Dizem que é preciso se preocupar com a democracia quando sabemos “de cor” o nome dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos nossos principais generais. Pois, eis o atual cenário político no Brasil.
A crescente tensão entre o governo Bolsonaro e o STF tem feito com que os nomes dos ministros da mais alta corte de justiça no país e de militares de alta patente estejam quase todos os dias nas capas de jornais e revistas. O ponto alto desta tensão ocorreu em junho, quando em vídeo de reunião ministerial ocorrida em maio, o presidente da República citou o artigo 142 da Constituição Federal, cogitando a “intervenção” das Forças Armadas a fim de “reestabelecer a ordem no Brasil”.
A resistência dos ministros do STF frente aos sucessivos arroubos autoritários do governo Bolsonaro tem levado a um maior interesse social pela história da mais alta corte do país, sobretudo a sua atuação durante a ditadura militar (1964-1985). Como teriam atuado os ministros no período? Foram cooptados ou fizeram um contraponto altivo aos ditadores?
Para conversar sobre o tema, entrevistei (por e-mail) o historiador e advogado Mateus Gamba Torres, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília. Torres é especialista em ditadura militar e defendeu, em 2014, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma tese intitulada “Política, discurso e ditadura: o Supremo Tribunal Federal nos julgamentos dos Recursos Ordinários Criminais (1964-1970)”. No papo que tive com o professor, ele falou sobre a sua pesquisa e não se furtou de comentar as tensões do tempo presente.
Professor, vamos começar do básico: o que é o Supremo Tribunal Federal? Qual a sua função social e atribuições jurídicas?
O Supremo Tribunal Federal brasileiro é um órgão do poder judiciário. Ele é formado por 11 ministros, indicados pelo Presidente da República e com seus nomes aprovados pelo Senado Federal. O artigo 101 da Constituição Federal estabelece quem pode ser Ministro do Supremo: “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. O STF tem as funções de Corte Constitucional: decidir toda e qualquer questão jurídica que tenha a ver com a Constituição. Além disso, ele serve como última instância do poder judiciário brasileiro em processos da chamada justiça comum (não especializada, como a eleitoral, trabalhista ou Militar).
A função social e política desta corte se insere no chamado sistema de freios e contrapesos de Montesquieu, onde o Supremo Tribunal Federal, na qualidade de Corte Constitucional, quando provocado através de alguma ação judicial, estabelece limites (dentro da Constituição) para a atuação de outros poderes. Como, por exemplo, no caso do Decreto 9.759/2019, que extinguia os conselhos da administração pública federal e que teve seus efeitos suspensos através de uma liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello. Essa ação ainda não foi julgada em definitivo, mas a maioria dos ministros já considerou que a extinção dos conselhos é inconstitucional.
As atribuições jurídicas do Supremo Tribunal Federal estão especificadas no artigo 102 da Constituição Federal de 1988, mas o mais importante é que esse artigo o coloca como uma salvaguarda da constituição: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”. Após tal artigo, especifica-se as ações e medidas que o Tribunal pode tomar caso seja provocado.
Como o STF de 1964 se diferencia do STF dos dias atuais, especialmente em termos de funcionamento?
Analisando a Constituição de 1946 percebe-se que não estava tão explícito essa “guarda da Constituição”. Talvez os agentes daquele tempo considerassem que isso estava implícito, ou talvez não quisessem deixar tão explícito. Teríamos que pesquisar o processo de elaboração da Constituição de 1946 para saber. Com relação ao funcionamento da corte, não havia a divisão em Turmas, como ocorre atualmente, tudo, naquela época, era decidido em Plenário (com votos de todos os Ministros). Hoje, há duas turmas de 5 ministros, ambas presididas pelos mais antigos. Caso o autor da ação ou o réu não concorde com o resultado de uma turma, ele pode recorrer ao Plenário do Tribunal para ter sua questão dirimida. O Plenário é formado pelos 11 Ministros, que podem decidir a questão em definitivo.
No geral, comparando as Constituições de 1946 e 1988, as atribuições do STF são bem parecidas, especialmente como última instância em alguns determinados processos: julgamento de Presidente da República, julgamento de Presidentes de outros Tribunais superiores (Eleitoral, trabalhista, Militar), etc.
O que o STF poderia fazer diante do Golpe de 1964 e o que efetivamente ele fez naquela ocasião?
Bom, o judiciário sempre se coloca numa posição de “inércia”. Isso significa que ele somente pode agir quando “provocado”: em geral, quando alguém entra com alguma ação. No momento do golpe, percebe-se que houve uma quebra institucional e constitucional gravíssima. Os militares depuseram um presidente eleito, e isso contrariou artigos e procedimentos determinados na Constituição da República para uma possível destituição. Além disso, na continuação do golpe, no dia 2 de abril de 1964, entre 3 e 4 da manhã, o Presidente do Senado Federal, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da república, mesmo com o Presidente da República estando ainda em Porto Alegre pensando na resistência. Todos os parlamentares e militares apoiadores do golpe se dirigiram a pé ao Palácio do Planalto para dar “posse” para o Presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli. Para dar um “verniz” de legalidade, eles literalmente acordaram e chamaram o Presidente do Supremo Tribunal Federal Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa para também dar “posse” ao Presidente da Câmara dos Deputados.
Eu digo que seria nesse momento que o Supremo Tribunal Federal poderia se insurgir. Por exemplo: o presidente do STF poderia ter negado a posse, não comparecer a ela ou, ainda, não considerar ela legal. A coisa foi tão estranha que um assessor da embaixada estadunidense que estava no local, assistindo ao evento, foi perguntado posteriormente por seus chefes nos EUA: a insurgência militar e deposição do Presidente foram legais? E ele respondeu que sim, afinal, o Presidente da Suprema Corte brasileira estava lá dando seu aval na “posse” do Presidente da Câmara dos Deputados (essa informação está descrita no documentário “O dia que durou 21 anos”).
Nenhum dos 11 ministros fez qualquer declaração contra o golpe de 1964, nem aqueles que eram mais alinhados com João Goulart. Na minha tese de doutorado, eu mostro que o grande medo dos ministros mais alinhados com o governo João Goulart era serem cassados, como, de fato, o foram diversos políticos ligados ao ex-presidente. Ou seja, o STF foi mantido aberto pelos golpistas, e isso bastava para os membros de poder ficarem calados. E em um primeiro momento, os ministros conseguiram o seu intento: não foram cassados no momento do golpe; isso só aconteceria em 1969
Hoje, diferentemente, eu noto os Ministros do STF se insurgindo contra esses tipos de declarações autoritárias, tanto quando se fala em fechamento do Congresso, e ainda mais quando se fala em possível fechamento do STF.
Em 1965, o governo militar ampliou o total de ministros do STF (de 11 para 16) para garantir a maioria. Podemos dizer que houve uma cooptação da suprema corte brasileira?
Sim, mas quero deixar claro que foi uma cooptação do STF como instituição constitucional. Os ministros não aceitavam isso de jeito nenhum. O primeiro militar a assumir a presidência, o ditador Humberto de Alencar Castelo Branco, por exemplo, tentou aprovar uma emenda à constituição, pois o AI-1 tinha perdido a validade. Essa emenda propunha, dentre outras modificações, o aumento do número de ministros do STF, de 11 para 16. Mas a constituição à época, no seu artigo 98, dizia que o número de ministros da corte só poderia ser aumentado por proposta do próprio tribunal, ou seja, tanto a emenda quanto a modificação em si já eram inconstitucionais.
Quando essa emenda foi proposta, houve na imprensa um debate nada amigável entre o então Presidente do STF, Ribeiro da Costa (sim, o mesmo que havia apoiado o golpe), e o então Ministro da Guerra, Costa e Silva, futuro ditador do regime. De um lado, o Presidente do STF falava que isso era inconstitucional; de outro, Costa e Silva dizia que os ministros deveriam aceitar o aumento de seus quadros, afinal, eles, os “revolucionários”, deixaram o Supremo aberto. Ou seja, os Ministros do STF começavam naquela momento a perceber que ao apoiarem o golpe de 1964, legitimaram a quebra da constituição em todos os sentidos, visto que o poder “revolucionário” não precisaria estar submetido a lei nenhuma.
Outra coisa interessante a ser notada. Os ministros do STF só reagiram aos ditadores quando perceberam que o tribunal iria sofrer intervenção em suas garantias constitucionais; pouco estavam preocupados com a democracia, mas sim em manter sua autonomia. No final, a emenda não foi votada, pois vendo que iria perder no congresso, o ditador editou o AI-2 que aumentava o número de ministros do Supremo e passou o julgamento dos crimes políticos (crimes contra a segurança nacional) para a justiça militar.
No final dos anos 1960, sobretudo depois do AI-5, as denúncias de tortura e outras violações dos direitos humanos se tornaram mais intensas. O STF enquanto instituição ou os seus ministros, individualmente, se pronunciaram à respeito? Mesmo cooptada, a corte conseguiu agir por alguma brecha?
O que eu consegui notar na pesquisa que fiz em jornais da época, é que desde 1964 a imprensa denunciava episódios de maus tratos e torturas. Porém, até onde eu li, em nenhum momento o STF se pronunciou sobre o assunto. Isso demandaria uma pesquisa mais aprofundada, mas nem mesmo no site do STF existe qualquer menção a tortura. Não vi isso nem após o AI-5.
Um mês depois do AI05, três Ministros foram cassados (aposentados compulsoriamente): Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal. Mais dois ministros pediram aposentadoria em solidariedade aos cassados: Antônio Gonçalves de Oliveira, na época presidente do tribunal, e aquele que seria seu sucessor, Antônio Carlos Lafayette de Andrade. O tribunal, assim, voltou a configuração original de 11 ministros, sendo 10 nomeados pelos ditadores e o ministro Luiz Gallotti, que era apoiador do regime e assumiu a presidência nesse momento. Ou seja, havia um Tribunal totalmente alinhado e amedrontado com a possibilidade de cassação. As denúncias de tortura não eram investigadas seriamente.
Em 2006, quando comecei a estudar ditadura utilizando como fontes processos judiciais, percebi que nos autos existiam notificações de autoridades policiais para se defenderem de acusações de tortura, mas sempre sem nenhum resultado. Isso respondeu a minha primeira dúvida que tive em 1998 quando era estudante de direito: se a tortura não era admitida em Lei nem durante a ditadura, onde estava o STF ou o judiciário durante a ditadura militar? Foi quando percebi que os ministros estavam cuidando de seus próprios interesses
No doutorado, você estudou o Supremo Tribunal Federal nos julgamentos dos Recursos Ordinários Criminais. O que era esses “recursos ordinários criminais” e por que eles são importantes?
O Recurso Ordinário Criminal era a última chance recursal de um acusado por crime político (crime contra a segurança nacional). Por exemplo, ao ser acusado de participar de um Partido considerado ilegal na época, como o Partido Comunista Brasileiro, o cidadão era condenado pela justiça penal militar na primeira instância. Nesse caso, a pessoa poderia recorrer ao Superior Tribunal Militar, e se confirmada sua condenação, poderia ela recorrer ao Supremo Tribunal Federal para pedir sua inocência através do Recurso Ordinário Criminal. Isso valia para a acusação também: caso o réu fosse absolvido nas duas primeiras instâncias, o Promotor da Justiça Militar poderia recorrer através do Recurso Ordinário Criminal para pedir sua condenação no STF.
A importância desse recurso se dava em dois aspectos: (1) O STF era o único tribunal civil a analisar a sua causa, apesar dos ministros serem nomeados pelos ditadores. Isso faz alguma diferença, pois os militares possuíam uma questão de hierarquia e disciplina, além de um conhecimento mais profundo da doutrina de segurança nacional do que os Ministros civis. Tanto isso é verdade, que a grande luta dos militares, na emenda que acabou se tornando o AI-2, era colocar como atribuição da justiça militar, aqueles que teriam cometido crimes políticos, ou como mencionado na época crimes contra a segurança nacional; (2) A partir do AI-5 não era mais permitido habeas corpus para crimes contra a segurança nacional, nem ao STF. Sendo assim, esse tribunal era o único fora da jurisdição militar que poderia libertar o réu de uma prisão ilegal através do Recurso Ordinário Criminal.
Conte uma descoberta ou conclusão interessante dessa sua pesquisa no doutorado.
A primeira conclusão faz parte da hipótese inicial sugerida pela minha orientadora. Ao invés de falar apenas do anticomunismo no STF, ela me sugeriu mudar um pouco o foco da pesquisa e verificar se mesmo vinculados diretamente a ditadura, e com medo de serem cassados, os ministros mantinham um discurso de independência nos processo, isto é, se eles se colocavam apenas como “defensores da lei”, sem entrar em questões “políticas”.
Pois bem, a hipótese de que o discurso era realmente de imparcialidade foi confirmado. Mas isso era um “verdadeiro faz de conta”, visto que os ministros sabiam o que poderiam ou não dizer, e até que ponto poderiam condenar ou não os réus. Além disso, apesar de não falarem de política partidária, pelo fato de aplicarem a doutrina de segurança nacional, os discursos dos Ministros nas suas decisões era marcadamente político, e seguiam em geral a “cultura política do inimigo interno”, o que invertia o princípio da presunção de inocência. Além disso, não faltam nos processos da corte daquela época expressões como “subversivos”, “esquerdistas”, “comunistas”, todas num sentido extremamente condenatório.
Descobri que esse discurso se recrudesceu muito após o AI-5. Os motivos são lógicos. Os ministros tinham medo, por exemplo, de serem cassados caso não estivessem alinhados com o regime militar. Eles já sabiam, inclusive, que a nomeação de vários ministros após AI-2 seguia uma visão ideológica com a ditadura. Por fim, o medo era muito maior depois do AI-5, que caçou três ministros e precipitou a aposentadoria de outros dois membros.
Outra descoberta que eu aponto é que o número de condenações após o AI-5 aumentou. Eu pesquisei o período de 1968 até 1970 e o que encontrei é gritante. Antes do AI-5 haviam poucas condenações; no período subsequente elas aumentaram em 50%, comparativamente.
Por fim, ao pesquisar a imprensa, notei o efusivo apoio ao golpe e a ditadura civil-militar do jornal O Globo. A imprensa em geral apoiou o golpe, mas alguns periódicos logo se “arrependeram” ou criticavam os rumos do regime. O Globo permaneceu fiel a ditadura.
Como vocês avalia os atuais embates entre o governo Bolsonaro e o STF?
Como tudo que pesquisamos em história, esta é uma história comprida, mas que vale a pena ser contada. Durante a campanha eleitoral de 2018, o Deputado Eduardo Bolsonaro disse que só precisava de um cabo e um soldado para fechar o STF. Isso causou um grande espanto e comoção nos meios de comunicação, além da irritação dos membros do próprio tribunal. Para completar, ele falou que ninguém iria na rua para defender o STF.
Mas porque ele falou isso com tanta certeza? Pois bem, eis o que eu considero a razão: em 1988, a Constituição Federal acabou com qualquer resquício de poder ditatorial do Presidente da República e colocou, como é praxe aos países democráticos, as decisões da Constituição a cargo de uma Corte Constitucional, no nosso caso, o STF. E não só isso, no artigo 5, inciso XXXV da mesma Constituição, está estipulado o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ou seja, todo conflito de interesse pode acabar no judiciário, e qualquer questão constitucional pode ser decidida no Supremo.
Após esse período, os ministros começaram a notar o seguinte: nós temos mais poder agora. Mas cultura, e sobretudo a cultura jurídica, demora para mudar. Os Ministros mais antigos continuavam mais adequados a forma de decidir dos períodos anteriores a Constituição de 1988. Eu lembro quando era estudante de direito, nos idos de 1997 à 2002, que em sala de aula criticávamos muito o STF justamente pelo fato dos ministros serem escolhidos pelo Presidente da República e em geral dar decisões que não contrariavam o Chefe de Estado que os nomeou.
Eu noto que começa a ocorrer uma mudança a partir do chamado “mensalão”. O ministro Joaquim Barbosa, nomeado pelo próprio Lula, condenou os ditos “mensaleiros”, dentre eles muitos aliados do governo (mas não vou entrar no mérito do processo, porque não o li).
Nesse momento, o STF caiu nas graças do povo, especialmente o Ministro Joaquim Barbosa. Daí em diante, o ministro e o tribunal como um todo estariam lutando contra uma coisa muito forte no país: a corrupção. Nesse momento, eu percebo que os ministros se fecharam como grupo e perceberam que quem decide as questões mais importantes na República são eles.
Mas, o que eu mais critico no supremo é a decisão de 2010, em que o STF manteve a lei de anistia de 1979 que “passou uma borracha” nos crimes cometidos pelos agentes do estado durante a ditadura. Dois ministros foram contrários: Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski. Qual o recado que o STF passa para a extrema direita? Que regimes autoritários podem fazer o que quiserem que serão anistiados. Isso arrefeceu muito a nossa política de memória. Mesmo a Comissão da Verdade sendo instituída em 2012, acredito que muito do que não foi feito se deveu a esse arrefecimento por não poder punir torturadores, diferente do que aconteceu na Argentina.
Outro caso que considerado importante: o golpe de 2016. Existiam indícios de que o então Presidente da Câmara Eduardo Cunha coagiu deputados para votar a favor do golpe. Era visível (e vários juristas afirmaram isso), que as “pedaladas fiscais” não se tratavam de um crime de responsabilidade da Presidenta. Pois bem: O que o STF fez? Nada. Várias ações foram impetradas, mas Dilma tinha vetado um aumento de 40% ao judiciário, o que a transformava em inimiga dos interesses do Supremo.
Mais um caso. Em 2016, na votação do impeachment de Dilma, o voto do então deputado federal Jair Bolsonaro elogiou Carlos Brilhante Ustra, que torturou Dilma. O falecido militar é o único agente do Estado declarado torturador pelo judiciário. O que o Ministério Público e o STF fizeram? Nada. Um argumento é a imunidade parlamentar. Todavia, as coisas que Bolsonaro falava fora da condição de deputado, em especial em sua campanha e antes dela, como alguns absurdos racistas, poderiam o ter levado a uma condenação criminal e a perda de direitos políticos, o que o proibiria de participar como candidato da eleição. Novamente o que fez o STF? Nada. As próprias ações de impugnação da chapa de Bolsonaro, uma do PSOL por invasão de um site mulheres unidas contra Bolsonaro, e as ações do PT e do PDT contra Bolsonaro por causa do caixa dois de campanha não foram votados pelo TSE na época da campanha, permitindo Bolsonaro de participar da eleição. E aqui vale lembrar que o TSE é sempre presidido por um ministro do STF.
Ou seja, o STF, que pouco fez pela democracia e deixou um apoiador explícito da ditadura chegar ao poder, está agora sofrendo as consequências desse governo autoritário. Apesar disso, o STF tem resistido à medidas autoritárias desse governo, e isso é elogiável. Bolsonaro está acuado com o processo que apura as “fakenews” e a participação de seus apoiadores nesses crimes. Processo que pode agora, levar a cassação de sua chapa. Não à toda, muitos de seus apoiadores começam a fazer ameaças a ministros do STF e a pedir para que os militares façam algum tipo intervenção autoritária, como, por exemplo, fechar a corte. Nada mais previsível.
Nessa situação, volto para o começo da resposta: quem irá defender o STF? Quem levantaria a bandeira? Nós democratas? Por pior que isso possa parecer, é justamente isso o que devemos fazer. Pela primeira vez desde 1988, eu estou vendo o STF utilizando o sistema de “freios e contrapesos” evitando os decretos e medidas absurdamente inconstitucionais do governo, além de investigá-lo. O tribuna, nesse caso, não faz mais que a obrigação, mas, como vimos, nem sempre foi assim.
Quando as decisões começaram a serem contrárias a Bolsonaro, como foram muitas vezes dadas em governos anteriores, como foi o caso do PT, o governo e o partido acatavam, ou se não acatavam, utilizavam os meios jurídicos para reverter a situação. Já Bolsonaro não aceita, e a “guerra” contra o STF agora é mais forte, pois o medo dos Ministros da corte não é tanto a guarda da Constituição, mas principalmente os seus próprios cargos.
Mas, ainda sim, são as regras do jogo democrático. Obedecendo decisões do STF e o sistema de freios e contrapesos, nós estamos praticando a democracia, e nesse momento com esse governo no executivo, é justamente importante que apoiemos o STF e o Congresso abertos.
Como citar esta entrevista
TORRES, Mateus Gamba. O Supremo Tribunal Federal durante a ditadura militar, segundo este historiador. In: Café História – História feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/o-stf-durante-a-ditadura-militar/. Publicado em: 27 jul. 2020. ISSN: 2674-5917.