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O Arqueólogo da Leopoldina

Entrevista com Claudio Prado de Mello (IPHARJ)

Nada de Indiana Jones. O ofício de arqueólogo está bem distante daquilo que vemos nos filmes protagonizados por Harrison Ford. Mas quem disse que isso é um problema? O arqueólogo e historiador Claudio Prado de Mello, do Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro (IPHARJ), nos conta um pouco dos desafios e prazeres deste campo que tanto dialoga com a história. Ele é o principal profissional responsável pelos trabalhos arqueológicos que estão sendo desenvolvidos na região da Leopoldina, no Rio de Janeiro. Em meados de setembro de 2013, diversos veículos de imprensa noticiaram a descoberta de um enorme sítio arqueológico na região, durante as escavações das obras da Linha 4 do Metrô. São milhares de objetos que remetem a diversas períodos da história do Brasil. Entre os itens encontrados, uma escova de dentes que pode ter sido de D. Pedro II. Confira mais sobre essa descoberta.

Claudio Prado de Mello é um dos arqueólogos mais ativos do Rio de Janeiro. Foto: arquivo pessoal do entrevistado.

Bruno Leal: Há alguns dias, a imprensa noticiou a descoberta de um “verdadeiro tesouro arqueológico” no centro do Rio de Janeiro, durante as escavações feitas para a expansão do Metrô Rio. Onde exatamente estas peças foram encontradas? Os arqueólogos já trabalhavam no local ou foram chamados por responsáveis pela obra?

Claudio Prado: O local em questão é a Leopoldina. O terreno vai da Francisco Bicalho até a Rua Ceará e de outro lado a Preça da Bandeira ate a Rua Francisco Eugenio e os muros altos que contornam a Leopoldina ajudaram a preservar tesouros arqueológicos que somente agora estão sendo resgatados por uma equipe multidisciplinar envolvendo arqueólogos e historiadores que chegou ate 32 pessoas e envolve a equipe de Arqueologia do IPHARJ (Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro e empresa Terra Brasilis Arqueologia.

Bruno Leal: Que tipo de objetos foram encontrados? São todos de uma mesma época?

Claudio Prado: Foram encontrados mais de 210 mil itens em quatro meses de escavação sistemática. A jazida arqueologia se inicia a cerca de 50 centímetros da superfície e se aprofunda ate cerca de 2,50. Nessas camadas vemos peças de louça, vidro, porcelana, couro e até peças de ouro que mostram detalhes inusitados do cotidiano da elite da sociedade do Rio de Janeiro de séculos passados. O mais incrível é que uma significativa parte do material arqueologico esta sendo encontrada intacta. A cronologia desses artefatos é principalmente do séculos XVIII e XIX , mas também encontramos peças dos século XVII, XVI e ate material indígena que pode ser pré-historico pois o local foi habitado por índios e em especial pela tribo dos Temiminós dos quais o mais conhecido era Araribóia. Um mapa Frances de 1748 confirmou nossa suspeita.

Bruno Leal: Depois que os objetos são recolhidos, o que é feito com eles? Historiadores participam do trabalho?

Claudio Prado: Os historiados e arqueólogos andam de mãos dadas em todo projeto de Arqueologia. Fizemos pesquisa histórica de fontes primarias e de secundarias antes, durante e depois do trabalho. Temos profissionais que seguem de duas a três vezes para Arquivos públicos para levantamento de documentação, muitas vezes para referendar coisas que encontramos nas escavações e dessa forma já estamos podendo recontar parte da historia da cidade do Rio de Janeiro apesar do pouco tempo de pesquisa.

Bruno Leal: O consórcio responsável pelas obras tem respeitado o trabalho arqueológico? Existe a possibilidade deste trabalho acabar entrando em conflito com o cronograma do metrô? Isto é, depois de se encontrar este tipo de coisa, como se prosseguir com as obras sem que o patrimônio seja ameaçado?

Claudio Prado: O Consórcio tem sido super atencioso com as questões da Arqueologia e podemos garantir que estamos de prontidão para que não ocorram danos. Inclusive nosso laboratório fica dentro do canteiro da obra e estamos todos os dias lá. Simplesmente o tamanho, complexidade e riqueza do sitio arqueológico são imensos e não poderíamos fazer o trabalho em tão poucos meses, Dessa forma, depois de muitos estudos técnicos e científicos e de entendimentos, nós fizemos uma proposta de recomendações na qual o projeto de Engenharia chegou a ser alterado e de outra forma, o salvamento irá continuar pela nossa equipe no inicio de 2016. De fato, escavamos ate certa profundidade, mas no inicio de Setembro fomos autorizados pelo IPHAN (com apoio do INEPAC) a proceder na cobertura do sitio. Dessa forma usamos mantas sintéticas que envolveram todas as superfícies que haviam sido escavadas e depois cobrimos com camadas de areia, terra, saibro e depois de nivelada, foi colocado um radier de ferro e concreto que fechou o sitio, impedindo que o peso que ira ser colocado sobre o sitio possa a vir danifica-lo. Nesse ínterim (de agora ate o final de 2015) iremos fazer a parte de laboratório tratando e analisando as milhares de peças e então no inicio de 2016 quando a fabrica de aduelas do Metro for desativada e desmontada, vamos remover toda essa capa protetora e retomar a escavação a partir donde paramos. Outro trabalho que vamos fazer é Educação Patrimonial, que consiste em divulgar através de palestras, aulas e exposições os resultados do trabalho ate agora. Também estamos preparando os relatórios e os estudos específicos que aparecerão como catálogos gos e publicações do inestimável acervo que já foi resgatado nas escavações .

Bruno Leal: Algumas informações noticiadas pela imprensa pareceram um tanto curiosas. O portal G1, por exemplo, mencionou a possibilidade de uma escova de dente que pode ter sido de Pedro II. Esta informação é correta? E mais: há quanto tempo este trabalho acontece?

Claudio Prado: Com dito acima, o trabalho vinha ocorrendo na Leopoldina desde Março de 2013. Na Zona Sul ele vem ocorrendo desde Janeiro de 2013. Todavia ainda não havia sido divulgado. A divulgação oficial se deu de forma organizada e planejada e talvez por isso tenha dado tão certo. Tivemos a noticia de um dia para o outro repercutida na imprensa nacional e já no outro dia as agencias europeias mostraram e descoberta. Nesse sentido tanto a Reuters, BBC, Spiegel , Associated Press , Agencia EFE e tantas outras divulgaram o nosso trabalho. Ate a ultima parcial tivemos 197 noticias repercutidas, o que é espantoso. Sim! Não temos motivos para não acreditar que D Pedro II não tivesse usado a escova, Ela é feita em marfim, esculpida anatomicamente e tem a inscrição SM L’Empereur Du Bresil ( Sua Majestade o Imperador do Brasil ) . Tambem pode ter sido de uso de uma princesa ou da Imperatriz, mas de qualquer forma foi de uso no Palácio da Quinta.

Bruno Leal: Quantos profissionais trabalham atualmente nestas escavações do Metrô? Trata-se de uma equipe da Prefeitura ou do Estado do Rio? Qual o perfil desta equipe?

Claudio Prado: Não, a equipe não tem nada a ver com a Prefeitura ou Estado. A equipe contratada pelo Consórcio da Linha 4 do Metro foi a equipe de Arqueologia do IPHARJ (Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro e empresa Terra Brasilis Arqueologia foi chamada ainda no primeiro semestre de 2012 e ela chegou a reunir 32 profissionais , sendo 26 na Leopoldina e os outros na Zona Sul. Agora estamos começando a reduzir esse numero , mas depois voltaremos a contrata-los de novo quando retomarmos o resgate. Atualmente temos 18 pessoas.

Bruno Leal: Por que tantos objetos estão sendo encontrados numa área tão limitada da cidade? O que existia neste terreno no passado? E como esses objetos foram descartados por seus antigos donos?

Claudio Prado: O Rio de Janeiro, como um todo passou por profundas mudanças arquitetônicas, urbanísticas e paisagísticas. Morros foram arrasados, lagoas foram aterradas e muito da paisagem mudou. O terreno da Leopoldina, foi utilizado por varias administrações como canteiro de obras e em decorrência das inúmeras obras da cidade, não se esperava encontrar muita coisa de seu rico passado. O local fora pátio de manobras da RFFSA durante décadas, área da Defasa Civil, da Rio Águas, da Rio Trilhos, foi canteiro para a construção da Linha Vermelha e propriedade dos Governos Federal e Estadual, e por isso não se imaginava que muito havia sobrado. Todavia, o trabalho de Arqueologia tem demonstrado exatamente o contrário e nas sondagens iniciais executadas no local foi encontrado o sítio arqueológico de proporções monumentais. As pesquisas realizadas desde 12 de março ate 12 de setembro de 2013 tem ajudado a Arqueologia a entender e reconstituir o passado de toda a região. O local da Cidade Nova que fica ao lado da Leopoldina era pantanoso e desde a época de D. João VI se começou a ser aterrado. Em 1808 ou 1809 começou-se a fazer um aterro que facilitaria o caminho do Rei e de seus súditos entre o Paço da Praça XV e a Quinta da Boa Vista. Esse passadiço se chamava o Caminho das Lanternas ou o Aterrado das Lanternas e seguia de local próximo atual Central do Brasil ate chegar a São Cristóvão. Ele correspondia grosseiramente ao traçado da Presidente Vargas e seguia pela antiga rua chamada Caminho de São Cristóvão (atual Rua Ceara) seguindo pela Figueira de Mello ate chegar as portas da Quinta da Boa Vista. Bem no entroncamento dessas vias ficava uma espécie de praça que veio a ser chamado de Largo do Matadouro. No local existiu entre 1853 e 1881 o local oficial do abate de animais que era controlado pelo poder público. O Matadouro Imperial de São Cristóvão foi inaugurado em 1853 e foi utilizado ativamente ate quando passou a incomodar pelo cheiro ruim e abutres que perseguiam os restos de animais.

Bruno Leal: Quando esses materiais poderão ser vistos pelo grande público? Há alguma exposição, mesmo que incipiente, no horizonte? Que museu ou instituição patrimonial cuidará desses objetos?

Claudio Prado: Parte desse material já fez parte de uma mini-exposição montada no IPHARJ no dia 03 de Agosto de 2013. Nessa data recebemos 150 pessoas para o jantar alusivo ao Dia da Arqueologia. Estamos programando outras exposições mas isso dependerá de ajuda financeira. No final dos trabalhos, o material será direcionado para uma instituição de pesquisa arqueológica que esperamos que seja o próprio IPHARJ que dispõe de 350 m2 para guarda de material arqueológico e conta com Museu, Biblioteca, Laboratórios de Arqueologia. No total temos 2300 m2 de instalações dedicadas integralmente para a pesquisa arqueológica no Rio de Janeiro . Mas caberá ao IPHAN a decisão final para onde irá pois ele é Patrimônio da União.

Bruno Leal: Muitos leitores e participantes do Café História se interessam por arqueologia. Aproveitando o papo para perguntar: como é o trabalho de um arqueólogo, hoje, no Brasil? Em que áreas um arqueólogo pode atuar em nosso país? Sítios arqueológicos urbanos seriam atualmente uma tendência dentro do campo?

Claudio Prado: Tenho 48 anos, formado em Arqueologia desde 1986 e atuante na Arqueologia desde 1980. Costumo dizer que sou de uma época em NÓS (os Arqueólogos) tínhamos que PAGAR para poder trabalhar. Hoje o mundo mudou e alem do prazer e oportunidade de poder trabalhar em Arqueologia ainda recebemos algum dinheiro para fazer o que amamos fazer a vida toda ! Isso é estupendo !!!!!! Contudo, a profissão não é regulamentada e o numero de profissionais graduados e pós-graduados é reduzido. Sendo assim, profissionais de Historia, Biologia, Arquitetura e outros se somam nas nossas equipes de profissionais e no final, essa interdisciplinaridade é sempre bem-vinda e soma-se excelentes resultados. Os sítios urbanos são somente uma fatia do bolo. O único problema é! Sejamos realistas ! A Arqueologia continua a ser desprestigiada pelo Governo Federal, que nem regulamentar a profissão ainda se dignou a fazer. Enquanto isso tem gente sem formação e sem escrúpulos abrindo empresas de Arqueologia e caindo no mercado… Ate fazer trabalho de Arqueologia por metro quadrado já fomos solicitados a fazer !!! De outra forma, a Arqueologia continua a ser a filha pobre das Ciências Humanas e se não fosse a Engenharia a injetar recursos na Arqueologia continuaríamos a ter que PAGAR para poder fazer algo na Arqueologia. Para terminar, gostaria de convidar a todos os leitores a conhecer mais do nosso trabalho que pode ser visto na páginas www.archaeologianetwork.net.br e nas páginas do IPHARJ e do Terra Brasilis.


Claudio Prado de Mello é arqueólogo e historiador, coordenador do Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro Terra Brasilis Arqueologia Ltda.

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