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Estudantes e pesquisador criam museu virtual sobre cidade que já foi uma das maiores favelas do Brasil

Estudantes e pesquisador criam museu virtual sobre cidade que já foi uma das maiores favelas do Brasil 3

Construções de barracos em Ceilândia. Data: 16/06/1970. Museu Virtual de Ceilândia.

Após a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, a expectativa das autoridades públicas e das construtoras era que a maioria dos operários que trabalharam na construção da nova capital retornasse aos seus estados de origem. Contudo, muitos dos chamados “candangos” decidiram permanecer no planalto central, formando aglomerações de barracos em áreas próximas ao centro de Brasília.

Em 1970, as autoridades adotaram uma política de remoção dessas pessoas para regiões periféricas, dando origem ao que ficou inicialmente conhecido como “cidades satélites”. Foi nesse contexto que foi criada Ceilândia, a região administrativa mais populosa do Distrito Federal, com 350.347 moradores.

Parte da origem, criação e formação de Ceilândia ganhou um museu virtual com documentos, fotos, vídeos e depoimentos de moradores que pode ser acessado aqui. O projeto foi desenvolvido por estudantes dos primeiros anos do Ensino Médio do Centro Educacional 06 de Ceilândia, sob a orientação do professor de História Vinícius José Duarte de Oliveira.

 A iniciativa é o resultado da dissertação “O processo de construção do Museu Virtual de Ceilândia-DF como possibilidade para o ensino de História”, defendida por Vinícius, em 2022, no Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de Goiás (UFG). O trabalho pode ser acessado aqui.

Primeiras famílias chegam a Ceilândia em 1971.Foto: Arquivo Público do Distrito Federal.

A pesquisa está dividida em quatro capítulos. No primeiro deles, o autor aborda os principais referenciais teóricos e conceitos que embasaram a pesquisa, além de discorrer sobre a relação entre História e memória, museus, história pública, história local e história oral. O segundo capítulo é dedicado à história de Ceilândia, seus dados socioeconômicos, suas representações na mídia e a relação dos estudantes com a cidade. O capítulo seguinte trata da percepção dos discentes em relação às visitas remotas ao Memorial JK e à Casa da Memória Viva da Ceilândia. E por fim, o pesquisador relata a experiência do processo de coleta de acervo, a construção e a organização do Museu Virtual de Ceilândia.

Maior favela do Brasil

Localizada a 30 quilômetros do Plano Piloto, grande parte da população de Ceilândia é descendente dos operários que migraram de outros estados em meados da década de 1950 para trabalharem na construção de Brasília. “Muitos desses migrantes montavam os seus barracos próximos aos canteiros de obras, em áreas destinadas a outros fins, destinadas a outros moradores ou reservadas à especulação imobiliária. Tais trabalhadores, tão necessários para as obras, tornavam-se indesejáveis moradores para as autoridades”, explica Vinícius.

Apesar de não existir municípios no Distrito Federal, suas regiões administrativas são constantemente tratadas como “cidades” por seus moradores. As cidades satélites estavam previstas no plano urbanístico de Lúcio Costa, porém deveriam ser criadas somente após Brasília atingir o número de 500 mil a 700 mil habitantes, o que não ocorreu.

O livro do historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília, é destaque na categoria “historiografia” e “ensino e estudo”da Amazon Brasil. Livro disponível para leitura no computador, no celular, no tablet ou Kindle. Mais de 60 avaliações positivas de leitores.

O nome da cidade é uma derivação da sigla utilizada para Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), iniciada em 1970 para remover quase 80 mil pessoas. “O que muitos autores alegam é que a localização dessas favelas entre o Plano Piloto e o Aeroporto de Brasília escancarava as contradições da capital, cidade que pretendia ser símbolo e promovedora da modernidade e desenvolvimento, ou seja, as favelas seriam uma espécie de atestado das falhas desse projeto”, ressalta Vinícius.

A política segregacionista tinha como justificativa a proteção dos recursos hídricos do DF, uma vez que as invasões se localizavam em áreas de nascentes. Desta forma, em março 1971, as primeiras famílias foram transferidas para lotes demarcados por quatro estacas, medindo 10m x 20m, sem asfalto, rede de esgoto, água encanada, rede elétrica e iluminação pública. “Com uma infraestrutura tão deficitária, Ceilândia logo passou a ser considerada uma das maiores favelas do Brasil, paradoxalmente, criada através da Comissão de Erradicação de Favelas. Os problemas sociais relacionados à falta de moradias dignas não foram resolvidos, apenas transferidos para locais distantes do Plano Piloto, longe das autoridades nacionais e internacionais, dessa forma, mais fáceis de serem ignorados”, aponta Vinícius.

Museu virtual

Para criar o Museu Virtual de Ceilândia-DF, os estudantes do Ensino Médio do Centro Educacional 06 de Ceilândia entrevistaram familiares e coletaram objetos para o acervo. Além do material recolhido pelos estudantes, a página também disponibiliza trabalhos acadêmicos, filmes ficcionais e documentários sobre a cidade. O site ainda disponibiliza uma linha do tempo com os principais marcos históricos e acontecimentos da região administrativa.

Segundo Vinícius, o principal objetivo da proposta era estimular os alunos a compreenderem as tensões e disputas em torno das narrativas históricas e da memória social ligadas à construção de Brasília e, principalmente, à fundação de Ceilândia.

Desnaturalizar as narrativas que excluem ou negligenciam os sujeitos históricos que estão fora das esferas do poder político e econômico no Distrito Federal é um passo importante para que os alunos desnaturalizem as próprias desigualdades espaciais dessa Unidade Federativa”, conclui.

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