Morre o historiador Manolo Florentino, referência em estudos da escravidão

Florentino era um dos grandes especialistas em história da escravidão nas Américas e no Brasil, autor de diversos artigos e livros na área. Ele não resistiu a uma parada cardiorespiratória nesta sexta-feira.
12 de março de 2021
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Manolo Florentino
Manolo Florentino é professor do Instituto de História da UFRJ. Foto: Editora UNESP, Youtube.

Faleceu na madrugada desta sexta-feira, no Rio de Janeiro, após uma parada cardiorrespiratória, o historiador Manolo Florentino, professor aposentado do Instituto de História da UFRJ e do seu Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS/UFRJ). Florentino tinha 63 anos e era um dos grandes especialistas em história da escravidão nas Américas e no Brasil, autor de diversos artigos e livros na área.

Manolo Florentino nasceu no Espírito Santo, em 1958. Era graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em estudos africanos pelo Colégio de México e doutor pelo programa de pós-graduação em História da UFF. Passou no concurso para o então Departamento de História UFRJ (hoje Instituto de História) em 1988, por onde se aposentou em 2019. Recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico (2009) e foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa de fevereiro de 2013 a fevereiro de 2015.

Ao longo de mais de três décadas de carreira, Florentino formou uma geração de estudiosos sobre a escravidão e temas relacionados. Um de seus mais importantes livros foi “Em costas Negras uma História do Tráfico de Escravos Entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX)”, que recebeu o Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa em 1993. Nele, o historiador questiona explicações clássicas para a enorme migração compulsória que por mais de três séculos uniu a África e o Brasil. “A viabilização de uma produção maciça e continuamente renovável de escravos estava organicamente vinculada não somente à existência de relações desiguais de poder entre os próprios africanos, mas sobretudo ao fortalecimento do Estado, único meio produtor de cativos em grande escala”, escreveu o autor.

É de Florentino também, em coautoria com João Fragoso, seu colega no Instituto de História da UFRJ, o livro “O Arcaísmo como projeto”, lançado em 1998 pela primeira vez e que mudou a maneira de se conceber a relação entre Mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil. Nesta obra, os autores propõem que na passagem do século XVIII para o seguinte, os estabelecimentos rurais da colônia, ao não demandarem altos investimentos iniciais, podiam ser expropriados de parcela expressiva de seu excedente pelo capital mercantil e usurário, sem que disso derivasse o seu desaparecimento. Na época em que foi lançado o livro, o jornalista Paulo Francis escreveu em sua coluna no jornal “O Globo”: “sempre suspeitei que a visão de Caio Prado Júnior e Celso Furtado de que o Brasil Colônia era inteiramente dependente da metrópole portuguesa, sem mercado interno, era uma simplificação, que havia na época uma caixa dois, como hoje. Fragoso e Florentino contam que havia no Brasil grande concentração da riqueza nacional, nas mãos de umas 20 famílias.”

Manolo foi também um dos responsáveis pelo banco de dados Slave Voyages, projeto singular de História Digital que abrange quase 35.000 expedições negreiras ocorridas entre 1514 e 1866, estando a atenção ao tráfico português e brasileiro a seu cargo.

O historiador José Inaldo Chaves Jr, O historiador José Inaldo Chaves Jr, professor de Brasil Colônia do Departamento de História da UnB, falou com o Café História sobre a relevância dos trabalhos e das pesquisas de Florentino para a historiografia:

“Autor de uma proeminente e internacionalizada obra, Manolo Florentino foi um dos mestres de um movimento que, nos últimos trinta anos, revolucionou nossa compreensão sobre as relações entre Brasil e África nos quadros da colonização portuguesa. Sob influência e pioneirismo do professor Florentino, em estudos memoráveis como “Em costas negras: uma história do tráfico entre a África e o Rio de Janeiro” (que já vai em sua 5ª edição) ou em parcerias bem-sucedidas com João Fragoso (“O arcaísmo como projeto”, de 1998), José Roberto Góes Neves (“A paz das senzalas”, de 1997) dentre outros, a historiografia contemporânea avançou significativamente na compreensão das dinâmicas socioeconômicas e políticas do nefasto “negócio de gentes” no Atlântico, escrutinando suas engrenagens e revelando os rostos de seus principais agentes, como os comerciantes de “grosso trato”, as instituições envolvidas na reprodução social dos cativos em África e os cotidianos de violência, resistências e liberdade conquistada/vigiada nas sociedades escravistas da América. Sua partida é dolorosamente sentida, mas sua obra certamente permanecerá influenciando futuras pesquisas e qualificando o debate público brasileiro acerca dos impactos e permanências destes passados escravistas ainda tão presentes”.

Em 2019, o PPGHIS/UFRJ publicou uma moção de reconhecimento ao professor Manolo pelos 30 anos de casa. “Professor Florentino foi uma das principais forças propulsoras do nosso programa, um coordenador arguto e eficiente e um orientador incansável, com um compromisso inquestionável junto à instituição. Sua contribuição à historiografia brasileira ultrapassa os limites deste programa, e foi fundamental para que o PPGHIS alcançasse reconhecimento como um programa de excelência”, diz o texto. 

Clique aqui para conferir uma entrevista de Manolo Florentino ao Café História. 

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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  1. Um de meus melhores professores. Fui aluna dele de 1989 a 1991. Era excelente profissional. Sempre vou lembrar dele em minha carreira acadêmica.

    • O professor Manolo, incansável pesquisador, nos proporcionou uma iniciação de pesquisa analisando ações de liberdade e processos crime de escravos em Piraí – RJ. Lembra disso Cláudia?

      • Olá, Almir, sim, experiência académica e aventura ao mesmo tempo , proporcionado por profissionais competentes e dedicados como ele e outros . Em pesquisas no interior do estado que nos mostra o quanto ainda há para ser desbravado e pesquisado nas regiões do passado escravista.

      • Olá, Almir, sim, experiência de pesquisa e aventura ao mesmo tempo em regiões do interior cafeeiro onde há tanto para ser desbravado sobre as práticas de luta por liberdade no Brasil escravista. Graças ao trabalho de professores e pesquisadores como. ele.

  2. Perder um intelectual desse porte nesse momento em que vivemos uma pobreza cultural e lamentavel.E um ser humano desse porte,mais ainda.E muito moço para ir embora subitamente????

  3. MANOLO FLORENTINO, querido amigo e excepcional historiador, descanse em paz! Que sua obra continue sendo para os pesquisadores da temática, tráfico e escravidão nas Américas e África, uma desafiadora referência! O velório e o sepultamento acontecerão no Cemitério do Caju, 14h na Capela 5 e, o sepultamento, às 16:30h

  4. Meus sentimentos a perda de um dos grandes historiadores brasileiros. Tive a sorte de tê-lo como orientador de dissertação de mestrado e que no processo se transformou em amigo. Obrigado por tudo professor Manolo Florentino.

    • O professor Manolo, incansável pesquisador, nos proporcionou uma iniciação de pesquisa analisando ações de liberdade e processos crime de escravos em Piraí – RJ. Lembra disso Cláudia?

  5. Historiador de respeito.
    Pois nao perdeu seu tempo com conteudos vazios que so enchem ouvidos de plutocratas. Mas q deu LUZ as atrocidades feitas por estes. Que hj desfrutam de riquezas q seus bisavos tataravos e avos ROUBARAM.
    Esa e a real Historia. Um mundo inventado por uma dada ELITE. onde nunca havia justiça e moral nestes.
    Por isso esse professor a meu ver foi um grande prestador de serviços ao Brasil. E fazendo seus alunos a pensarem e refletirem a respeito. Para nao serem escravo s contemporaneos.
    VAI COM DEUS MEU CARO PROFCTIOR.

    • Eu não vou nem comentar sobre o seu antissemitismo escancarado em relação aos judeus porque além de ser uma MENTIRA, é também um preconceito. Sobre a ideia de que os africanos possuíam escravos, aconselho você ler um pouco mais sobre a História da escravidão nas Américas e como ela criou a ideia de “negros escravos” (antes da expansão marítima europeia, a escravidão não tinha como base a ideia de “raça”). Como possivelmente você tirou essas conclusões do livro do Narloch, te sugiro um vídeo onde um HISTORIADOR (e não um jornalista) fala sobre a escravidão nas Américas (já que se eu indicasse qualquer texto você provavelmente não teria escrúpulo para o exercitar seu raciocínio).
      O vídeo é esse: https://www.youtube.com/watch?v=tSMyb2ygxXw

  6. Estou chocada com a notícia. A perda do Prof. Manolo é muito grande para a academia e para a sociedade brasileiras. Fui sua aluna na pós graduação e isso foi decisivo para a minha vida profissional. Meus sentimentos à família do grande professor.

  7. Boa noite
    Estou no 7*período de história
    Quando tem assunto registro de um historiador com relatos África perdemos uma história atual dos relatos da memória. Escravista que pena morreu mas a sua abra fala e chora de saldade obg Manolo pela sua ajuda

  8. Triste com a notícia..acompanho a obra dele. Perda intelectual prá este tão combalido país.. Que a sua ancestralidade afro-brasileira o receba de volta ao Orun.

  9. (…) claro que os europeus (principalmente portugueses)não corriam atrás de negros na savana, para trazerem para serem escravizados nas Américas…chegavam lá e já encontravam todos peados ve amarrados em lotes, prontos para a comercialização….essa prática de escravizar os vencidos ou “inimigos” de outras tribos, já era cultura correntes entres os africanos..porém os traficadores, incentivaram de várias formas a turbinação da perseguição às tribos mais frágeis pelas mais fortes e equipadas. Portanto, não existe “santos” mas houve demônios que atentaram mais!

  10. Foi meu professor no IFCS entre 1994 e 1998, infelizmente só cursei 1 materia com ele América 1 mas sua presença em sala e suas indicações de leitura sempte maravilhosas formaram meus conceitos de América colonial. Era um professor enérgico e uma pessoa amigável. Infelizmente foi cedo demais. Adeus mestre, que suas contribuições continuem sendo inspiração para muito.

  11. O brasil foi construído em cima de sangue suor e lágrimas dos escravos africanos, agora o néscio negacionista empossado na fundação PALMARES (dominó: preto(na cor) com pinta de branco) indicado pelo néscio psicopata (maioral) veio a jogar lama em uma história tão vergonhosa do brasil. Nesse sentido o nome brasil não merece ser escrito com b maiúsculo. Estou me identificando, vocês não têm é peito para publicar o que escrevi , isso sim.

    • Cacilda, meus sentimentos. Convivi por alguns anos com o Manolo e ele sempre foi muito atencioso.
      Fará muita falta. Mas o que ele fez em vida continua por aí, muito vivo. E assim será.
      Aqui no Departamento de História da UnB, onde estou hoje, publicamos uma nota de pesar.
      Um gesto simbólico, mas muito sincero. Forte abraço!

  12. Uma grande perda para a área de História no Brasil. Tive o prazer de conhecer o Professor Manolo Florentino nos anos 1990 quando visitou a UFPR. Meu abraço a família a Professora Cacilda Machado (com quem tive aulas) e a filha deles, Maria.

  13. Todas as famílias tradicionais e ricas de Salvador e da Bahia têm seus cordões umbilicais da acumulação primitiva, quando não for a própria, provenientes do comércio oriundo do tráfico negreiro. Assim ou também, dos que eram trazidos e, por aqui, tinham que ser finalmente alvo da intermediação comercial. Os Calmon de Sá – origem do Banco da Bahia, depois Banco Econômico e o tudo dos Odebrechts, em apenas dois exemplos.

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