Frequentemente, quando o assunto é a ditadura do Estado Novo, muito se fala do Plano Cohen, um falso plano de tomada de poder pelos comunistas brasileiros. Mas o que foi esse plano? Quem o armou? Por quais motivos? E o que dizem os historiadores sobre esse acontecimento que gera tantos debates e embates ainda hoje? Para responder a essas questões, esse texto está dividido em quatro atos.
1º ato: a criação da ficção
O Plano Cohen foi um documento forjado e divulgado pelo governo Vargas em setembro de 1937. Seu principal objetivo era justificar a instauração da ditadura do Estado Novo (1937-1945), o que aconteceu em novembro daquele ano. Segundo o governo brasileiro, em especial a cúpula militar, tratava-se de um suposto plano orquestrado pela Internacional Comunista para tomar o poder no Brasil.
Esse discurso, por mais fictício e conspiratório que possa parecer, fazia sentido naquele conturbado cenário político da década de 1930, com disputas ferrenhas e violentas entre fascistas e comunistas, entre a Ação Integralista Brasileira (AIB) e Aliança Nacional Libertadora (ANL), em especial, após a tentativa malsucedida dos comunistas brasileiros em tomar o poder em 1935, a partir levantes em Natal, Recife e no Rio de Janeiro. Desde então, o Brasil passou por sucessivas prorrogações do estado de sítio que culminaram no Decreto nº 702, de 21 de março de 1936, instalando o estado de guerra, mecanismo que proporcionou poderes extraordinários ao chefe de Estado. Luís Carlos Prestes, principal nome do comunismo brasileiro na época, era o inimigo número 1 do governo varguista. Portanto, entre 1935 e 1937, a insurgência de uma nova “Intentona” comunista era, de fato, uma ameaça real e isso deixou muitos setores conservadores da sociedade brasileira alarmados.
2º ato: os personagens da ação
É nesse ambiente político que em setembro de 1937, numa reunião da alta cúpula militar do país, que o Plano Cohen, supostamente apreendido pelas Forças Armadas, foi apresentado a Getúlio Vargas. O presidente sabia se tratar de um documento falso, mas concordou com o seu uso, já que o mesmo atenderia às suas pretensões autoritárias.
Participaram deste encontro o general Eurico Gaspar Dutra, então ministro da Guerra, o general Góes Monteiro, então chefe do Estado-Maior do Exército, e Filinto Müller, então chefe de Polícia do Distrito Federal – curiosamente, os mesmos personagens que anos depois, em outubro de 1945, seriam o responsáveis pela queda de Vargas.
As reais motivações da criação desse embuste foram conhecidas somente anos depois. Em meados de 1945, durante a crise política do governo Vargas, o general Góes Monteiro revelou que o Plano Cohen era uma fraude. O documento, segundo informou Monteiro, fora escrito pelo capitão Olimpo Mourão Filho. Mourão era uma figura importante do movimento integralista e redigiu o material como uma simulação de golpe de estado comunista para um exercício defensivo dos integralistas.
Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira (AIB), rejeitou o plano. Achou que o partido não deveria usar o material por julgá-lo fantasioso demais. O chefe do Estado-Maior do Exército, Góes Monteiro, por outro lado, gostou e aproveitou parte do documento como justificativa para solicitar ao Congresso que tornasse a decretar o estado de guerra. Portanto, a falsificação de um documento para o seu uso político culminou em um regime autoritário no país, o Estado Novo – hoje sabemos, mais do que nunca, o peso e as consequências de uma fake news.
Segundo ainda Góes Monteiro, o nome “Cohen” foi escolhido pelos militares para fazer referência ao líder comunista Bela Cohen, que governou a Hungria em 1919. Para outros porta-vozes da época, tratava-se de um plano comunista atribuído a um judeu imaginário, Cohen, que expressaria a ameaça do judaico-comunismo internacional.
3º ato: o clímax anticomunista
O objetivo dos militares com isso era radicalizar o discurso anticomunista do governo para ampliar seus mecanismos de repressão e ação, de forma que aquele documento surgiu como uma boa ferramenta a ser manipulada. Por isso, sua autenticidade sequer foi questionada, e dias depois da reunião, o Plano Cohen foi divulgado publicamente, via ondas de rádio do programa Hora do Brasil, alcançando enorme repercussão na imprensa e na sociedade. O documento previa a mobilização dos trabalhadores e estudantes para a realização de uma greve geral, o incêndio de prédios públicos, a promoção de manifestações populares que terminariam em saques e depredações e até a eliminação física das autoridades civis e militares que se opusessem à insurreição.
As lideranças do Exército enxergaram o Plano Cohen como uma conspiração contra o país, a nação e o Exército brasileiro. Este, que era visto como a “salvaguarda da pátria”, deveria, então, agir, ainda que fora da lei, para garantir a defesa das instituições, da democracia, da lei e da própria família. Com isso, a antessala da ditadura estado-novista estava montada. E, mais uma vez, a República e a democracia estavam em risco.
4º ato: as cortinas se fecham
O grande beneficiado de todo essa falsificação era o presidente Getúlio Vargas, declaradamente anticomunista. Naquele momento, havia uma grande expectativa em relação ao sucessor do presidente gaúcho nas eleições previstas para 1938. No entanto, com o apoio dos militares, Vargas organizou um golpe político, em 10 de novembro de 1937, para garantir a sua permanência no poder. Era o início da ditadura do Estado Novo (1937-1945), período de muita repressão, violência institucional e censura.
A historiografia, hoje, concorda que o Plano Cohen, representando uma suposta ameaça comunista, foi a principal justificativa utilizada pelos golpistas para a implantação da ditadura estado-novista. A falsificação também deu “carta-branca” para a caça dos “vermelhos” comunistas (e diversos outros opositores). A ditadura do Estado Novo empregou diversos mecanismos de repressão, tortura e censura. Mais uma vez a liberdade no país foi comprometida. Plano Cohen, em suma, foi uma obra falsa, fruto de uma agenda politica, que provocou graves sequelas junto às instituições políticas brasileiras e, de certa forma, ainda hoje reverbera ao se falar do fantasma do comunismo no Brasil.
Referências
MCCANN, Frank D. Soldados da Pátria: história do Exército Brasileiro, 1889-1937. São Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2009.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O mito da conspiração judaico-comunista. In: Revista de História, no 138, 1998.
REIS, Daniel Aarão. Luís Carlos Prestes: Um revolucionário entre dois mundos. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
SILVA, Hélio. A Ameaça Vermelha. O Plano Cohen. Porto Alegre: L&PM, 1980.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo, o Fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974.
Como citar este artigo
GOMES, Rafael Nascimento. O Plano Cohen: ficção e realidade na antessala do Estado Novo (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/o-que-foi-o-plano-cohen-ficcao-realidade-no-estado-novo/. Publicado em: 22 fev. 2021. ISSN: 2674-5917.