bem-estar dos Estados Unidos maior do que a de qualquer outro grupo nacional, religioso ou racial”. Pesquisas de opinião pública realizadas na época confirmam essa percepção. Segundo sublinha Michael Marrus, “em junho de 1944, com a França prestes a ser libertada, 44% dos americanos ainda consideravam os judeus uma ameaça, ao passo que apenas 6% pensavam isso dos alemães e 9% expressavam tal opinião sobre os japoneses”. Em suma, fossem os judeus vistos com mais humanismo nesses países e talvez o seu resgate e o amparo poderia ter sido considerado um objetivo humanitário dentro do plano da guerra.
Bombardear Auschwitz-Birkenau?
Ao examinar a possibilidade de se bombardear o complexo de extermínio Auschwitz-Birkenau, os historiadores Avraham Milgram e Robert Rozett, do Yad Vashem, o Museu do Holocausto de Israel, dizem que em junho de 1944, os aliados tinham informações detalhadas sobre Auschwitz, inclusive fotografias aéreas feitas por aviões. Por que isso, então não ocorreu? Milgram e Rozett explicam da seguinte forma a posição aliada:
“Alegaram que era tecnicamente impossível chegar ao campo. (…) Eles argumentaram que tal bombardeio não só não faria cessar o extermínio, como seria um desperdício de esforços bélicos indispensáveis para operações decisivas, além de colocar os pilotos em perigo. A única maneira de salvar os judeus, alegaram, seria vencer a guerra. Os principais argumentos eram, portanto, a ‘salvação pela vitória’ e ‘não desperdiçar energias bélicas’. Os aliados queriam evitar a impressão de estar lutando em prol dos judeus. A pergunta, se o bombardeio do campo de extermínio teria êxito ou não, é uma questão ainda aberta. No entanto, não há dúvida de que os aliados não tiveram a mesma energia e determinação para salvar os judeus como os nazistas tiveram para assassiná-los”.
A ajuda aos judeus demorou muito. Nos casos em que esta realmente chegou durante a guerra, era proveniente dos movimentos de resistência, dos governos exilados e da comunidade judaica internacional, que procurou de todas as formas mobilizar recursos para tentar diminuir o número de mortes. No fim das contas, essa demora foi fatal para boa parte da comunidade judaica da Europa, contribuindo decisivamente para o número aproximado de seis milhões de mortos no Holocausto.
Referências Bibliográficas
MILGRAM, Avraham; ROZETT, Robert. O Holocausto – as perguntas mais frequentes. Jerusalém: Yad Vashem, 2012.
MARRUS, Michael R. A assustadora história do Holocausto. Prestígio: Rio de Janeiro, 2003.
LIPSTADT, Deborah. Beyond Belief: The Americans Oress and the Coming of the Holocaust, 1933-1945. Nova York, 1986.
Como citar este artigo
CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. Por que os aliados não salvaram os judeus durante o Holocausto? (Artigo). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/por-que-os-aliados-nao-salvaram-os-judeus-no-holocausto/. Publicado em: 30 set. 2019.