“O Brasil vai colorir”: a trajetória de Fernando Collor até a presidência da República

A acidentada trajetória de um governador alagoano que se tornou o primeiro presidente eleito diretamente após o fim da ditadura militar.
13 de novembro de 2023
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O presidente eleito Fernando Collor de Melo faz seu primeiro discurso durante cerimônia de posse 15.03.1990, em sessão conjunta do Congresso Nacional, presidida pelo Senador Nelson Carneiro. Foto: : Arquivo Senado.

“O objetivo era ser conhecido pelos brasileiros. Conhecido como o jovem enérgico que não participava das jogadas dos jaquetões da política. (…) Ele ia botar relógio no ponto e fazer todo mundo trabalhar. Fernando Affonso Collor de Mello foi eleito governador aos 37 anos porque construíra essa mensagem contra uma casta de privilegiados, os marajás”.

As palavras do jornalista Mário Sérgio Conti introduzem melhor do que muitos nós, estudiosos do período, alguns dos passos de Fernando Collor de Mello, filho de uma família da elite de Alagoas que conseguiu ser o presidente mais jovem da história do Brasil. Collor foi (e é) um personagem que assusta várias pessoas que se deparam com as palavras “confisco” ou “marajá”, e transformou em escândalos nacionais suas relações com o irmão Pedro Collor e com seu tesoureiro, Paulo César Farias, conhecido como PC, assassinado em 1996, em Maceió, Alagoas.

Entretanto, essa figura midiática também foi responsável pelo primeiro governo eleito diretamente desde 1960, momento em que os brasileiros elegeram Jânio Quadros, e tentou, à sua maneira, construir um “novo” país, baseado em “novas” ideias.

O final desta história nós já conhecemos: Collor sofreu um processo de impeachment em 1992. Foi um dos principais eventos políticos da década. Mas como começou essa história? Como Collor chegou ao poder? O que pensava esse “caçador de marajás”?

O “caçador de marajás”

Antes da presidência, Fernando Collor de Mello não era exatamente um desconhecido. Sua família era dona de uma rede de mídia, as Organizações Arnon de Mello, afiliada da Rede Globo em Alagoas. Tanto o seu avô, Lindolfo Collor, ministro de Getúlio Vargas, quanto o seu pai, Arnon de Mello, governador de Alagoas e senador que realizou o único assassinato entre políticos no Congresso Nacional, tiveram passagens políticas, sendo este último que lançou Fernando, buscando proteger os interesses da família.

Collor carregava na sua trajetória política uma carreira que contemplava variados partidos e cargos até a campanha eleitoral de 1989, que o fez presidente. Em 1987, ele tornou-se governador de Alagoas, alçado pelo mote de campanha “caçador de marajás”.

O historiador Marco Antônio Villa comenta que a alcunha veio de um comício em Maceió durante as eleições de 1986 para governador. Criticando os altos salários dos funcionários públicos e do péssimo serviço devolvido, uma pessoa na multidão gritou que era necessário acabar com os “marajás” – Collor concordou. Nas palavras de Villa, “ficou conhecido como o ‘caçador de marajás’ devido à tentativa de combater o empreguismo e os altos salários da administração pública estadual. Da noite para o dia virou notícia nacional”.

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Manifestação pelo Impeachment de Fernando Collor de Mello em 29 de setembro de 1992. Foto: Célio Azevedo.

Durante a campanha para governador, Collor utilizou o seu conhecimento midiático (na juventude, por pressão do pai, foi repórter no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro) para ser o interlocutor de pautas difusas da população e saber vender as suas ideias. O pacote de medidas em relação aos “marajás” em Alagoas foi justamente batizado de “Pacote de Moralização”, não por um político tradicional, mas pelo seu amigo e assessor de imprensa, Cláudio Humberto Rosa e Silva, que possuía trânsito nos jornais nacionais e acompanharia Collor na campanha presidencial de 1989.

A “Caça”

O “combate aos funcionários públicos” se tornou uma de bandeiras mais populares de Collor na política. Ele falou abertamente sobre o tema em entrevistas para revistas de grande circulação, como “Veja” e “Isto É”, e também para redes de televisão, principalmente a “Globo”. Além do epíteto de “Caçador de Marajás” ter lhe dado projeção nacional e uma imagem positiva na mídia, Collor ainda utilizou mais uma demanda difusa para se sobressair no meio: a pouca legitimidade de José Sarney. Atacando o então presidente da República por sua responsabilidade na crise política, inflacionária e fiscal do país, Collor antagonizava com o desafeto. O cientista político Carlos Melo destaca:

“Ao enfrentar Sarney na questão do mandato e encarar os problemas com o funcionalismo de seu Estado, Collor demarcou suas diferenças de estilo com o presidente ‘desprezado’ pela população. A imagem construída era de absoluta negação do estilo político do presidente: enquanto o governador não tinha medo, não fazia concessões, enfrentava, inclusive, a Justiça; o outro compunha, negociava, cooptava por métodos nem sempre transparentes, nas denúncias que Collor lhe fazia. Assim, ele, Collor, era forte; Sarney, fraco; ele era probo; Sarney, desonesto; ele teria coragem; Sarney, medo”.

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O presidente Fernando Collor, durante a viagem em um caça P-5, com destino à Base Aérea em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Foto: 1990-1992, indefinida.

Mas além dos ataques a Sarney e aos funcionários públicos, Collor também abraçou mais uma pauta política: a modernização. “Modernizar-se”, para ele, era integrar-se ao mundo do capitalismo liberal, às novas orientações dos países centrais como Estados Unidos e Inglaterra, à abertura da economia e do abandono da ideia de um Estado interventor.”

Esses três eixos se converteram em um eixo ainda maior: a crise do Estado. Esses aspectos, aparecendo cada vez mais conforme a viabilidade nacional de Collor se reforçava, formularam a agenda política que o lançou a candidato a presidente em 1989.

A eleição presidencial de 1989

A eleição de 1989 tinha muitos simbolismos e significados políticos. Era a primeira eleição presidencial após a homologação da Constituição de 1988, estabelecendo um arcabouço legal que garantiu um forte aspecto democrático ao novo cenário eleitoral, como a garantia de voto aos analfabetos e a possibilidade de jovens de 16 anos votarem.

Além disso, a eleição acontecia em um momento de severo desarranjo econômico, com a inflação atingindo quase quatro dígitos anualmente e com o déficit público comprometendo a capacidade do Brasil de honrar suas dívidas, o que gerou graves consequências econômicas, políticas e sociais, tornando imperativa a escolha de um caminho que resolvesse a crise brasileira e estabilizasse a conjuntura político-econômica.

Collor saiu do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) em 1988 e se filiou ao PRN (Partido da Reconstrução Nacional) em 1989. Esse partido, que antes possuía o nome de PJ (Partido da Juventude), era uma agremiação pouco conhecida e de pouca expressão política. Sustentava-se basicamente na imagem do presidenciável. Para vice, escolheu Itamar Franco, visando maior interlocução com o sudeste e, principalmente, com Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do Brasil.

O PRN lançou seu programa eleitoral no HGPE (Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral) em março de 1989, e escolheu a TV como seu grande foco de mídia.

“Pode-se afirmar que sua agenda (e a agenda política do país, presente no noticiário e nos editoriais dos meios de comunicação) está integralmente ali colocada: a defesa apaixonada da moralização pública; a crítica à política econômica – vazia de conteúdos mais sólidos, aferra-se à questão da dívida externa; a denúncia à ineficiência administrativa pública; a defesa da superioridade da gestão privada comparada ao Estado; seu entendimento das mudanças econômicas internacionais etc.”, diz o pesquisador Carlos Melo.

Nesse cenário, Fernando Collor não era o único que representava um ideal anti-Estado ou pela reformulação do aparato brasileiro. Paulo Maluf (PDS – Partido Democrático Social), Guilherme Afif (PL – Partido Liberal) e Mário Covas (PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira) convergiam nesse aspecto com o candidato do PRN. O ponto é que Fernando Collor era o único que centralizava um discurso agressivo e amparado na sua personalidade midiática para estabelecer essas ideias concebidas como modernizantes e moralizantes.

Na esquerda

No lado da esquerda, os candidatos Luís Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel Brizola (PDT) faziam oposição ao discurso de Collor. Porém, Lula era mais hábil com a mídia, e sua imagem tornou-se mais forte naquele momento do que a de Brizola. Na televisão, a coligação Frente Brasil Popular fez muito sucesso. Mimetizava a Rede Globo com a “Rede Povo”, e uniu uma grande quantidade de artistas e intelectuais em seu nome. A mobilização como líder sindical também se fez sentir. Lula tinha um discurso radical de mudança do papel do Estado – defendia que este centrasse seu poder na justiça social.

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Posse do presidente Fernando Collor de Melo em 15.03.1990, em sessão conjunta do Congresso Nacional, presidida pelo Senador Nelson Carneiro. Foto: Arquivo do Senado.

O primeiro turno das eleições presidenciais ocorreu em 15 de novembro de 1989. Lula e Collor foram os mais votados e passaram para o segundo turno. Na nova volta eleitoral, Collor conseguiu garantir maior atenção para seu poder pessoal, vendendo a imagem de um outsider, ou ainda um anti-establishment. O seu discurso radical no primeiro turno acentuou-se. Collor apelou para ataques pessoais a Lula no horário eleitoral, arrefecendo o discurso dos “marajás” e anti-Sarney e focando contra o PT, o estatismo e o comunismo.

Lula, que sempre havia levantado a bandeira do “nós”, como símbolo de um coletivo, de um movimento contra as classes dominantes, teve dificuldade em convencer a parcela dos eleitores indecisos em votar nele, assim como moderar o seu discurso. Collor se dizia o tutelador, o protetor dos “descamisados”, das classes baixas esquecidas pelo Estado ineficiente, ao mesmo tempo, em que prometia a modernização liberal.

Após uma conturbada eleição, a estratégia do alagoano deu certo: Fernando Collor de Mello foi eleito, o primeiro presidente civil eleito diretamente desde 1960. No segundo turno, Collor venceu com 42,75%% dos votos, contra 37,86%% de Lula. Considerando apenas os votos válidos (sem nulos e brancos), Collor obteve 53% e Lula 47%.

Brasil novo

Desde à plataforma eleitoral até o impeachment, Fernando Collor mobilizou o que entendia por moralização e modernização, pensando em criar um “Brasil Novo” amparado nos ditames socioeconômicos do “Primeiro Mundo”, argumentando que o seu possível novo aparato estatal seria o único para consolidar o Estado de bem-estar social que a Constituição de 1988 determinou.

No seu discurso de posse, chamado de “O Projeto de Reconstrução Nacional”, no dia 15 de março de 1990, ele argumentou que “Meu compromisso inalterável é com a democracia.” Mal sabia ele que a mesma democracia que na presidência o colocou, em um lampejo democrático impossível em tempos autoritários, o destituiria do poder.

Referências

CARVALHO, Alessandra; FREIRE, Américo. As eleições de 1989 e a democracia brasileira: atores, processos e prognósticos.  In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Tempo da Nova República; da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2018. v. 5. (Coleção O Brasil Republicano). CODATO, Adriano Nervo. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 25, p. 83-106, nov. 2005. 

CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto: a Imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

FERREIRA, Jorge. O presidente acidental: José Sarney e a transição democrática. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Tempo da Nova República; da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2018. v. 5. (Coleção O Brasil Republicano)

MELO, Carlos. Collor: o ator e suas circunstâncias. São Paulo: Novo Conceito, 2007.

SALLUM JR. Brasílio. O impeachment de Fernando Collor: sociologia de uma crise. São Paulo: Ed. 34, 2015.

Como citar este artigo

SILVA, Felippe Araújo Barbosa da. “O Brasil vai colorir”: a trajetória de Fernando Collor até a presidência da República (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/o-brasil-vai-colorir-a-trajetoria-de-fernando-collor-até-a-presidencia/. Publicado em 13 nov. de 2023. ISSN: 2674-5917.

Felippe Araujo Barbosa da Silva

Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", campus Franca (2021). Bacharel e licenciado em História (2018) pela mesma instituição. Atua como professor na rede pública e privada de Uberaba-MG e mantém o projeto de divulgação científica Direto do Forno, canal de história pública no Youtube. Estuda governo Collor, história da Nova República, reforma administrativa e história da administração pública no Brasil.

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