Estudo realizado nos Estados Unidos aponta grande variação nas taxas de citações de artigo – o que pode indicar grandes diferenças na cultura de citações nas diversas áreas temáticas.
Por Simon Baker1
Tradução: Bruno Leal e Ana Tavares
É praticamente certo que artigos científicos no campo da Química ou da Neurociência serão citados pelo menos uma vez após cinco anos de sua publicação, assim como é certo também que, no mesmo período, três em cada quatro artigos no campo da Teoria Literária e das Artes Cênicas ainda estarão aguardando por uma única citação.
Essa expressiva diferença na taxa artigos acadêmicos não citados foi encontrada pelo pesquisador Billy Wong, da equipe de dados da Times Higher Education, em uma análise de dados bibliométricos realizada a partir da base de dados Scopus, da Elsevier.
A pesquisa levou em consideração disciplinas nas quais pelo menos 10 mil pesquisas foram publicadas entre 2012 e 2016. Quase 77% das publicações de 2012 nas Artes Visuais e Cênicas ainda não haviam sido citadas até 2017. Na Literatura e na Teoria Literária, o número foi de 75%, enquanto que em Farmácia foi de 70% e na Arquitetura, 69%.
A maioria dos assuntos com as maiores taxas de não citação no período em análise está no campo das Artes e das Humanidades, sendo que Filosofia e História, algumas de suas principais disciplinas, têm mais da metade da pesquisa sem uma única citação depois de vários anos.
Alguns temas em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês)2 também apresentaram taxas relativamente altas de trabalhos não citados: nas Engenharias Industrial e de Manufatura, por exemplo, 44% das publicações de 2012 não foram citadas no período estudado. Nas Engenharias Automotiva, Aeroespacial e Oceânica, essa taxa também estava acima de 40%.
No outro extremo da escala da citação, apenas 3% dos artigos publicados em 2012 no subcampo da “catálise” (pertencente ao campo da Engenharia Química e/ou em Química coloidal e de Superfície) ainda não foram citados ao fim dos cinco anos. Nessas áreas, quase metade dos estudos publicados em 2016 já recebeu alguma citação até 2017.
Para pesquisadores de diferentes disciplinas, a enorme variação nesse tipo de taxa demonstra como a cultura das citações pode diferir entre as áreas temáticas, em vez de ser a evidência de que há um problema com a qualidade da pesquisa em certos campos.
Problematizando as taxas de artigos não citados
Marco Caracciolo, professor assistente de Inglês e Teoria Literária na Universidade de Ghent, na Bélgica, foi quem recebeu mais citações em sua área entre 2012 e 2016, de acordo com dados da Scopus. Para ele, as razões por trás da alta taxa de trabalhos não citados em seu campo disciplinar teriam causas “provavelmente bastante complexas”. Trabalhos monográficos e capítulos de livros, ele explica, “possuem muito peso nesta área das Humanidades”. Assim, é mais provável que trabalhos desta natureza – ao invés de artigos – sejam mais citados. “A expectativa geral é que os artigos pavimentem o caminho para as monografias, que conterão a versão ‘final’ de um argumento – e não o contrário”, sublinhou Caracciolo.
O pesquisador disse ainda que a cultura de citação também é diferente para os estudiosos do lado mais teórico da área de Teoria Literária. Neste domínio, a citação de trabalhos “funciona sinalizando a afiliação a um certo movimento ou tendência teórica”. De acordo com Caracciolo, “os estudiosos posicionam sua abordagem não através de uma revisão abrangente da literatura, mas por meio de citações estratégicas – o que pode resultar em um número relativamente pequeno de publicações altamente influentes (geralmente livro) recebendo a grande maioria das citações no campo”.
“Isso é bem diferente do que acontece em outras ciências, nas quais a lógica parece ser mais incremental”, disse ele, acrescentando que sua própria taxa de citação pode ser maior porque seu campo primário de teoria narrativa tem “um aspecto mais próximo de uma ciência experimental”, ele complementa.
Harriet Barnes, diretora de Políticas de Ensino Superior da British Academy, também enfatizou que “diferentes disciplinas publicarão e citarão pesquisas de maneiras diferentes”. Ela explica: “para muitas disciplinas nas ciências humanas e sociais, cinco anos não é tempo suficiente para sentir o impacto da pesquisa. Algumas pesquisas terão uma vida útil muito longa e continuarão a ter um impacto considerável por 10 anos ou mais”.
Certamente, também existem pesquisas de baixa qualidade. Os trabalhos de pareceristas, por exemplo, sugerem que muitos dos estudos analisados são considerados de padrão inferior ao que se exige hoje para a produção de pesquisas de excelência.
No entanto, pesquisadores têm questionado a utilidade das taxas de citação – e de não citação – como forma de medir a qualidade das pesquisas nas variadas disciplinas. Mesmo em assuntos de STEM, a taxa de trabalhos não citados pode ser influenciada por fatores específicos da disciplina.
Frede Blaabjerg, um acadêmico altamente citado no campo da Engenharia Industrial e de Produção, professor da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, disse que na Engenharia muitas vezes o foco está “no desenvolvimento de artefatos, em testes detalhados e também em aplicações reais – o que leva tempo, não sendo a publicação uma prioridade ”.
Ele acrescentou ainda que algumas subdisciplinas da Engenharia também são bastante discretas, o que pode explicar um “volume relativamente baixo de pesquisadores que podem citar um artigo”.
Blaabjerg disse também que muitas áreas de Engenharia são tradicionalmente impulsionadas por conferências, a fim “de apresentar as coisas rapidamente e primeiro”, não podendo os trabalhos submetidos em tais eventos ser citados da mesma maneira.
Este é um ponto, por sinal, que coincide com a análise de dados da Times Higher Education. Se os materiais apresentados em conferências forem desconsiderados e só contarmos artigos originais ou de revisão, a Engenharia Industrial e de Produção tem uma taxa de artigos não citados muito menor para os artigos de 2012 (29%), enquanto que a subdisciplina de Engenharia com a taxa mais alta se torna Engenharia Aeroespacial (30%).
Se adotarmos esta regra, a taxa de trabalhos não citados cai na maioria dos campos, uma vez que os documentos da conferência e outras publicações menos propensas a receber citações, como editoriais, são removidos.
No entanto, mesmo com essa abordagem – que tem sido favorecida em outras tentativas recentes de quantificar as taxas de estudos acadêmicos não citados – ainda existem 12 disciplinas, que mais uma vez se encontram principalmente nas Artes e nas Humanidades, nas quais mais da metade dos artigos não foram citados após cinco anos.
Alerta: o questionamento dos financiamentos
Mesmo com as ressalvas sobre os padrões de citação encontrados nas diferentes disciplinas, existe o perigo de que as taxas de trabalhos não citados sejam usados por aqueles que querem questionar o valor da pesquisa financiada por fundos públicos.
Certamente, aqueles que financiam pesquisas estão cautelosos com essa possibilidade. Movimentos recentes, como a decisão dos conselhos de pesquisa do Reino Unido de apoiar uma declaração internacional sobre o uso responsável de métricas, apontam para um esforço mais amplo para que a representação de “impacto” seja mais do que apenas a contagem de citações.
“A comunidade acadêmica está cada vez mais consciente sobre os limites das métricas de citação como indicadores de qualidade ou impacto”, disse Barnes. “O impacto da pesquisa é muitas vezes complexo e as citações sozinhas não contam a história completa que o efeito de uma pesquisa tanto na academia como na sociedade em geral”, completou.
Notas
1 Simon Baker publicou esse artigo originalmente em inglês no site do THE (Times Higher Educacion) em 18 de abril de 2018 com o título: “How much research goes completely uncited?”. Clique aqui para ler o original. A tradução para o português e sua publicação no Café História foi autorizada pelo autor.
2 NT. Nos Estados Unidos, esse conjunto de disciplinas é popularmente conhecido como STEM: science, technology, engineering, and mathematics.
Simon Baker é editor de dados de pesquisa do Times Higher Education (THE). Ele está no THE desde maio de 2010 e já foi editor de notícias. Antes de ingressar no THE, trabalhou durante oito anos como repórter e editor de notícias na Press Association. Ele estudou na Universidade de Bristol, na Inglaterra, onde se formou em Economia e Política. Ele também possui pós-graduação em jornalismo impresso da City University, também na Inglaterra.
Como citar este artigo
BAKER, Simon. Um estudo sobre pesquisas acadêmicas não citadas (Artigo). Tradução de Ana Paula Tavares Teixeira e Bruno Leal Pastor de Carvalho. In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/pesquisas-nao-citadas/. Publicado em: 23 abr. 2018. Acesso: [informar data].