Em 2024, uma série de incidentes envolvendo turistas resultou em danos significativos a mais de um patrimônio histórico na Europa. Em junho de 2024, um grupo de parkour britânico, conhecido como Team Phat, foi filmado realizando acrobacias em Matera, uma cidade italiana reconhecida como Patrimônio Histórico Mundial da UNESCO. Durante suas atividades, o grupo causou danos a alguns edifícios históricos, gerando indignação pública e levando as autoridades locais a reforçarem a segurança e a fiscalização na área.
No mesmo mês, um turista holandês foi detido após ser flagrado vandalizando uma parede com afrescos em uma antiga casa romana em Herculano, próximo a Nápoles. O indivíduo enfrentou acusações por danificar uma estrutura que havia sobrevivido desde a erupção do Monte Vesúvio. E agora, ele deve responder por crime contra o patrimônio público.
Em setembro de 2024, em Bruxelas, um turista embriagado escalou e quebrou uma estátua histórica, causando danos estimados em cerca de 19 mil dólares. O incidente destacou os riscos associados ao comportamento irresponsável em locais culturais e levou as autoridades a considerarem medidas adicionais para proteger o patrimônio da cidade.
Todos esses episódios mobilizaram autoridades e comunidade civil próxima desses patrimônios históricos, a fim de desenvolver medidas mais rigorosas para proteger locais de importância cultural e histórica.
E uma grande pergunta ficou no ar: seria possível continuar incentivando o turismo sem colocar em perigo bens patrimoniais importantes para a cidade turística? E mais: como conciliar uma atividade econômica tão importante com a proteção das riquezas do passado?
Mobilização pelo patrimônio histórico
Em resposta a esses eventos, autoridades e organizações culturais têm intensificado esforços para educar o público sobre a importância da preservação do patrimônio histórico. Campanhas de conscientização, sinalizações mais claras e aumento da vigilância são algumas das medidas adotadas para proteger esses locais. Em algumas cidades, como Amsterdã e Barcelona, onde a relação com os turistas, em massa, é mais tensa, tem se falado muito em leis que limitem o número de turistas na cidade.
Além disso, iniciativas que promovem o turismo sustentável e responsável estão ganhando destaque. A UNESCO, por exemplo, reforça a importância de os visitantes compreenderem e respeitarem o valor dos sítios que visitam, garantindo que suas ações não comprometam a integridade desses locais para as futuras gerações.
Na caverna
Em algumas situações, os turistas comportam-se bem, mas a sua própria presença, combinada com a falta de mediação e gestão das autoridades públicas, acaba colocando em risco o patrimônio. Em reportagem sobre o assunto, a revista The Collector lembrou um caso emblemático ocorrido no sudoeste da França, local famoso por suas pinturas rupestres:
“A Caverna de Lascaux foi aberta ao público pela primeira vez em 1948, mas menos de 20 anos depois fechou suas portas para o público permanentemente em 1963. O número de visitantes atingiu incríveis 1.500 por dia; o calor, a umidade e o dióxido de carbono de todas aquelas pessoas amontoadas na caverna escura e sem ar estavam causando um desequilíbrio no ecossistema natural da caverna, levando ao crescimento excessivo de mofos e fungos que ameaçavam obliterar as pinturas pré-históricas. Hoje, a flora natural da caverna foi estabilizada e ela permanece firmemente selada, enquanto uma réplica intitulada Lascaux IV foi aberta para oferecer aos turistas um gostinho próximo da coisa real.”
Responsabilidade coletiva
A preservação do patrimônio histórico é uma responsabilidade compartilhada entre governos, organizações e indivíduos. Enquanto as autoridades podem implementar medidas de proteção e educação, cabe aos turistas adotarem comportamentos respeitosos e conscientes durante suas visitas. Mas, como não é possível apenas contar com essa conscientização de forma espontânea, as secretarias de turismo cumprem um papel importante, orientando o que é possível e o que não é possível fazer em locais de patrimônio histórico, por meio de informativos e monitores, que podem cobrir a área e assegurar o turismo sustentável e não invasivo.
Na Assembleia Geral de 1999, no México, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) adotou a Carta Internacional de Turismo Cultural do ICOMOS revisada, que havia sido preparada pelo Comitê de Turismo Cultural no período desde a Assembleia Geral de 1996 em Sófia.
O principal objetivo do documento era melhorar o relacionamento entre os profissionais de conservação e a indústria do turismo. Nele, a entidade sugere alguns pontos para o turismo responsável. Todos esses pontos continuam atuais e mais do que necessários, podendo, ainda, seguir de baliza para a reestruturação das visitas turísticas em lugares de patrimônio histórico. Confira a lista de recomendações do ICOMOS:
- Facilitar e encorajar aqueles envolvidos com a conservação e gestão do patrimônio a tornar o significado desse patrimônio acessível à comunidade anfitriã e aos visitantes.
- Facilitar e incentivar a indústria do turismo a promover e gerenciar o turismo de maneiras que respeitem e valorizem o patrimônio e as culturas vivas das comunidades anfitriãs.
- Facilitar e incentivar um diálogo entre os interesses de conservação e a indústria do turismo sobre a importância e a natureza frágil dos lugares patrimoniais, coleções e culturas vivas, incluindo a necessidade de alcançar um futuro sustentável para eles.
- Incentivar aqueles que formulam planos e políticas a desenvolver metas e estratégias detalhadas e mensuráveis relacionadas à apresentação e interpretação de locais de patrimônio e atividades culturais, no contexto de sua preservação e conservação.
- Ao planejar visitas a sítios históricos, é crucial que os turistas se informem sobre as regras e orientações locais, respeitem as barreiras e sinalizações, evitem tocar ou remover artefatos e considerem o impacto de suas ações no ambiente e na comunidade local. Sem esse tipo de colaboração, o patrimônio histórico corre riscos imensos e pode desaparecer no médio prazo.
O turismo e o patrimônio histórico podem coexistir de forma harmônica, quando há um equilíbrio entre o aproveitamento econômico e a preservação cultural. Para isso, é essencial que práticas sustentáveis sejam adotadas, como a manutenção regular dos monumentos, o controle do fluxo de visitantes em áreas sensíveis e a valorização das comunidades locais. Políticas públicas bem estruturadas podem garantir que o turismo contribua para a preservação do patrimônio, ao gerar recursos destinados à conservação e ao promover a educação sobre sua importância.
Sugestão de leitura
Em meados de 1950, a imprensa soltou uma bomba que chocou a opinião pública brasileira: o imigrante letão Herberts Cukurs, criador e proprietário dos pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal do Rio de Janeiro, havia cometido crimes de guerra durante a ocupação nazista da Letônia. Neste livro, que vai virar filme, o historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília e criador do Café História, investiga o chamado “Caso Cukurs”, desde a chegada de Cukurs no Brasil até a sua execução por agentes secretos do Mossad, de Israel. Livro disponível nas versões impressa e digital. Gosta de Segunda Guerra Mundial? Esse livro não vai deixar a desejar. Confira aqui.