No último dia 15, o Café História deu início a uma série dividida em três posts que visa ajudar aqueles que desejam participar de uma seleção de mestrado em História. Entramos em contato com professores e professoras de diversas universidades brasileiras perguntando que dicas eles dariam aos candidatos e candidatas ao mestrado – e publicamos todas as respostas na íntegra para nossos leitores.
No primeiro post, as dicas contemplaram a etapa da prova escrita. No segundo post, reunimos algumas dicas para a etapa da entrevista com a banca examinadora. Finalmente, neste terceiro e último post da série, publicamos as dicas que os(as) docentes convidados(as) por nós deram para a elaboração do projeto de pesquisa.
O projeto de pesquisa é uma parte fundamental do trabalho. A banca examinadora vai estar bastante atenta ao que você escreveu. Capriche na redação, indique quais são as suas fontes e não se esqueça que um debate historiográfico deve estar presente no material, assim como a indicação da abordagem teórica, das hipóteses e dos objetivos. Mas não é só isso. Tem muito mais coisa aí. Confira as dicas dos professores e professoras.
Andrea Casa Nova (UFRJ) – Estrutura e ousadia
Posso falar da minha própria experiência. Quando eu era ainda estudante de graduação, li um livro do Ciro Flamarion Cardoso, “Uma introdução à História”. Fiz meu primeiro projeto ainda de iniciação científica me baseando no formato apresentado por esse grande historiador e professor. Com ele, aprendi sobre a importância de um recorte temporal e espacial, de como justificar meu objeto, como elaborar questões, problematizar meu tema, apresentar as fontes e o arcabouço teórico-metodológico, etc. Desde aquela época até hoje, escrevo meus projetos a partir do que está lá. Como tendo ao empirismo, entro nas fontes e depois vou a procura dos teóricos que possam me ajudar a decifrar o que elas trazem… E aí, leio tudo o que encontro sobre o tema, para fazer um bom “estado da arte” e a partir do que já foi feito, pensar o que farei de novo, de diferente. Basicamente, é isso. Minha dica? Ousar! Temos que derrubar a “síndrome de Salamanca”! Afinal, se fosse pelos professores, intelectuais de Salamanca, Cristóvão Colombo não tinha atravessado o oceano! Ousadia também está numa pergunta feita por Roberto Machado ao filósofo Michel Foucault certa feita: “Quando você começa a estudar um assunto, o que o move?” E ele respondeu: ” Provar que aquilo do qual todo mundo fala não existe” (MACHADO, 2017:66). Ou seja, seduza seu leitor e subverta as certezas. Assim, você vai produzir um conhecimento que vai brilhar como um diamante e seu projeto dará um novo fôlego para a História nas universidades!”
Thiago Nicodemo (UERJ) – Coerência e respeito aos prazos
A dica mais importante: o projeto tem que ter coerência entre as partes. A justificativa tem que justificar o que esta proposto nos objetivos, sem mais nem menos; as fontes e a bibliografia têm que conter um repertório igualmente coerente com os objetivos. A metodologia/teoria tem que emergir dos problemas discutidos na justificativa. Então, por exemplo, se você estuda nação e seus correlatos, na metodologia/teoria você tem que explicar quais são suas balizas teóricas para tratar do conceito de nação. O aparato teórico-metodológico não pode ser uma escolha totalmente apartada da temática, muito pelo contrário. A segunda característica fundamental eu chamo de autoconsciência ou sinceridade. O aluno tem ansiedade para mostrar que sabe do assunto, o que é natural dentro de um processo de seleção, mas ele deve ser capaz de explicar quais etapas devem ser cumpridas para chegar a um objetivo final. Isso é algo que tem que estar presente não só no cronograma, mas em todas as partes do texto a proposta deve parecer factível dentro dos prazos atuais do mestrado. Não se pode perder de vista que o pesadelo de todo orientador, hoje, é um aluno que não tenha condições de cumprir os prazos tão apertados.
Paula Palamartchuk (UFAL) – Articulação entre fontes e historiografia
Objetivamente, para a elaboração de um projeto de mestrado em história é, em primeiro lugar, imprescindível que o estudante esteja familiarizado com as fontes e que elas estejam identificadas no projeto. Em segundo lugar, não importa qual tema ou período, é necessário que o recorte esteja articulado com as fontes e com a bibliografia. Refiro-me aqui à historiografia que dialoga diretamente ou indiretamente com a pesquisa. Dessa forma, é necessário também que, ao elaborar o projeto de pesquisa, o estudante demonstre não só familiaridade mas também a leitura crítica desse conjunto de referências bibliográficas. É da intersecção entre os documentos com os quais se vai trabalhar e a revisão bibliográfica que nascerá o recorte do objeto e as perguntas de pesquisa. Por fim, a organização e a estrutura do projeto devem estar claras quanto às suas justificativas, objetivos e cronograma. Fontes, bibliografia e organização textual são o “arroz com feijão” do nosso ofício. Demonstrar familiaridade e conhecimento sobre esses aspectos já é um bom caminho para participar de qualquer seleção. Bom trabalho e boa sorte!
Karina Anhezini (UNESP) – Justificar a contribuição pretendida
Um projeto de pesquisa em História deve apresentar com clareza o conhecimento acerca do tema a ser pesquisado, ou seja, uma exposição do “estado da arte”, o bom e velho “balanço bibliográfico”. Esta parte do texto encaminhará a definição dos objetivos da pesquisa e justificará a relevância da contribuição pretendida. Além de um conhecimento prévio dos estudos sobre o tema, o projeto também deve evidenciar um mapeamento inicial das fontes que comporão a pesquisa.
Leandro Pereira Gonçalves (PUCRS) – Clareza conceitual e contextualização
Um projeto de pesquisa precisa apresentar clareza conceitual e um objeto bem definido. É fundamental que esteja alinhado as propostas do programa de pós-graduação e, principalmente, que existam orientadores disponíveis e interessados. Para a redação, além de uma boa contextualização teórica, identifico que o ponto de maior relevância é a exposição da metodologia de pesquisa, destacando principalmente as fontes que serão utilizadas na investigação, demonstrando a viabilidade de execução da proposta.
Manolo Florentino (UFRJ) – Possíveis concessões
Se você é uma pessoa assumidamente limitada, contrate um revisor gabaritado, aliado incontornável em situações de intensa confusão mental. Também tenha em conta o perfil dos componentes da banca, pois talvez sejam necessárias concessões bibliográficas precisas a minorias, junkies e new junkies, ao hermetismo de um linguista norueguês aqui, às memórias de um ex-guerrilheiro latino-americano acolá. Mas se você realmente escreve bem, denotando destreza em algo infinitamente mais árduo – saber ler –, durma tranquilo, pois a sua aprovação é certa.
Fernando Vale Castro (UFRJ) – Projeto com viabilidade e discussão bibliográfica
Para muitos que pretendem ingressar no Mestrado, a formulação do Projeto de Pesquisa é o maior desafio. O maior temor é convencer uma banca de que sua ideia de pesquisa é relevante e viável para ser realizado em dois anos. Bem, em que pese todo programa de pós-graduação estabelecer um modelo específico para a sua seleção, todo candidato precisa ter em mente alguns pontos os quais julgo fundamentais para que se tenha êxito nessa empreitada. A banca precisa ser convencida de que seu projeto tem viabilidade. É importante lembrar que nem todos os avaliadores conhecem o tema proposto, logo é fundamental que o texto explicite qual será a temática a ser estudada e quais as fontes a serem utilizadas, bem como a disponibilidade delas. Igualmente, é preciso que se demonstre conhecimento sobre a bibliografia acerca do assunto a ser estudado. Uma boa discussão bibliográfica é de suma importância em um projeto e, para que isso ocorra, é fundamental que haja um diálogo entre o que já foi pesquisado e o que está sendo proposto. Outro ponto relevante é a pesquisa se aproximar dos interesses do programa de pós-graduação desejado, uma vez que isso gerará interesse tanto da banca quanto de possíveis orientadores. Por fim, mas não menos importante, é de extrema relevância que o candidato goste muito do tema. É absolutamente impossível que um trabalho acadêmico alcance êxito sem este vínculo. O trabalho do pesquisador é feito com suor e lágrimas e, acima de tudo, com muito amor.