A aguardada biopic do festejado diretor Steven Spielberg chega aos cinemas brasileiros no dia 12 de janeiro de 2023. Para muitos fãs, um motivo de comemoração. Supostamente o diretor despejou seu coração nessa biografia, com traços de fantasia adolescente, como em nenhuma de suas obras anteriores. Em um roteiro escrito a quatro mãos com seu atual parceiro de empreitadas cinematográficas, Tony Kushner, de Munique ( 2005), Lincoln ( 2012) e West Side Story (2021), Spielberg também dirige e produz Os Fabelmans.
Mantendo uma cautela exagerada, Spielberg decidiu se distanciar de seus personagens – aqui não estamos diante de Steven mas de Sammy, um garoto que desde sua primeira experiência no cinema ao assistir O maior espetáculo da Terra (1952) desenvolveu uma fascinação por enxergar a vida pela câmara e recorta-lá na estação de edição. Sammy parece absorver a vida quase que inteiramente através das imagens que registra com a sua câmera super 8.
Sammy Fabelman, interpretado pelos atores Mateo Zoryon Francis-DeFord na infância e Gabriel La Belle na adolescência, enxerga no registro filmográfico uma forma de encapsular seu ambiente familiar. Sammy não gosta muito de mudanças, não lida bem com a perda de controle e se comporta, não raramente, como um mero figurante enquanto a vida passa por ele.
Ou pelo menos foi essa a sensação que Spielberg nos deixou. Confesso, não sou uma grande fã de suas obras mais comerciais. As considero projetos belos e brilhantes que não me seduzem pois são apenas um objeto de projeção de desejo ou adoração dentro das normas sociais padrão. Spielberg nos apresenta Os Fabelmans como sendo seu filme mais intimista, onde, supostamente ,trabalha seus traumas de infância e sua relação complicada com a mãe e, arrisco dizer, mulheres de uma forma geral. Indo além – não é possível ignorar pequenas notas de um ressentimento da parte de Steven com suas próprias experiências amorosas. O que não necessariamente seria ruim, caso o tom geral não nos deixasse com um gostinho desagradável de arrogância e autoindulgência na boca.
Somos apresentados à família Fabelman, aparentemente bem ajustada apesar da heterogenia de interesses entre o casal Burt e Mitzi. Burt é interpretado por Paul Dano, e Mitzi, pela premiada Michelle Williams. Dano se esforça no papel do pai e marido condescendente e carinhoso, porém, no final, ficamos apenas com uma espécie de Brian Wilson – papel que Dano interpretou muito bem em Love & Mercy (2014) – sem as drogas e com uma paixão por computadores no lugar de instrumentos musicais. Já Williams pesa demais a mão – na tentativa de representar convincentemente uma pianista frustrada que abandonou seus sonhos para criar filhos e cuidar da casa, acaba por nos atropelar com um caminhão de clichês de comportamentos pseudo bipolares e artisticamente inconsistentes.
A promessa de Spielberg ao seu público parece não ser cumprida – continuamos diante de mais uma produção sem profundidade e sem nenhuma revelação merecedora de um filme com 150 minutos de duração. Vemos apenas o enredo batido coming-of-age do garoto, relativamente privilegiado, que vê seus pais se divorciarem nos anos 60, passa pelo eventual bullying antisemita na escola e descobre que não consegue controlar todo mundo ao seu redor. Faltou assunto e faltou coragem, mesmo que esteticamente primorosamente executado.
Spielberg é famoso por colocar aqui e ali partes de si (ou de quem acreditar ser) em seus personagens. Quer seja em E.T. (1982) ou em toda a franquia Indiana Jones no retrabalho de divórcios mal resolvidos ou crises existenciais. Assim como uma importante abordagem do anti-semitismo como no sensacional A Lista de Schindler (1993). Talvez por isso a expectativa em relação a Os Fabelmans fosse maior – algo que fosse além de belas cenas e nostalgia bitter sweet adolescente. O cinema mundial já nos agraciou com avalanches de filmes (melhores) com essa temática. São tantos e tão bons que escrever uma lista deles transformaria essa resenha em um livro.
Talvez a vaidade e o tamanho do nome tenham sido um obstáculo grande demais para o ego de um dos diretores mais festejados do cinema norte-americano. E, ironicamente, as palavras de John Ford para o jovem Sammy não tenham sido plenamente assimiladas pelo Steven – ao receber o jovem aspirante a diretor, o figurão de hollywood resumiu: “Uma imagem é interessante quando o horizonte está localizado acima ou abaixo da tela, não ao meio.”
Spielberg com Os Fabelmans, infelizmente, ficou no meio.