“Meu Amigo Robô”: tratando das dificuldades da vida

Animação espanhola dirigida pelo Pablo Berger e inspirado na graphic novel da novaiorquina Sara Varon prova que animação não é só para crianças.
25 de julho de 2024
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Tratando das dificuldades da vida, “Meu Amigo Robô” prova que animação não é só para crianças. Foto: divulgação.

Quando ganhou o Oscar por seu “Pinóquio”, o diretor Guillermo del Toro disse uma verdade não tão inconveniente: animação não é um gênero cinematográfico, mas sim mais uma técnica que pode ser usada para contar histórias. Não é feita só para crianças e, por sua liberdade técnica e não-obediência às leis que regem o mundo não-animado (pense aqui nos muitos desafios às leis da física presentes no desenho do Papa-Léguas, por exemplo), a animação por si só já atravessa fronteiras e fala com um público amplo. Quando desprovida de diálogos, então, tem outra barreira superada: a da linguagem, da dublagem e das legendas. Uma animação recente e sem diálogos é “Meu Amigo Robô”, que até agrada às crianças, mas é um verdadeiro deleite para os adultos.

Numa cidade de Nova York habitada não por humanos, mas por animais antropomorfizados, vive o solitário Cão. Numa noite, comendo comida congelada recém-esquentada e zapeando pelos canais de televisão, ele vê a propaganda de um robô de companhia para animais sozinhos como ele. O Cão compra o Robô e juntos eles vivem momentos mágicos. Tudo vai bem até que o Cão leva o Robô à praia e, após entrar no mar, ele enferruja. O Cão não consegue mover o pesado amigo metálico, e promete voltar no dia seguinte para tirá-lo da areia da praia e consertá-lo. O único problema é que a praia havia sido interditada, e ficaria fechada até o verão seguinte. Cabisbaixo, o Cão segue com sua vida, enquanto o Robô sonha com o reencontro com o amigo – até o dia em que seu caminho se cruza com o do Guaxinim.

“Meu Amigo Robô” é um filme de origem espanhola, dirigido por Pablo Berger e inspirado na graphic novel da novaiorquina Sara Varon – é feita inclusive uma homenagem a ela: o sobrenome do Cão é Varon. Berger tem uma trajetória de sucesso no cinema, e destacamos de seu trabalho como diretor e roteirista outro filme mudo, este em live-action e preto e branco, “Blancanieves”, de 2012, ganhador de dez prêmios Goya, o Oscar do cinema espanhol.

“Meu Amigo Robô” foi indicado ao Oscar de Melhor Animação, perdendo para a mais recente obra-prima do Studio Ghibli, “O Menino e a Garça”. Essa indicação faz do filme a segunda produção espanhola só este ano a pleitear a estatueta dourada mais cobiçada do cinema. A outra produção espanhola no Oscar foi “Sociedade da Neve”, sobre os sobreviventes de um acidente aéreo nos Andes nos anos 70. Na vibe retrô os dois filmes também conversam porque, apesar de não haver muitas pistas, “Meu Amigo Robô” se passa na década de 1980.

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Na vibe retrô os dois filmes também conversam porque, apesar de não haver muitas pistas, “Meu Amigo Robô” se passa na década de 1980. Foto: divulgação.

O filme foi comparado com muitos outros por onde passou. Berger admitiu se inspirar em mestres da pantomina como Charles Chaplin e Jacques Tati, e também em outras animações bem-sucedidas recentes, como “Ernest & Celestine” e “A Tartaruga Vermelha”. Por sua história de amor e perda, “Meu Amigo Robô” encontrou ligações com “Vidas Passadas”, outro filme que deixou marmanjos com o coração dilacerado.

Se você é uma pessoa antenada, já deve ter ouvido falar sobre aprendizado de máquinas ou machine learning. Ele é um campo da inteligência artificial baseado na ideia de que sistemas podem aprender com dados, identificar padrões e até tomar decisões com mínima interferência humana. Esse processo é mostrado perfeitamente de maneira literal e didática em “Meu Amigo Robô” quando o Robô replica gestos e comportamentos dos demais animais após uma observação atenta.

“Meu Amigo Robô” é uma perfeita animação para adultos, trazendo a moral de que nem tudo pode sair como esperamos, mas o processo de constante transformação, com suas surpresas pelo caminho, fazem a vida valer a pena. Você vai rir. Você vai se emocionar. Você nunca mais vai escutar “September” da mesma forma.

Letícia Magalhães

Historiadora e crítica de cinema. Contribuiu com sites como Filmes e Games e Leia Literatura. Mantém desde 2010 o blog Crítica Retrô, sobre filmes clássicos e antigos, e contribui para os sites Revista Eletrônica Ambrosia e Cine Suffragette, no qual é também editora. Foi vencedora do prêmio do Collegium do Festival de Cinema Mudo de Pordenone em 2021, escrevendo sobre o que mais gosta: cinema e história.

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