Por que houve luta armada durante a ditadura militar?

6 de maio de 2019
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Insatisfação de setores mais ortodoxos da esquerda quanto aos métodos e abordagens disponíveis para combater a ditadura é um dos motivos que ajudam a compreender a opção pela luta armada no Brasil.

Por Isabel Cristina Leite

Sob o pretexto de combater um comunismo que nunca teve possibilidade de ser implementado efetivamente no país, parte significativa do empresariado e da Igreja Católica se uniu em apoio ao golpe de Estado promovido pelos militares, que derrubou o presidente eleito João Goulart (1961-1964). À interrupção do governo reformista, seguiu-se uma ditadura que durou 21 anos (1964-1985).

Nesta época, o Partido Comunista Brasileiro (1922), embora possuísse a primazia dentro do campo da esquerda, não estava sozinho neste espectro ideológico. Ainda no período do governo Goulart, outras organizações haviam recém-surgido, como a Política Operária (1961), a Ação Popular (1962) e o PCdoB, Partido Comunista do Brasil (1962).

No entanto, após o golpe de 1964, sobretudo na segunda metade dos anos 1960, ganharam espaço outros grupos mais radicais, que não viam outra opção eficaz de combate à ditadura que não fosse a luta armada. Alguns setores da esquerda que se alinharam ao radicalismo, embora fossem minoria, julgavam que o PCB fora demasiadamente conciliador, reformista e incapaz de impedir a queda de Jango. Com o avançar da ditadura, os demais agrupamentos citados também foram considerados incapazes.

Luta Armada de esquerda no Brasil.
Foto histórica dos 13 presos políticos trocados pelo embaixador americano Charles Burke Elbrick, na base aérea do Galeão, Rio de Janeiro, antes de partirem para o exílio no México, em setembro de 1969. Registro marca a história da luta armada de esquerda no Brasil. Outros dois presos políticos foram agregados ao grupo na ida ao México. Fonte: Wikipedia

Nos anos que se seguiram ao golpe, essa insatisfação levou à formação de diversos grupos políticos de esquerda que tinham a luta armada como forma de ação e cujo objetivo principal era derrubar a ditadura, que cerceava direitos, vigiava opositores, censurava, torturava, matava e desaparecia com pessoas. Estas organizações pretendiam combater um Estado que estava criando inimigos internos para aniquilá-los.  

Essas novas organizações eram compostas por poucas centenas de jovens que em grande parte não tinham experiência de treinamento de guerrilha. Muitos eram oriundos do movimento estudantil e não possuíam militância anterior. Havia modelos de revoluções que norteavam estes pequenos grupos: a Cubana, que era recente, e a Chinesa e a Russa, que eram mais antigas. Alguns destes grupos almejavam implantar a ditadura do proletariado após derrotarem o regime; outros, queriam a libertação nacional frente ao imperialismo estadunidense.

É muito importante ressaltar que à luz da História e da historiografia recente, como por exemplo, os trabalhos reunidos nas coletâneas organizadas por Daniel Aarão Reis e Jorge Ferreira, bem como trabalhos reunidos por Jean Rodrigues Sales, ou mesmo trabalhos que questionam algumas leituras desse passado, como os de Demian Melo e Caroline Bauer, sabemos que a vitória destes guerrilheiros era impossível de acontecer, dada a desigualdade de forças entre eles e o Estado. Este possuía todo o aparato bélico, além de também ter recebido apoio não só logístico como financeiro de grandes empresários, e ainda tinha como aliado os Estados Unidos e outras ditaduras na América Latina. Dentre estas ditaduras podemos citar a do Chile, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, que formavam uma rede de colaboração de informações e desaparecimento de militantes. Essa rede foi batizada como Operação Condor.

O auge da atuação destes grupos ocorreu entre os anos de 1967 e 1974, embora a ideia de se pegar em armas tenha surgido ainda antes do golpe, capitaneada por Leonel Brizola, por meio dos “Grupos de 11”, mas que tiveram fim muito rápido, graças à falta de organização, dinheiro e armas. Os principais grupos armados durante a ditadura no Brasil foram: Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR- Palmares) e Ação Libertadora Nacional (ALN).

Luta armada no Braisl
Guerrilheiros presos na serra do Caparaó. Fonte: Wikipédia.

No Brasil, tivemos basicamente guerrilhas urbanas, ou seja, ações nas cidades que tinham por objetivo angariar fundos para a manutenção das organizações (por exemplo: manter militantes na clandestinidade ou no exílio, produção de material de propaganda armada, ou jornais para movimento operário e compra de armas). A maioria das ações desses grupos consistia em assaltos a banco. Em diferentes ocasiões, os guerrilheiros capturaram três embaixadores (americano, alemão e suíço) e um cônsul (japonês) como forma de salvar presos políticos do cárcere. Ao todo 115 presos políticos foram libertados e banidos para o exílio.

Luta armada e seus custos

É importante mencionar que o único partido que chegou mais perto da tentativa de implementação da guerrilha rural foi o PC do B, na região do Araguaia. Ainda em fins dos anos 1960 seus militantes começaram a ocupar a região e estudá-la para ver a viabilidade da formação do foco de guerrilha, entretanto, em 1974, uma ofensiva do Exército dizimou boa parte dos que lá estavam e colocou fim à experiência guerrilheira no país.

O resultado desta escolha pelas armas teve um preço alto. Segundo lista divulgada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) em dezembro de 2014, há 434 nomes de mortos pela ditadura. O pacto da Anistia (1979) fez com que nenhum militar envolvido em torturas, assassinatos ou desaparecimentos fosse punido.  

Referências Bibliográficas

BAUER, Caroline Silveira. Como será o passado¿ História, Historiadores e Comissão Nacional da Verdade. São Paulo: Paco editorial, 2017.

Documentário Pastor Cláudio. Direção: Beth Formaginni. 2018. 

FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (org.). As esquerdas no Brasil. Revolução e Democracia. 1964… Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

FICO, Carlos. Operação Brother Sam. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

MELO, Demian Bezerra. Revisão e revisionismo historiográfico: os embates sobre o passado e as disputas políticas contemporâneas. In: Marx e o Marxismo. v.1, n.1, jul/dez 2013. p.49-74

SALES, Jean (org). Guerrilha e Revolução: A luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.

Isabel Cristina Leite é Pós-doutoranda na Universidade Federal Fluminense (UFF), Programa Nota 10 da FAPERJ, desenvolvendo a biografia da ex-guerrilheira mineira Inês Etienne Romeu. Doutora em História na linha Sociedade e Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estágio sanduíche na Universidad Nacional San Martin (UNAM). Atualmente é integrante do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC/UFF), onde também integra a pesquisa: O projeto “A República no Brasil: trajetórias de vida entre a democracia e a ditadura”. É membro do Núcleo de Pesquisa em História das Américas (NUPHA-UFMG). Tem experiência na área de História do Brasil e História das Américas nos seguintes temas: ditaduras civis-militares, memória, violência e guerrilhas.

Como citar este artigo

LEITE, Isabel Cristina. Por que houve luta armada durante a ditadura militar? (Artigo). In: Café História – história feita com cliques. Publicado em 6 de maio de 2019. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/por-que-houve-luta-armada-no-brasil/.

Isabel Cristina Leite

Pós-doutoranda na Universidade Federal Fluminense (UFF), Programa Nota 10 da FAPERJ, desenvolvendo a biografia da ex-guerrilheira mineira Inês Etienne Romeu. Doutora em História na linha Sociedade e Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estágio sanduíche na Universidad Nacional San Martin (UNAM). Atualmente é integrante do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC/UFF), onde também integra a pesquisa: O projeto “A República no Brasil: trajetórias de vida entre a democracia e a ditadura”. É membro do Núcleo de Pesquisa em História das Américas (NUPHA-UFMG). Tem experiência na área de História do Brasil e História das Américas nos seguintes temas: ditaduras civis-militares, memória, violência e guerrilhas.

9 Comments Deixe um comentário

  1. Isabel, para saber quem foram os militares que participaram de perto na guerrilha de selva, procure saber quem recebeu, uma vez terminado o conflito, a Ordem de Caxias com Pluma. É fácil.

  2. Houve luta armada porque a extrema esquerda queria implantar o comunismo no Brasil o que graças o empenho dos militares não aconteçeu

      • A documentação solicitada por voce, são as declarações de diversas pessoas que participaram da luta armada. Basta ler suas declarações. O que se queria era implantar a Ditadura do Proletariado. Negar isso é negar a história. Não se pode negar diversos textos de escritores de esquerda, que afirmam que a luta armada foi um erro imenso por parte da esquerda. Dizimou-se diversas lideranças em busca de uma utopia, e não se avançou em nada.

  3. Justamente esses detalhes e muitíssimos outros, fazem da Mobilização das Esquerdas brasileiras, nos idos de 64, algo muito peculiar, tal qual seus antecedentes como Coluna Prestes e etc.Essa peculiaridade é astuciosa e perversamente ignorada por uns, pois que a reconhecem como atividades que buscavam dentro dos limites das características e realidade nacionais, isto é, Anos Luz de distância da REVOLUÇÃO RUSSA e/ou de qualquer movimento ideológico da Esquerda Européia, uma solução para o CARCINOMA SOCIAL brasileiro, que devorava a NAÇÃO e sepultava-a vertiginosamente na miséria, sob o peso das ações políticas de viés anacronicamente: CONSERVADOR, BUROCRATA, SECTÁRIO, SELETIVO, RACISTA, ESCRAVOCRATA, EXTORSIVO e torpemente GANANCIOSO/MÍOPE.Outros, talvez os mais letais, completos ignorantes das origens e fundamentos das questões sócio-econômicas do País que lhes acolheu para nascerem!!!

  4. Muito bom o texto! Ficaria mais completo se mencionassem a motivação real do golpe de 64. Ou seja, destituir um governo que traria mais representatividade aos pobres. Em especial, o projeto da Reforma Agrária e a Mesa de Negociações com associações trabalhistas. Contexto que fez os ruralistas e empresários organizassem uma rede social favorável a conhecida movimentação do exército.

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