Ícone do site Café História

“Pássaro Branco”: o cinema sobrevive

"Pássaro Branco": o cinema sobrevive 2

A veterana Helen Mirren está no filme. Foto: Larry Horricks/Lionsgate via AP).

Baseado no livro homônimo da autora americana Raquel Jaramillo Palácio, o filme “Pássaro Branco – Uma História de Extraordinário” acumulou expectativas antes de seu lançamento nos cinemas por ser apresentado como uma espécie de spin off do sucesso infanto-juvenil, “Extraordinário” (“Wonder”), de 2017. Enquanto “Extraordinário” é um filme abertamente sobre o bullying e suas consequências, “Pássaro Branco” remonta as memórias da invasão e ocupação nazista na França. Em ambos os casos há a perseguição e isolamento de personagens centrais que nos traz reflexões sobre a natureza humana, a intolerância e o preconceito.

Liderado pela veterana e renomada atriz, Helen Mirren, o elenco é formado por rostos pouco conhecidos do grande público e, mesmo com atuações convincentes, não foi suficiente para atrair o retorno financeiro esperado nas bilheterias. No entanto, “Pássaro Branco” é acertadamente uma oportunidade de aproximar os mais jovens a temas relacionados à Segunda Guerra, como o nazismo, a perseguição a judeus e minorias, e o Holocausto. Todos os aspectos do filme nos levam a crer que foram pensados com esse propósito. O roteiro, os diálogos, o enredo, a fotografia e a arte convergem para uma linguagem juvenil, simples, límpida, sem muita profundidade, mas suficiente para que adolescentes sejam fisgados.

Filme é basedo em obra de R.J. Palacio – confira aqui. Disponível nos formato físico e digital na Amazon Brasil.

Distraídos por uma trama em torno de um romance, um “primeiro amor”, à medida que a história avança, este público mais jovem é introduzido aos temas que não beiram a superfície. E é aí que reside o mérito de “Pássaro Branco” – apesar de todos os clichês, as metáforas rasas, os simbolismos óbvios e a semelhança com diversos filmes do gênero. É evidente o diálogo com “O Diário de Anne Frank” (1959), de George Stevens, onde a história é contada através da memória de Anne Frank (detalhadamente descrita em seu diário). Na sequência inicial do filme de Stevens, uma das mais tocantes da história do cinema, Mr. Frank, o pai de Anne, encontra o diário da filha e, ao começar a lê-lo, ele compreende, com mais clareza, a visão adolescente dos anos de guerra.

Já em “Pássaro Branco”, Sara Blum (Hellen Mirren) revela suas memórias a seu neto, de forma direta e, assim, é o adolescente que é forçado a compreender um universo o qual ele não viveu, mas que é parte intrínseca de sua identidade. Assim como Anne Frank, obrigada a se esconder com sua família num apartamento anexo, Sarah Blum, interpretada pela atriz Ariella Glaser – a personagem de Helen Mirren jovem –, para escapar da perseguição nazista, abriga-se no celeiro de uma casa, sob os olhares atentos de uma família, cujo filho adolescente é colega de turma na escola. Anne Frank compilava sua história num diário, Sara Blum desenha sua história num caderno escolar. Diante do mundo que vivemos hoje, permeados de redes sociais (e muita desinformação), aumento de intolerância, antissemitismo e negacionismo histórico, é importante que temas abordados em “Pássaro Branco” cheguem aos mais jovens. Nesse aspecto, o filme é bem-sucedido.

Para os mais atentos, detalhes não tão aparentes no filme possibilitam a sua apreciação de forma mais madura. Chama a atenção a maneira como o diretor, Marc Foster, sugere o cinema local como metáfora para a invasão nazista na França. Situado numa vila francesa, aos poucos ocupada pelos nazistas, é através do cinema que observamos as mais significantes transformações consequentes da Segunda Guerra.

Detalhe da obra de R.J. Palacio – confira aqui.

No primeiro momento do filme, o cinema é o local onde os jovens se encontram, flertam e se divertem ao assistir à obra de Charles Chaplin. Num segundo momento, já com a ocupação nazista estabelecida na vila, os jovens continuam a frequentar o cinema, porém, os filmes exibidos são de Leni Riefenstahl, conhecida por ser a diretora de cinema favorita de Hitler, denotando a imposição do nazismo aos conquistados. Num terceiro momento, descobrimos que a resistência francesa (os Partisans) se reúne atrás da sala de projeção do cinema. Ao longo do filme, o cinema local se torna, de fato, o palco da guerra. Da imposição nazista com os filmes de Leni Riefenstahl à escassez do público jovem presente, do massacre dos Partisans à destruição, das bombas jogadas na sala de exibição, da menina judia escondida atrás de uma poltrona ao silêncio das testemunhas. Mas no celeiro onde Sara Blum permanece abrigada há uma velha caminhonete e, à noite, projetando os faróis na parede, Sara e seu colega de turma, seu primeiro amor, vislumbram imagens de Paris, de viagens à África, de sonhos e esperanças distantes da guerra. Ali, escondido dos nazistas, o cinema sobrevive.

Sair da versão mobile