Insatisfação de setores mais ortodoxos da esquerda quanto aos métodos e abordagens disponíveis para combater a ditadura é um dos motivos que ajudam a compreender a opção pela luta armada no Brasil.
Por Isabel Cristina Leite
Sob o pretexto de combater um comunismo que nunca teve possibilidade de ser implementado efetivamente no país, parte significativa do empresariado e da Igreja Católica se uniu em apoio ao golpe de Estado promovido pelos militares, que derrubou o presidente eleito João Goulart (1961-1964). À interrupção do governo reformista, seguiu-se uma ditadura que durou 21 anos (1964-1985).
Nesta época, o Partido Comunista Brasileiro (1922), embora possuísse a primazia dentro do campo da esquerda, não estava sozinho neste espectro ideológico. Ainda no período do governo Goulart, outras organizações haviam recém-surgido, como a Política Operária (1961), a Ação Popular (1962) e o PCdoB, Partido Comunista do Brasil (1962).
No entanto, após o golpe de 1964, sobretudo na segunda metade dos anos 1960, ganharam espaço outros grupos mais radicais, que não viam outra opção eficaz de combate à ditadura que não fosse a luta armada. Alguns setores da esquerda que se alinharam ao radicalismo, embora fossem minoria, julgavam que o PCB fora demasiadamente conciliador, reformista e incapaz de impedir a queda de Jango. Com o avançar da ditadura, os demais agrupamentos citados também foram considerados incapazes.
Nos anos que se seguiram ao golpe, essa insatisfação levou à formação de diversos grupos políticos de esquerda que tinham a luta armada como forma de ação e cujo objetivo principal era derrubar a ditadura, que cerceava direitos, vigiava opositores, censurava, torturava, matava e desaparecia com pessoas. Estas organizações pretendiam combater um Estado que estava criando inimigos internos para aniquilá-los.
Essas novas organizações eram compostas por poucas centenas de jovens que em grande parte não tinham experiência de treinamento de guerrilha. Muitos eram oriundos do movimento estudantil e não possuíam militância anterior. Havia modelos de revoluções que norteavam estes pequenos grupos: a Cubana, que era recente, e a Chinesa e a Russa, que eram mais antigas. Alguns destes grupos almejavam implantar a ditadura do proletariado após derrotarem o regime; outros, queriam a libertação nacional frente ao imperialismo estadunidense.
É muito importante ressaltar que à luz da História e da historiografia recente, como por exemplo, os trabalhos reunidos nas coletâneas organizadas por Daniel Aarão Reis e Jorge Ferreira, bem como trabalhos reunidos por Jean Rodrigues Sales, ou mesmo trabalhos que questionam algumas leituras desse passado, como os de Demian Melo e Caroline Bauer, sabemos que a vitória destes guerrilheiros era impossível de acontecer, dada a desigualdade de forças entre eles e o Estado. Este possuía todo o aparato bélico, além de também ter recebido apoio não só logístico como financeiro de grandes empresários, e ainda tinha como aliado os Estados Unidos e outras ditaduras na América Latina. Dentre estas ditaduras podemos citar a do Chile, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, que formavam uma rede de colaboração de informações e desaparecimento de militantes. Essa rede foi batizada como Operação Condor.
O auge da atuação destes grupos ocorreu entre os anos de 1967 e 1974, embora a ideia de se pegar em armas tenha surgido ainda antes do golpe, capitaneada por Leonel Brizola, por meio dos “Grupos de 11”, mas que tiveram fim muito rápido, graças à falta de organização, dinheiro e armas. Os principais grupos armados durante a ditadura no Brasil foram: Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR- Palmares) e Ação Libertadora Nacional (ALN).
No Brasil, tivemos basicamente guerrilhas urbanas, ou seja, ações nas cidades que tinham por objetivo angariar fundos para a manutenção das organizações (por exemplo: manter militantes na clandestinidade ou no exílio, produção de material de propaganda armada, ou jornais para movimento operário e compra de armas). A maioria das ações desses grupos consistia em assaltos a banco. Em diferentes ocasiões, os guerrilheiros capturaram três embaixadores (americano, alemão e suíço) e um cônsul (japonês) como forma de salvar presos políticos do cárcere. Ao todo 115 presos políticos foram libertados e banidos para o exílio.
Luta armada e seus custos
É importante mencionar que o único partido que chegou mais perto da tentativa de implementação da guerrilha rural foi o PC do B, na região do Araguaia. Ainda em fins dos anos 1960 seus militantes começaram a ocupar a região e estudá-la para ver a viabilidade da formação do foco de guerrilha, entretanto, em 1974, uma ofensiva do Exército dizimou boa parte dos que lá estavam e colocou fim à experiência guerrilheira no país.
O resultado desta escolha pelas armas teve um preço alto. Segundo lista divulgada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) em dezembro de 2014, há 434 nomes de mortos pela ditadura. O pacto da Anistia (1979) fez com que nenhum militar envolvido em torturas, assassinatos ou desaparecimentos fosse punido.
Referências Bibliográficas
BAUER, Caroline Silveira. Como será o passado¿ História, Historiadores e Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Paco editorial, 2017.
Documentário Pastor Cláudio. Direção: Beth Formaginni. 2018.
FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (org.). As esquerdas no Brasil. Revolução e Democracia. 1964… Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
FICO, Carlos. Operação Brother Sam. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
MELO, Demian Bezerra. Revisão e revisionismo historiográfico: os embates sobre o passado e as disputas políticas contemporâneas. In: Marx e o Marxismo. v.1, n.1, jul/dez 2013. p.49-74
SALES, Jean (org). Guerrilha e Revolução: A luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.
Isabel Cristina Leite é Pós-doutoranda na Universidade Federal Fluminense (UFF), Programa Nota 10 da FAPERJ, desenvolvendo a biografia da ex-guerrilheira mineira Inês Etienne Romeu. Doutora em História na linha Sociedade e Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estágio sanduíche na Universidad Nacional San Martin (UNAM). Atualmente é integrante do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC/UFF), onde também integra a pesquisa: O projeto “A República no Brasil: trajetórias de vida entre a democracia e a ditadura”. É membro do Núcleo de Pesquisa em História das Américas (NUPHA-UFMG). Tem experiência na área de História do Brasil e História das Américas nos seguintes temas: ditaduras civis-militares, memória, violência e guerrilhas.
Como citar este artigo
LEITE, Isabel Cristina. Por que houve luta armada durante a ditadura militar? (Artigo). In: Café História – história feita com cliques. Publicado em 6 de maio de 2019. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/por-que-houve-luta-armada-no-brasil/.