“Ainda Estou Aqui” fez História nas indicações ao Oscar de 2025 – pela primeira vez, uma produção brasileira concorre ao prêmio de “Melhor Filme”, a principal honraria concedida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O filme também concorre às estatuetas de “Melhor Atriz” (Fernanda Torres) e “Melhor Filme Internacional” (representando o Brasil). O resultado inédito foi recebido com festa no país, dominou os noticiários e renovou o interesse na história da participação de brasileiros na corrida pelo Oscar. Nesse artigo, me proponho a revisitar os filmes e profissionais brasileiros que já concorreram ao prêmio.
Anos 1940: uma pioneira (e solitária) indicação
O primeiro brasileiro a concorrer ao Oscar foi o músico Ary Barroso. Ele foi indicado ao prêmio de “Melhor Canção Original” pela composição “Rio de Janeiro”, presente no filme “Brasil” (Brazil, 1944). A obra foi produzida no contexto da Política de Boa Vizinhança, uma iniciativa da política externa dos Estados Unidos que buscava uma maior aproximação com os países latino-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Entre as ações previstas, estavam investimentos em setores econômicos estratégicos para vencer a guerra, campanhas de saúde e educação, financiamento de grandes obras e, naturalmente, ações no campo cultural, como a veiculação de representações positivas da América Latina em filmes.
Todavia, a Política de Boa Vizinhança também pode ser considerada uma nova roupagem do imperialismo estadunidense, uma vez que, por detrás das aparentes “boas intenções”, o país buscou reforçar seu controle sobre as demais nações do continente americano. Muitas vezes, os projetos da Política de Boa Vizinhança obtiveram resultados abaixo do esperado e geraram descontentamento para os latino-americanos. “Brasil” serve como exemplo desses problemas: no filme, atores mexicanos e estadunidenses interpretam personagens brasileiros, enquanto representações simplistas de aspectos da cultura nacional são apresentadas ao espectador, com destaque para números musicais.

Barroso perdeu o prêmio para Swinging on a Star, canção de “O Bom Pastor” (Going My Way, 1944), o grande vencedor daquele ano. Em 2012, dois artistas brasileiros foram indicados na mesma categoria: Carlinhos Brown e Sérgio Mendes, por seu trabalho na canção Real in Rio, que integra a animação “Rio” (2011). A Academia, porém, preferiu Man or Muppet, de “Os Muppets” (The Muppets, 2011).
O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
No final dos anos 1950, com a Academia se voltando cada vez mais para o cinema mundial, o Oscar instituiu a categoria de “Melhor Filme Estrangeiro”, destinada a reconhecer produções de fora do eixo Estados Unidos-Inglaterra, que até então dominavam a premiação. Já debati aqui no Café História como a criação dessa categoria foi marcada por polêmicas, como os processos de seleção e votação, além de uma notável predileção da Academia por obras europeias e japonesas.
Os elementos usados para definir se um filme pode representar um determinado país nessa categoria também são controversos, de modo que uma obra rodada no Brasil e falada em português venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1959, porém, o prêmio foi entregue à França. Trata-se do caso de “Orfeu Negro” (Orphée Noir, 1959). O filme é uma adaptação da peça de teatro “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes. As primeiras montagens foram realizadas pelo Teatro Experimental do Negro, capitaneado pelo intelectual Abdias do Nascimento, e contou com a participação de vários profissionais afro-brasileiros. O sucesso no teatro chamou a atenção do francês Marcel Camus, que articulou a adaptação da obra para o cinema.
O trabalho de Camus dividiu opiniões. Ele assumiu os postos de produtor, diretor e roteirista do filme, realizando uma série de mudanças no enredo que divergiam da proposta inicial da peça. A escalação de Marpessa Dawn para o papel da protagonista feminina também recebeu críticas, pois se tratava de uma atriz estadunidense radicada na França com pouca experiência nos cinemas. Parte da classe política brasileira saudou a obra, afirmando que ela auxiliava na divulgação da cultura brasileira no exterior, enquanto artistas e intelectuais criticaram o filme por oferecer uma visão infantilizada, erotizada e acrítica da realidade brasileira. Apesar das controvérsias, “Orfeu Negro” foi um sucesso de público e recebeu a Palma de Ouro em Cannes, gabaritando-se para vencer o Oscar.

Em 1963, o Brasil concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela primeira vez, tendo como representante outro vencedor da Palma de Ouro: “O Pagador de Promessas” (1962). Adaptado da peça teatral de Dias Gomes e contando com um elenco de renome que inclui Leonardo Villar e Glória Menezes, o filme é considerado um dos grandes clássicos do cinema nacional.
O conflito central da trama envolve Zé do Burro, um pequeno agricultor que carrega uma cruz até a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, como forma de pagar uma promessa realizada em um terreiro de Candomblé. As motivações do protagonista geram um conflito com os membros da igreja, abordando temas como o sincretismo religioso, as relações entre campo e cidade e a marginalização nos grandes centros urbanos. Apesar das expectativas, a França venceu novamente o prêmio, com o filme “Sempre aos Domingos” (Les Dimanches de Ville d’Avray, 1962).
Apesar de ter submetidos filmes para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com certa regularidade, mesmo durante os anos da Ditadura Militar (1965-85), a Academia levou mais de três décadas para indicar outra produção nacional. A lista de títulos escolhidos para representar o Brasil nesse período é extensa e repleta de clássicos como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) de Glauber Rocha, “São Paulo, Sociedade Anônima” (1965) de Luís Sérgio Person, “Xica da Silva” (1976) de Cacá Diegues, “Pixote – A Lei do Mais Fraco” (1980) de Hector Babenco, “Memórias do Cárcere” (1984) de Nelson Pereira dos Santos e “A Hora da Estrela” (1986) de Suzana Amaral.
Na década de 1990, o Brasil concorreu ao prêmio três vezes. O reconhecimento gerou grande entusiasmo, uma vez que se tratava do momento da “Retomada” do Cinema Nacional, marcado pela instituição de leis de incentivo à produção brasileira e mecanismos para a captação de recursos.
Em 1995, o Brasil foi representado por “O Quatrilho”, produção estrelada por Glória Pires e Patrícia Pilar que recebera algumas distinções em festivais internacionais. Ambientada no Rio Grande do Sul, a obra trata dos conflitos envolvendo dois casais de imigrantes italianos que buscam “fazer a América”. A Academia, no entanto, premiou “A Excêntrica Família de Antonia” (Antonia, 1995), candidato da Holanda.
Dois anos mais tarde, foi indicado “O que É Isso Companheiro” (1997), baseado no livro de Fernando Gabeira sobe o papel da guerrilha urbana no sequestro do embaixador Charles Elbrick. O filme obteve financiamento estadunidense, contou com um grande elenco ligado à TV Globo – Pedro Cardoso, Fernanda Torres e até mesmo Fernanda Montenegro, em uma participação especial como uma informante da ditadura – e do ator hollywoodiano Alan Arkin. Novamente, o Brasil foi derrotado pela Holanda, premiada pelo filme “Caráter” (Karakter, 1997).

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Muitos especialistas consideram que a melhor chance de o Brasil vencer o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro foi em 1999, com “Central do Brasil” (1998). O filme traz a história de Dora (Fernanda Montenegro), uma mulher solitária que vive no Rio de Janeiro, que se vê obrigada a auxiliar o menino Josué (Vinicius de Oliveira) a retornar para casa, no Nordeste, após a morte da mãe. A obra venceu o Urso de Ouro de Melhor Filme e o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Cinema de Berlim, dando início a uma bem-sucedida passagem por eventos internacionais.
Ao longo de 1998, “Central do Brasil” se tornou o filme brasileiro mais assistido do ano e acumulou prêmios, incluindo o Globo de Ouro de “Melhor Filme Estrangeiro”. Montenegro se tornou uma figura constante em diversos prêmios da crítica estadunidense, sendo reconhecida por órgãos como a National Board of Review e a Los Angeles Film Critics Association. No anúncio das indicações ao Oscar, “Central do Brasil” figurou entre os finalistas da categoria de “Melhor Filme Estrangeiro”, enquanto Montenegro foi escolhida para disputar o prêmio de “Melhor Atriz”. O resultado gerou grande comoção nacional, favorecendo uma grande onda de entusiasmo com relação a possíveis vitórias.
Entretanto, o Oscar de 1999 foi marcado por uma pesada campanha promovida pela Miramax, a produtora de Harvey Weinstein, um dos homens mais poderosos de Hollywood à época. Valendo-se de sua influência política e amplos recursos financeiros, Weinstein promoveu eventos para divulgar os filmes “Shakespeare Apaixonado” (Shakespeare in Love, 1998) e “A Vida É Bela” (La Vita È Bella, 1998) – candidato da Itália ao prêmio de “Melhor Filme Estrangeiro” – aos membros da Academia. A estratégia deu resultado: juntos, ambos os filmes conquistaram 10 Oscars. Mais uma vez, o Brasil não vencia qualquer prêmio.
Nas décadas seguintes, uma série de denúncias envolvendo as campanhas da Miramax e abusos sexuais perpetrados por Harvey Weinstein vieram à tona, tirando o brilho dessas vitórias. Os acontecimentos geraram críticas e reflexões sobre o funcionamento das campanhas para o prêmio, além de terem reacendido o sentimento de indignação por parte dos cinéfilos brasileiros. Ainda hoje, as derrotas rendem debates acalorados e divertidos memes que circulam nas redes sociais a cada nova premiação.
Após Central do Brasil, seriam necessários 26 anos para que o país voltasse a disputar o prêmio. “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (2007), de Cao Hamburger, chegou a figurar em uma lista de pré-indicados, mas não concorreu ao Oscar daquele ano. Entre os filmes brasileiros de grande sucesso internacional que não receberam a atenção da Academia, estão “Que Horas Ela Volta?” (2015), de Anna Muylaert e “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” (2019), de Karim Aïnouz.
“O Beijo da Mulher Aranha”: o Brasil no Oscar?
Na década de 1980, o Brasil voltou a figurar no Oscar com o filme “O Beijo da Mulher Aranha” (The Kiss of the Spider Woman, 1985). O longa-metragem recebeu quatro indicações ao Oscar, incluindo “Melhor Filme” e venceu na categoria de “Melhor Ator” para o estadunidense William Hurt. Contudo, é difícil definir uma “cidadania” para “O Beijo da Mulher Aranha”, pois se trata de um grande projeto internacional, um modelo de produção cinematográfica que se popularizaria nos anos seguintes.

O filme é uma adaptação do romance argentino de Manuel Puig, que aborda o cotidiano de dois presos políticos durante a ditadura argentina. O roteiro, escrito pelo estadunidense Leonard Schrader, realizou algumas mudanças, incluindo uma transposição da ambientação para o Brasil. Outro estadunidense capitaneou o projeto, o produtor David Weisman, que escalou o diretor argentino-brasileiro Hector Babenco, e um elenco formado por artistas hollywoodianos – Hurt e Raul Julia – e também brasileiros – como Sônia Braga, José Lewgoy, Milton Gonçalves e Fernando Torres.
De todos os brasileiros envolvidos no projeto, apenas Babenco foi indicado pela Academia como “Melhor Diretor”. Nem mesmo Sônia Braga, que recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de “Melhor Atriz Coadjuvante” e tinha o status de estrela internacional, obteve reconhecimento. Aliás, ela é a brasileira recordista em indicações ao Globo de Ouro – três, no total – fato que voltou a ser enaltecido após a vitória de Fernanda Torres este ano.
A surpreendente trajetória de “Cidade de Deus”
Em 2002, “Cidade de Deus” foi escolhido como o representante brasileiro no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Adaptada do romance de Paulo Lins, a obra acompanha o cotidiano de diferentes moradores da conhecida favela carioca por mais de duas décadas, trabalhando com um rico conjunto de personagens. O projeto chamou a atenção da Miramax, que decidiu distribuir o título no mercado internacional. Apesar de ter recebido de maneira calorosa em alguns festivais e obtido bons números de bilheteria, o filme foi preterido pela Academia. Parecia o fim da trajetória de “Cidade de Deus” no Oscar.
A Miramax decidiu reformular a campanha de divulgação do filme no ano seguinte, investindo em outras categorias do Oscar, para as quais “Cidade de Deus” se tornara elegível após o lançamento nos Estados Unidos. O filme passou a receber grande atenção da crítica especializada e, no anúncio dos indicados ao prêmio de 2003, figurou em quatro categorias – Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia. Infelizmente para nós, brasileiros, a cerimônia daquele ano foi dominada pelo filme “Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” (The Lord of the Rings – The Return of the King, 2003), que venceu todos os prêmios que disputou, incluindo as categorias onde “Cidade de Deus” foi lembrado.
Categorias de animação, documentários e curtas-metragens
Em 2016, o filme brasileiro “O Menino e o Mundo” foi uma surpresa entre as indicações ao Oscar de “Melhor Longa-Metragem de Animação”. Usando técnicas variadas de animação e pouco diálogo, a produção independente disputou o prêmio com dois grandes estúdios: o estadunidense Pixar, que venceu com Divertida Mente (Inside Out, 2015), e o japonês Ghibli, que concorreu com “As Memórias de Marnie” (Omoide no Marnie, 2014).
Dois anos mais tarde, o diretor brasileiro Carlos Saldanha foi indicado por seu trabalho em “O Touro Ferdinando” (Ferdinand, 2017), filme estadunidense produzido pela 20th Century Fox. Saldanha, que vive nos Estados Unidos há décadas, também concorreu na categoria de “Melhor-Curta Metragem de Animação” com Gonne Nutty, ligado à franquia “A Era do Gelo”, na qual o brasileiro tem grande participação no processo criativo.
Com relação a documentários, o Brasil foi indicado cinco vezes à categoria de “Melhor Documentário de Longa-Metragem” e uma vez na categoria de “Melhor Documentário de Curta-Metragem”. Os filmes selecionados pela Academia tratam de temas políticos e sociais, com destaque para o recente “Democracia em Vertigem” (2020), sobre o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O país tem ainda uma indicação à categoria de “Melhor Curta-Metragem” com “Uma História de Futebol” (2001).
O que nos aguarda?
Chegamos a 2025 na esperança de, finalmente, o Brasil vencer um Oscar. Há fortes candidatos nas categorias às quais “Ainda Estou Aqui” concorre, porém, a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro e os debates sobre os rumos das democracias na atualidade podem atrair a atenção da Academia para o filme. A sorte está lançada. Quem sabe não teremos uma grande celebração no próximo domingo de Carnaval?
Referências
BARRETT, Michael S. Foreign language films and the Oscar: the nominees and winners, 1948–2017. Jefferson: McFarland & Company, Inc., 2018.
IKEDA, Marcelo. Revisão Crítica do Cinema da Retomada. Porto Alegre: Sulina, 2022.
LEVY, Emanuel. All about Oscar: The History and Politics of the Academy Awards. Nova Iorque: Continuum, 2003.
PERREN, Alisa. Indie, Inc.: Miramax and the Transformation of Hollywood in the 1990s. Austin: University of Texas Press, 2012.
STAM, Robert. Multiculturalismo tropical: Uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiros. São Paulo: Edusp, 2008.
WILEY, Mason; BONA, Damien. Inside Oscar: The unofficial history of the Academy Awards. Londres: Columbus Books, 1986.
WILLIAMS, Daryle. Culture Wars in Brazil: The First Vargas Regime, 1930–1945. Durham: Duke University Press, 2001.
Como citar este artigo
CLARO, Celso Fernando. O Brasil no Oscar: de Ary Barroso ao sucesso de “Ainda estou aqui” (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/o-brasil-no-oscar. ISSN: 2674-5917. Publicado em: 17 Fev. 2022.