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O que a “música brega” pode nos ensinar sobre a ditadura militar no Brasil?

Dois ícones da chamada "música brega" aparecem em foto em preto e branco: Waldick Soriano (à esquerda), na década de 70, com Flávio Cavalcanti.

Dois ícones da "música brega": Waldick Soriano (à esquerda), na década de 70, com Flávio Cavalcanti. Foto: Fundo Correio da Manhã.

Além de perseguir e cassar direitos de políticos e civis, a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) também afetou diretamente a produção artística e cultural do país. Prisões, censura e exílio fizeram parte da trajetória de muitos artistas que criticavam e se opunham ao regime ditatorial.

Mas nem todas as obras censuradas durante o período tratavam necessariamente de política. Muitas composições foram proibidas de serem reproduzidas, ou até mesmo gravadas, por afrontarem a pauta comportamental preconizada pelo governo militar. E aí, muitos dos que sofreram perseguição foram os cantores de “música brega”.

“Quando falamos sobre Ditadura, música e censura, a tendência é que nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso venham à tona como imagens consagradas de artistas censurados pelo regime militar. Mas é preciso lembrar que alguns artistas do universo “brega” também foram censurados, e por questões que não tinham ligação com protesto político explícito”, aponta a pesquisadora Lívia Karolinny Gomes de Queiroz.

Ela estudou o tema na dissertação “Os sons do ‘brega’ na sala de aula: músicas e a construção de memórias sobre a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)”, defendida em 2022, no Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN-Mossoró). O trabalho pode ser acessado aqui.

Capa de álbum clássico de Odair José. Foto: reprodução.

“O objeto de nossa pesquisa insere-se na discussão e reflexão sobre as potencialidades das ‘músicas bregas’ no processo de compreensão histórica sobre a Ditadura Militar no Brasil, partindo das motivações utilizadas para aplicar censura a algumas composições. A censura estava ligada a questões de costumes e valores, o que é obsceno, enfim, além de algo remetido à moral; e também havia um olhar crítico para ideias consideradas tendenciosas. Nossa problemática era perceber como as formas de ‘repressão’ também estavam presentes através do preconceito, exclusão social, desemprego denunciadas no repertório ‘brega’”, explica Lívia.

O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro, a autora faz um levantamento teórico de como a Ditadura Militar no Brasil está sendo abordada atualmente e em como o período é utilizado em “guerras de narrativas” em espaços digitais, bem como no espaço escolar.

Podemos, através da análise de canções bregas, entender o contexto histórico e sociopolítico da Ditadura Militar, como os autoritarismos do sistema implementado interferiram na arte, na cultura, especificamente na música popular, por meio da repressão que se manifestou através da censura.

No segundo capítulo, Lívia analisa os pareceres emitidos pelo departamento de censura e entrevistas realizadas com cantores e censores, incluindo o que era classificado com “música brega”. Em seguida, a pesquisadora apresenta a preparação de uma oficina ministrada para estudantes do Ensino Médio, para compreender as ideias, opiniões e percepções desses estudantes acerca da ditadura e da censura. O último capítulo é dedicado a apresentar desenhos produzidos pelos estudantes que participaram da oficina.

“Música brega”

Claramente pejorativo, o termo “música brega” foi utilizado para identificar diversos cantores que produziram canções românticas populares com uma estética musical própria em meados das décadas de 60 e 70. Entre eles, destaca-se Reginaldo Rossi, Odair José, Nelson Ned, Waldick Soriano, entre outros.

“Desde o começo da década de 80, se utiliza o termo “brega” para designar a música de mau gosto, geralmente produzida por camadas populares; surgindo como uma forma pejorativa no que se refere a preferências musicais das classes mais baixas”, conta Lívia.

Essas canções da “música brega” entraram na mira da censura por tratar de assuntos tabus, como sexo, sexualidade, desigualdades sociais. Odair José, cantor e compositor de clássicos como “Pare de tomar a pílula” e “Eu vou tirar você deste lugar”, teve mais músicas proibidas do que Gilberto Gil e Caetano Veloso. “A canção ‘Pare de Tomar a Pílula’ (1973), de Odair José, foi censurada por ir contra valores cristãos e também por ser lançada quando no Brasil o governo fazia campanhas para ter um controle de natalidade entre as populações pobres. Para os censores, esta canção representava uma desobediência civil, além de uma referência explícita à sexualidade”, detalha Lívia.

Como produto da pesquisa, a professora de História desenvolveu duas aulas-oficinas com estudantes do Ensino Médio da Rede Pública de Ensino do município Quixadá, no Ceará. Ao fim da atividade, os estudantes produziram imagens denominadas “Desenhos que falam”, abordando temáticas como ditadura, censura, violência, morte, música, propaganda, negacionismo, fake news.

“Podemos, através da análise de canções bregas, entender o contexto histórico e sociopolítico da Ditadura Militar, como os autoritarismos do sistema implementado interferiram na arte, na cultura, especificamente na música popular, por meio da repressão que se manifestou através da censura”, conclui Lívia.

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