O nome “Nyad”, em grego, significa “ninfa das águas”, nos é dito logo no início do filme. Diana, já sabemos, é a deusa caçadora na mitologia greco-romana. Alguns nomes são proféticos, como o caso de Diana Nyad, nadadora e recordista em maratonas aquáticas. Notória desde os anos 1970, é em 2010, logo após completar sessenta anos, que Diana decide realizar uma proeza: nadar de Cuba até a Flórida sem uma gaiola de proteção contra tubarões e outros seres marítimos. Para se preparar, ela contará com a melhor amiga e treinadora Bonnie Stoll. Contra elas nesta façanha nunca alcançada estão o mau tempo, correntes de água, exaustão física e mental, tubarões e as venenosas águas-vivas.
Dentro da água, além de dar braçadas, Diana tem bastante tempo para pensar e refletir. É nas sequências de nado que aparecem flashbacks nos quais descobrimos uma infância marcada pelas brigas entre os pais e na adolescência o abuso de um professor de natação. Vemos, em imagens de arquivo, que Diana denunciou este professor, de nome Jack Nelson, juntando-se a um coro de outras pupilas prejudicadas, mas as denúncias não afetaram o prestígio nem a reputação de Nelson.
Diana diz que não conseguiu completar a mítica travessia na tentativa anterior – quando tinha apenas 28 anos – porque seu corpo podia estar pronto para o desafio, mas sua mente, ainda não. Nos esportes, por mais que o senso comum diga o contrário, mente e corpo precisam andar juntos, tanto é que existem cada vez mais psicólogos especializados em atender e preparar esportistas.
O capitão do barco que as acompanha, John Bartlett, diz para Bonnie que Diana menospreza a treinadora dedicada que tem. Filmes sobre treinadores inspiradores de diversos esportes sempre existiram aos montes, mas em “Nyad” é diferente: minutos após a fala de Bartlett, Bonnie confronta Diana e pede para, pelo menos uma vez, a nadadora tentar ver o ponto de vista de outra pessoa. O que adiciona mais uma camada ao relacionamento das personagens é que elas não são somente treinadora e atleta, mas duas amigas envelhecendo juntas.
A travessia sai de Cuba não por acaso, mas por escolha: a ilha caribenha sempre fascinou Diana. Ela nasceu em 1950 e a Revolução Cubana aconteceu em 1959, o que significa que Diana faz parte de uma geração que viu Cuba passar de quintal exótico dos EUA para o status de território proibido. É um imaginário privilegiado este que Diana carrega: tem muito do exotismo, mas também o embargo político-econômico que afetou a ilha por décadas.
Diana é interpretada por Annette Bening. Bonnie, por Jodie Foster. As duas atrizes foram indicadas ao Oscar por suas performances no filme – Annette na categoria principal, Jodie como coadjuvante. É pouco provável que elas saiam da cerimônia do Oscar com uma estatueta, o que seria um duro golpe para Annette Bening: ela já foi indicada ao prêmio, sem sucesso, outras quatro vezes, mas ainda não é a “maior perdedora” da categoria, título que pertence à britânica Deborah Kerr, com seis indicações sem vitória. Jodie Foster, por outro lado, já tem em casa dois Óscares.
Ambas as atrizes têm mais de sessenta anos e estão podendo aproveitar o movimento de mudança em Hollywood: a indústria do cinema sempre foi etarista e uma pesquisa de 2022 revelou que apenas 6% dos filmes contam com personagens femininas com mais de sessenta anos, o que ainda representa um crescimento em relação a anos anteriores.
“Nyad” pode ser comparado com outro filme, “As Nadadoras”, de 2022. Ambos chegaram ao público brasileiro por meio da Netflix, ambos são dirigidos por mulheres – Nyad é co-dirigido por uma mulher – e ambos contam histórias reais de superação – “As Nadadoras” traz o relato de atletas refugiadas competindo em Olimpíadas. Levando em conta o tema – os desafios dos refugiados na travessia até um lugar seguro e o posterior reerguer de uma vida – “As Nadadoras” pode ser considerado até mais inspirador que “Nyad”.
Podemos nos perguntar o que leva uma pessoa a se submeter a um desafio como o empreendido por Diana, sabendo que enfrentará condições naturais extremas, perderá peso e saíra da água esgotada e com hipotermia. Diana diz que faz isso porque sente o gosto da imortalidade quando chega ao seu destino. Superar desafios é parte do que é ser humano e o cinema se alimenta de grandes histórias, como a de Diana Nyad, desde seus primórdios. Era questão de tempo até que esta história de vencer o impossível virasse filme – um filme, naturalmente, inspirador.