O “Caminho do Ouro” redescoberto

Sítio histórico-arqueológico inédito do chamado "caminho do ouro" é descoberto na região do Paraíba do Sul.
4 de dezembro de 2013
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O "Caminho do Ouro" redescoberto 1
Equipe da Expedição em frente ao prédio do Registro de Paraibuna. Foto: autor.

Foi descoberto um trecho de quase 3 km do até agora desconhecido calçamento original do Caminho do Ouro (ou a Estrada Real) que passa pelo Município de Paraíba do Sul e segue até Minas Gerais. A descoberta se deve ao Pesquisador Denis De Abreu Oliveira, que levou a notícia ao secretário de Planejamento Getúlio Junior e ocorreu em 2013. Paraíba do Sul é o município pioneiro da Serra Fluminense, disseminadora de civilização na região e local extremamente rico em termos históricos.

O IPHARJ – Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro, representado por mm (que estudo o Caminho do Ouro desde 2007) procura agora auxiliar a Prefeitura de Paraíba do Sul a reconhecer e valorizar seu rico e inestimável Patrimônio Cultural.

O trecho descoberto estava coberto de vegetação e constitui local até agora desconhecido pelos pesquisadores do Instituto Estrada Real. Este caminho ligava o Rio de Janeiro às Minas Gerais, sendo aberto há mais de 300 anos pela Coroa Portuguesa. Nas partes já conhecidas e revitalizadas (principalmente em Paraty), a Estrada Real tornou-se um destino turístico reconhecido no Brasil e no exterior. A estrada passa por 199 municípios – 169 em Minas Gerais, 22 em São Paulo e nove no Rio de Janeiro – e tem 1,6 mil quilômetros de extensão.

A Estrada Real ou o Caminho do Ouro era o nome alusivo a qualquer via terrestre que, à época do Brasil Colônia, era percorrida no processo de povoamento e exploração econômica de seus recursos. Entre os séculos XVII e XIX um conjunto de vias terrestres – muitas delas simples reapropriações de antigas trilhas indígenas (peabirus) – aproximou diferentes regiões do território brasileiro. Os peabiru (na língua tupi, “pe” – caminho; “abiru” – gramado amassado) são antigos caminhos, utilizados pelos indígenas sul-americanos desde muito antes do descobrimento pelos europeus, ligando o litoral ao interior do continente.

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Detalhes do calçamento do trecho descoberto e de muros de arrimo nas laterais da estrada. Foto: autor

Em 1681 Garcia Rodrigues Paes, filho do Bandeirante, Fernão Dias, descobriu um remanso no Rio Paraíba do Sul. Sabendo que o local era próximo ao Rio de Janeiro, viu a possibilidade de ali abrir um novo caminho que aproximasse o tráfego entre as minas de pedras preciosas (descobertas pelo seu pai) ao porto do Rio de Janeiro. Segundo documentação, em 1682 Garcia firma um contrato prometendo abrir “o mais direto caminho que pode haver entre as minas e o mar”. Recebendo em troca pelos serviços prestados, terras e privilégios, desde que descobertas ouro e pedras preciosas. No ano de 1683, surge a ocupação inicial com a Fazenda de Garcia que deu origem a cidade. Após 15 anos, com a descoberta e exploração do ouro em Minas Gerais, iniciou a abertura do “Caminho Novo”.

A Fazenda da Parahyba se tornou local de abastecimento com milho, peixe e caça para as frentes de trabalho de índios purís, escravizados pelos agregados de Garcia – os curibocas guaianás do Planalto de São Paulo. O trecho do caminho entre Paraíba e Rio de Janeiro foi concluído em 1700, e em 1704 atingiu a Mantiqueira, onde o “Caminho Novo” uniu-se ao já existente que vinha de São Paulo. O guarda mor das Minas, Garcia Rodrigues Paes, recebe sesmarias de quase 40 km x 13 km ao longo do caminho.

De 1698 a 1700 abriu o trecho do Paraíba ao Rio de Janeiro, e até 1704 o que atingiu a Serra da Mantiqueira. Aí, na região da atual Barbacena, o Caminho Novo se juntou ao Velho, que vinha de São Paulo. De 1709 a 1711 esteve Garcia em Lisboa, lutando para que Dom João V cumprisse as promessas do pai pela abertura do Caminho Novo. Foi nesse interregno que Maria Pinheiro da Fonseca, a esposa, guardou na fazenda o tesouro colonial trazido às pressas do Rio de Janeiro invadido pelos franceses. falecendo em Paraíba do Sul no ano de 1738, o desbravador Garcia Paes deixa uma das maiores fortunas do Brasil Colonial a seus descendentes – os Paes Lemes – que mantiveram as terras da Fazenda da Parahyba vivendo de arrendamentos e recebendo “foros” até 1833, quando então é elevada a Villa da Parahyba do Sul.

Paraíba do Sul está intimamente ligada a história da Inconfidência. Possui na Vila de Sebolas, 3º distrito, os restos mortais de Tiradentes; que por determinação da sentença de morte, foram expostas em frente à Fazenda das Sebollas, local onde o inconfidente pregava a Independência do Brasil.

O novo trecho descoberto é formado por placas de pedras arrumadas de uma forma que chamamos de pé-de-moleque. Além do piso original do calçamento, vê-se ao longo do terreno muros de arrimos que ajudavam a conter partes mais altas das estradas, e em alguns casos vestígios arqueológicos espalhados pelo solo. Sabe-se que ao longo dos caminhos existiam casas e estalagens e existe grande expectativa de a Arqueologia poder resgatar mais e mais do passado dessa região. Devido ao fato do local ser de difícil acesso e sem interesse econômico foi esquecido e dessa forma preserva as formas e atmosfera do passado de 332 anos quase que intacto.

O percurso do Caminho Novo começava em embarcações à vela, no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro, no antigo Cais dos Mineiros, entre o sopé do morro de São Bento e a atual praça XV de Novembro, quase em frente a atual igreja da Candelária. Depois de uma escala na Ilha do Governador, seguia-se navegando até ao fundo da baía de Guanabara e adentrava-se pelo rio Iguaçu e, depois, pelo seu afluente, o rio Pilar, percorrendo-se um total de doze quilômetros em rios. Desembarcava-se no porto de Pilar do Iguaçu, atualmente um bairro do município de Duque de Caxias, onde ainda existe a igreja da época. Parte desse caminho foi calçado por Conrado Jacob Niemeyer, cujo calçamento persiste em excelente estado de conservação no interior da Reserva Biológica do Tinguá (nos municípios atuais de Nova Iguaçu e Miguel Pereira). A partir daí iniciava-se a pé, a cavalo ou em mulas, a viagem por uma estrada que seguia até a vila de Xerém, passava pela atual Reserva Biológica do Tinguá, pela extinta freguesia, arraial e igreja de Santana das Palmeiras, subia a serra até Paty do Alferes. Como Garcia Rodrigues Paes abriu o caminho do interior para o litoral, não cuidou ou não pode escolher o trajeto menos íngreme. A subida da serra de Xerém até Paty do Alferes era de difícil acesso, fazendo com que cargas fossem perdidas, mulas caíssem em despenhadeiros e homens se ferissem. Além disto era comum os ataques indígenas e de bandidos. Dali, descia em direção a Paraíba do Sul, onde cruzava o rio do mesmo nome. Daí seguia até Ouro Branco. Esse foi o caminho utilizado para escoamento do café do Vale do Paraíba, por tropas.

Em 1704, Garcia Rodrigues Paes, com saúde e fortuna arrasados por anos de trabalho extenuante, passou a tarefa de conclusão da nova rota para seu cunhado Domingos Rodrigues da Fonseca. Somente em 1709 o Caminho Novo passou a ser utilizado regularmente por tropeiros, encurtando o tempo de viagem de 100 para 25 dias. Nesta época, o Caminho do Ouro de Paraty passou a ser conhecido como “Caminho Velho”.

Até o início do século XIX, a região era percorrida por várias tribos de índios nômades conhecidas genericamente como coroados. O caminho descia a serra pelos atuais distritos de Avelar e Werneck até cruzar o rio Paraíba do Sul, onde hoje está a cidade de Paraíba do Sul. Depois seguia-se, sentido norte, atravessando a Serra das Abóboras, alcançando Paraibuna, em território do atual município fluminense de Comendador Levy Gasparian e, daí, internando-se em território mineiro, seguia até a atual Juiz de Fora até atingir a região de Vila Rica (atual Ouro Preto).

Foi realizada na data de 27 de outubro último a Expedição Exploratória do Caminho do Ouro dentro do Município de Paraíba do Sul, na fronteira do Estado do Rio com Minas Gerais. A equipe foi formada por 12 pessoas, liderada pelo Pesquisador Denis De Abreu Oliveira e o secretário de Projetos de Paraíba do Sul, o Arquiteto Getúlio Junior. A equipe incluiu a Secretária Municipal de Cultura, Verônica Rocha, o Representante do INEPAC, Rafael Azevedo e o Arqueólogos do IPHARJ (que está com projetos em andamento dentro do Município). Na ocasião foram encontrados vestígios arqueológicos e o Registro do Sitio já foi encaminhado para o Cadastro Nacional de sítios Arqueológicos do IPHAN.

O Caminho do Ouro de Paraíba do Sul é surpreendente, pois a cada passo vislumbramos muitas florestas intocadas, maciços rochosos aparentemente intransponíveis, mas que Fernão Dias Paes penetrou como grande bandeirante brasileiro, e logo depois seu filho Garcia Rodrigues Paes Leme. Na data de hoje se comemora 332 anos de muita história, de um dos municípios mais antigos do Brasil.

Para celebrar esta grande descoberta a Prefeitura de Paraíba do Sul, na administração Marcinho de Abreu recebeu a ideia do IPHARJ e da Secretaria de Planejamento e instituiu a criação do MARCO – Museu Arqueológico do Caminho do Ouro, já foi aprovada pela Prefeitura e esta se mobilizando para transformar esse projeto em realidade.

Como citar este artigo

CLARO, Celso Fernando. A representatividade asiática na história do Oscar (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/a-representatividade-asiatica-na-historia-do-oscar/. ISSN: 2674-5917. Publicado em: 27 Fev. 2023.

Claudio Prado de Mello

Historiador e arqueólogo, Diretor-Presidente do Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro.

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