Faleceu na madrugada desta sexta-feira, no Rio de Janeiro, após uma parada cardiorrespiratória, o historiador Manolo Florentino, professor aposentado do Instituto de História da UFRJ e do seu Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS/UFRJ). Florentino tinha 63 anos e era um dos grandes especialistas em história da escravidão nas Américas e no Brasil, autor de diversos artigos e livros na área.
Manolo Florentino nasceu no Espírito Santo, em 1958. Era graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em estudos africanos pelo Colégio de México e doutor pelo programa de pós-graduação em História da UFF. Passou no concurso para o então Departamento de História UFRJ (hoje Instituto de História) em 1988, por onde se aposentou em 2019. Recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico (2009) e foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa de fevereiro de 2013 a fevereiro de 2015.
Ao longo de mais de três décadas de carreira, Florentino formou uma geração de estudiosos sobre a escravidão e temas relacionados. Um de seus mais importantes livros foi “Em costas Negras uma História do Tráfico de Escravos Entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX)”, que recebeu o Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa em 1993. Nele, o historiador questiona explicações clássicas para a enorme migração compulsória que por mais de três séculos uniu a África e o Brasil. “A viabilização de uma produção maciça e continuamente renovável de escravos estava organicamente vinculada não somente à existência de relações desiguais de poder entre os próprios africanos, mas sobretudo ao fortalecimento do Estado, único meio produtor de cativos em grande escala”, escreveu o autor.
É de Florentino também, em coautoria com João Fragoso, seu colega no Instituto de História da UFRJ, o livro “O Arcaísmo como projeto”, lançado em 1998 pela primeira vez e que mudou a maneira de se conceber a relação entre Mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil. Nesta obra, os autores propõem que na passagem do século XVIII para o seguinte, os estabelecimentos rurais da colônia, ao não demandarem altos investimentos iniciais, podiam ser expropriados de parcela expressiva de seu excedente pelo capital mercantil e usurário, sem que disso derivasse o seu desaparecimento. Na época em que foi lançado o livro, o jornalista Paulo Francis escreveu em sua coluna no jornal “O Globo”: “sempre suspeitei que a visão de Caio Prado Júnior e Celso Furtado de que o Brasil Colônia era inteiramente dependente da metrópole portuguesa, sem mercado interno, era uma simplificação, que havia na época uma caixa dois, como hoje. Fragoso e Florentino contam que havia no Brasil grande concentração da riqueza nacional, nas mãos de umas 20 famílias.”
Manolo foi também um dos responsáveis pelo banco de dados Slave Voyages, projeto singular de História Digital que abrange quase 35.000 expedições negreiras ocorridas entre 1514 e 1866, estando a atenção ao tráfico português e brasileiro a seu cargo.
O historiador José Inaldo Chaves Jr, O historiador José Inaldo Chaves Jr, professor de Brasil Colônia do Departamento de História da UnB, falou com o Café História sobre a relevância dos trabalhos e das pesquisas de Florentino para a historiografia:
“Autor de uma proeminente e internacionalizada obra, Manolo Florentino foi um dos mestres de um movimento que, nos últimos trinta anos, revolucionou nossa compreensão sobre as relações entre Brasil e África nos quadros da colonização portuguesa. Sob influência e pioneirismo do professor Florentino, em estudos memoráveis como “Em costas negras: uma história do tráfico entre a África e o Rio de Janeiro” (que já vai em sua 5ª edição) ou em parcerias bem-sucedidas com João Fragoso (“O arcaísmo como projeto”, de 1998), José Roberto Góes Neves (“A paz das senzalas”, de 1997) dentre outros, a historiografia contemporânea avançou significativamente na compreensão das dinâmicas socioeconômicas e políticas do nefasto “negócio de gentes” no Atlântico, escrutinando suas engrenagens e revelando os rostos de seus principais agentes, como os comerciantes de “grosso trato”, as instituições envolvidas na reprodução social dos cativos em África e os cotidianos de violência, resistências e liberdade conquistada/vigiada nas sociedades escravistas da América. Sua partida é dolorosamente sentida, mas sua obra certamente permanecerá influenciando futuras pesquisas e qualificando o debate público brasileiro acerca dos impactos e permanências destes passados escravistas ainda tão presentes”.
Em 2019, o PPGHIS/UFRJ publicou uma moção de reconhecimento ao professor Manolo pelos 30 anos de casa. “Professor Florentino foi uma das principais forças propulsoras do nosso programa, um coordenador arguto e eficiente e um orientador incansável, com um compromisso inquestionável junto à instituição. Sua contribuição à historiografia brasileira ultrapassa os limites deste programa, e foi fundamental para que o PPGHIS alcançasse reconhecimento como um programa de excelência”, diz o texto.
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