O autor Mauro Rasi é um nome bem conhecido entre os fãs da dramaturgia brasileira, trabalhou tanto para teatro, quanto para o cinema e televisão. Suas participações vão do drama à comédia mais popular. Participou dos times de programas festejados como “Armação Ilimitada” (1985), “TV Pirata”(1988) e “Sai de Baixo”(1996), mas seu grande legado deixou nos palcos com peças como o “Baile de Máscaras”(1991), “Cerimônia do Adeus”(1987) e “A Estrela do Lar”(1989) pelos quais recebeu prêmios como o Shell e o Molière.
Em sua obra (pelo menos parcialmente) autobiográfica, Rasi tematiza sua infância e adolescência em Bauru, as relações familiares entre sua mãe e suas tias e as situações e atrapalhações mundanas da rotina da classe média do interior nas décadas de 60 e 70. E foi esse material, mais expressivo em “Pérola” (1995), outro prêmio Shell de melhor autor de teatro para Rasi, que serviu de fonte para o segundo longa do ator, agora também diretor, Murilo Benício, após sua festejada estreia com “O Beijo no Asfalto” em 2018.
Benício também participa da criação do roteiro juntamente com Adriana Falcão, Jô Abdu e Marcelo Saback. A tarefa não era simples – transferir amor em estado puro nas telas sem glorificar a figura materna. E Murilo levou esse objetivo a sério.
A Família do pequeno Mauro se muda para Bauru para realizar o sonho de seus pais, Pérola (Drica Moraes) e Vado (Rodolfo Vaz). Pérola, a matriarca da família, é uma mulher animada que sonha em morar em uma Mansão com piscina e faz disso um de seus principais objetivos de vida. Para ela todos os dias são felizes, seu copo está sempre meio cheio – mesmo que na maioria das vezes seja com caipirinha de vodca. Vado é um pai dedicado e completamente apaixonado pela esposa e compartilha de seus sonhos e de sua empolgação. Já Mauro (Leonardo Fernandes) é um garoto sensível e tende a ser mais mal-humorado do que sua irmã menor Elisa (Valentina Bandeira). Ambos crescem sob os olhos de pais que colocam neles expectativas distintas: Mauro seria advogado e Elisa faria um bom casamento. Para completar a patota da casa ainda temos a tia Norma (Claudia Missura), uma fumante serial que, mesmo presa numa cadeira de rodas após um atropelamento quase fatal, nunca perde o entusiasmo pelas ideias de Pérola.
Apesar da aparente harmonia, Mauro passa a se sentir incompreendido pela mãe ao interromper os estudos de piano e decidir não cursar uma faculdade. Ele quer ser escritor e poeta, coisa que não parece agradar Pérola de forma alguma. Com o tempo a casa (ainda sem a sonhada piscina de Pérola), e a cidade de Bauru, se tornam pequenas demais para o jovem. Mauro abandona a casa maternal rumo ao seu sonho no Rio de Janeiro.
O filme de Murilo Benício é repleto de flashbacks que englobam quase três décadas da vida da família. Quando Pérola morre, Mauro volta a Bauru para seu enterro e durante essa longa viagem, fazemos com ele uma jornada por suas memórias mais marcantes. O que, enfim, tinha ficado de sua mãe dentro dele? Momentos alegres, tensos e tristes são costurados na narrativa. As cores vibrantes, figurinos e o tom autobiográfico da viagem de Mauro pelo seu passado com a mãe, tem fortes traços de Almodovar. Não há como ignorar algumas semelhanças, mas que, de forma alguma, chegam a influenciar no desenvolvimento do traço pessoal de Benício como diretor.
Drica Moraes é uma força da natureza, sempre que aparece na tela, brilha. Brilha como a pérola que interpreta. Como a mulher que vende alegria e esconde suas tristezas e decepções atrás do manto do álcool. A máscara (quase) nunca cai. É uma interpretação poderosa e carismática. Não desgrudamos raramente o olho dela. Por outro lado, essa luz tão forte acaba por ofuscar algumas performances menos envolvente, e nisso cito o próprio narrador e coprotagonista interpretado por Leonardo Fernandes. O seu Mauro é competente, mas, por vezes, engessado demais, além disso, o ator representa também o Mauro adolescente, o que acho que foi um erro (e uma economia desnecessária de elenco). Mas Drica está ali e com Rodolfo e Cláudia nos entrega os momentos mais doces e, ao mesmo tempo, mais amargos do amor e da conexão familiar.
“Pérola” é um trabalho com tom mais novelesco se comparado ao debut de Benicio com “O Beijo no Asfalto”, mas o filme nos ganha pela sua ternura. Após assisti-lo é quase inevitável corrermos para telefonar para nossas mães.
Apesar de ter estreado em 2022 no Festival do Rio, o filme está agora em cartaz desde o dia 28 de setembro nos cinemas brasileiros.