Minicurso debate gênero e sexualidade na Wikipédia

Promovido pelo projeto "Mais Teoria da História na Wiki", o curso “Wikipédia em chave de gêneros” está com inscrições abertas até 2 de agosto.
24 de julho de 2024
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Fotografia da Editatona Mais Diversidade em Teoria da História na Wiki realizada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no Rio de Janeiro, no dia 13 de novembro de 2023. A atividade foi organizada pelo Projeto Mais Teoria da História na WIki em parceria com a Comunidade de Estudos de Teoria da História (COMUM). Foto: Divulgação.

As lacunas de gêneros na Wikipédia são o foco do novo minicurso promovido pelo projeto Mais Teoria da História na Wiki, que será realizado entre 13 de agosto e 20 de setembro deste ano. Intitulado “Wikipédia em chave de gêneros”, a atividade é dividida em quatro módulos a serem realizados em formato remoto na plataforma Moodle, além de contar com três encontros síncronos. O minicurso possui carga horária total de 30 horas. As inscrições estão abertas até 2 de agosto e podem ser feitas aqui.

A iniciativa acontece de forma autogerida e não é preciso saber editar na Wikipédia ou ter conhecimento no tema para participar. Todas as pessoas que se inscreverem deverão fazer uma doação, sugerida no valor de R$ 10,00, ao Instituto Arco-Íris, entidade de apoio a populações vulneráveis de Florianópolis (SC).

Os inscritos terão acompanhamento dos wikimedistas Aly Brenner, Miréia Figueiredo e Muriel Custodio. Com experiência na implementação de atividades com a Wikipédia, o Wikidata e Wikimedia Commons, eles fornecerão feedback sobre as atividades realizadas pelos cursistas e estarão disponíveis para esclarecer dúvidas sobre o conteúdo do minicurso.

Ao longo do minicurso as pessoas participantes irão construir uma proposta de atividade presencial, online ou híbrida como forma de contribuir para o fechamento das lacunas de gênero e sexualidade na Wikipédia, no Wikidata e Wikimedia Commons. Será oferecido suporte personalizado para a implementação da atividade resultante do minicurso com um auxílio financeiro de até R$ 500.

Androcentrismo na rede

Em 2021, em meio às comemorações dos 20 anos da Wikipédia em língua portuguesa, uma pesquisa realizada por Pedro Rodrigues Costa, da Universidade do Minho, apontou que cerca de 11% das pessoas que editavam na enciclopédia livre eram mulheres. Menos de 2% dos participantes da pesquisa assinalaram “outro” como identidade de gênero. Esses dados sugerem que a esmagadora maioria dos editores é constituída por homens. Além disso, há uma lacuna de conteúdo sobre mulheres e sexualidades dissidentes. Somente cerca de 20% das 265.764 biografias disponíveis na Wikipédia em língua portuguesa são sobre mulheres, de acordo a Humaniki – projeto que compila um conjunto de dados abertos sobre humanos em todos os projetos Wikimedia. 

Para Muriel Custodio, um dos ministrantes do minicurso “Wikipédia em chave de gêneros”, essa discrepância está relacionada ao perfil de quem edita na Wiki. “O editor padrão da Wikipédia é um homem branco, heterossexual de classe média. Então, isso se reflete no que está lá e na forma como esse saber é apresentado. Não só o conteúdo é impactado, mas a forma também”, aponta. 

Participante de edição anterior do minicurso, Muriel é mestrande em História na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e docente de História no Ensino Básico de Florianópolis. Segundo Muriel, o andocentrismo – que é a priorização da perspectiva masculina – não está presente apenas na internet, mas também na produção acadêmica. Como as informações da Wikipédia derivam também do conhecimento acadêmico, o androcentrismo acaba refletido nesse espaço e impactando “na divulgação do saber”. 

“Esses grupos marginalizados, que inclui pessoas com deficiência, pessoas negras, pessoas indígenas, outros grupos também para além da questão de gênero, mas que também tem uma interseccionalidade, também são sistematicamente excluídos das universidades, das instituições de pesquisas, da produção do saber”, afirma. 

Aly Brenner também atuará como ministrante no curso “Wikipédia em chave de gêneros”. Para ela, as lacunas de gênero devem ser enfrentadas de forma interseccional. “O minicurso pretende ser um evento que pense tais espaços a partir desse recorte, o que possibilita perceber as diversas problemáticas existentes neles. Ao realçar essas questões, podemos fazer edições e mudanças que ilustrem tais grupos de forma respeitável, e que não as inferiorize ou faça piada das próprias, como é tão comum. Podemos criar novos verbetes que contam histórias de pessoas que foram e são invisibilizadas, ou editar verbetes existentes para que tais vidas sejam narradas com a importância que tiveram”, explica. 

Primeira aluna a adentrar pela cota trans no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Aly destaca a importância de iniciativas que busquem ampliar a diversidade e alcançar maior equidade na produção do conhecimento. “As ações afirmativas são políticas que buscam dar cidadania a tais grupos, mas não só isso, elas também promovem mudanças epistemológicas. Seja com a inclusão de novas leituras, de uma linguagem que seja menos androcêntrica, como a linguagem neutra, de novos recortes de pesquisa que pensam tais pessoas e as necessidades específicas das mesmas, além de encher tais espaços com outras sensibilidades e estéticas, como a Camp, queer… As mudanças que buscamos na Wikipédia através do minicurso são as mesmas, e logicamente para outros grupos também”, diz.

A jornalista e historiadora em formação Miréia Figueiredo edita nas plataformas Wiki desde 2018 e considera que a enciclopédia virtual é uma ferramenta importante para a divulgação científica. “Tanto para a História quanto para a Comunicação Social a Wiki funciona como uma fonte de conhecimento. A biografia de uma figura histórica, por exemplo, é algo positivo tanto para a História quanto para a Comunicação Social, porque as pessoas vão ter acesso a essa informação de qualidade. Eu acho que, nesse sentido, os dois campos coincidem. A Wiki funciona como um ponto de intersecção entre os dois campos. De ser um bom acervo de informação”, avalia.  

Membra voluntária do Wiki Movimento Brasil e do WikiMulheres+, ela defende a formação de grupos organizados que atuem diretamente na edição dos verbetes da Wikipédia como forma de reduzir as lacunas de gênero na plataforma. “A Wikipédia, sendo a plataforma mais popular entre os projetos Wikimedia, tem mais atenção dos usuários. Então, é comum haver reversões de edições e as pessoas menos acostumadas, talvez, se sintam intimidadas com isso. Eu espero que as pessoas que participarem do curso se engajem posteriormente nas edições. Que não seja uma participação única”, conclui. 

Mais Teoria da História na Wiki

Coordenado pela professora adjunta de Teoria da História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Flávia Florentino Varella, o Mais Teoria da História na Wiki foi criado em 2022 visando estimular o engajamento de mulheres, pessoas LGBTQIAP+, indígenas e pretas no campo de estudos da Teoria da História, além de aumentar a participação de pessoas das áreas de Ciências Humanas e Comunicação nas plataformas de acesso aberto Wikipédia, Wikidata e Wikimedia Commons, gerenciadas pela Fundação Wikimedia.

Financiado pela Fundação Wikimedia, o projeto de história pública busca a ampliação do debate sobre temas relacionados aos estudos de gênero, de sexualidade, de raça e às epistemologias do Sul Global. A iniciativa tem a Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH) e o Núcleo de Estudos em Políticas da Escrita, da Memória e da Imagem (NEPEMI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como parceiros, além de vários núcleos de pesquisa em Teoria da História, e conta com o apoio da Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) e de diversos afiliados e grupos independentes do movimento Wikimedia. 

Bruno Lima

Graduado em Jornalismo e História. Meste em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade de Brasília (UnB). Dedica-se a estudos de História do Brasil República, com ênfase na Era Vargas, direitos trabalhistas, História Social do Trabalho, Justiça do Trabalho, comunismo e anticomunismo e PCB nos anos 1930. Escreve regularmente sobre mestrado profissional em História (ProfHistoria) para o Café História.

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