Mestrado em História: dicas para o projeto de pesquisa

Professores(as) que participam frequentemente de bancas de mestrado em História contam quais são suas dicas para essa etapa da seleção.
29 de setembro de 2017
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Mestrado Processo Seletivo
As dicas para o projeto de pesquisa encerram o especial do Café História sobre a seleção para o mestrado em história. Foto: Pixabay.

No último dia 15, o Café História deu início a uma série dividida em três posts que visa ajudar aqueles que desejam participar de uma seleção de mestrado em História. Entramos em contato com professores e professoras de diversas universidades brasileiras perguntando que dicas eles dariam aos candidatos e candidatas ao mestrado – e publicamos todas as respostas na íntegra para nossos leitores.

No primeiro post, as dicas contemplaram a etapa da prova escrita. No segundo post, reunimos algumas dicas para a etapa da entrevista com a banca examinadora. Finalmente, neste terceiro e último post da série, publicamos as dicas que os(as) docentes convidados(as) por nós deram para a elaboração do projeto de pesquisa.

O projeto de pesquisa é uma parte fundamental do trabalho. A banca examinadora vai estar bastante atenta ao que você escreveu. Capriche na redação, indique quais são as suas fontes e não se esqueça que um debate historiográfico deve estar presente no material, assim como a indicação da abordagem teórica, das hipóteses e dos objetivos. Mas não é só isso. Tem muito mais coisa aí. Confira as dicas dos professores e professoras.

Andrea Casa Nova (UFRJ) – Estrutura e ousadia

Posso falar da minha própria experiência. Quando eu era ainda estudante de graduação, li um livro do Ciro Flamarion Cardoso, “Uma introdução à História”. Fiz meu primeiro projeto ainda de iniciação científica me baseando no formato apresentado por esse grande historiador e professor. Com ele, aprendi sobre a importância de um recorte temporal e espacial, de como justificar meu objeto, como elaborar questões, problematizar meu tema, apresentar as fontes e o arcabouço teórico-metodológico, etc. Desde aquela época até hoje, escrevo meus projetos a partir do que está lá. Como tendo ao empirismo, entro nas fontes e depois vou a procura dos teóricos que possam me ajudar a decifrar o que elas trazem… E aí, leio tudo o que encontro sobre o tema, para fazer um bom “estado da arte” e a partir do que já foi feito, pensar o que farei de novo, de diferente. Basicamente, é isso. Minha dica? Ousar! Temos que derrubar a “síndrome de Salamanca”! Afinal, se fosse pelos professores, intelectuais de Salamanca, Cristóvão Colombo não tinha atravessado o oceano! Ousadia também está numa pergunta feita por Roberto Machado ao filósofo Michel Foucault certa feita: “Quando você começa a estudar um assunto, o que o move?” E ele respondeu: ” Provar que aquilo do qual todo mundo fala não existe” (MACHADO, 2017:66). Ou seja, seduza seu leitor e subverta as certezas. Assim, você vai produzir um conhecimento que vai brilhar como um diamante e seu projeto dará um novo fôlego para a História nas universidades!”

Thiago Nicodemo (UERJ) – Coerência e respeito aos prazos

A dica mais importante: o projeto tem que ter coerência entre as partes. A justificativa tem que justificar o que esta proposto nos objetivos, sem mais nem menos; as fontes e a bibliografia têm que conter um repertório igualmente coerente com os objetivos. A metodologia/teoria tem que emergir dos problemas discutidos na justificativa. Então, por exemplo, se você estuda nação e seus correlatos, na metodologia/teoria você tem que explicar quais são suas balizas teóricas para tratar do conceito de nação. O aparato teórico-metodológico não pode ser uma escolha totalmente apartada da temática, muito pelo contrário. A segunda característica fundamental eu chamo de autoconsciência ou sinceridade. O aluno tem ansiedade para mostrar que sabe do assunto, o que é natural dentro de um processo de seleção, mas ele deve ser capaz de explicar quais etapas devem ser cumpridas para chegar a um objetivo final. Isso é algo que tem que estar presente não só no cronograma, mas em todas as partes do texto a proposta deve parecer factível dentro dos prazos atuais do mestrado. Não se pode perder de vista que o pesadelo de todo orientador, hoje, é um aluno que não tenha condições de cumprir os prazos tão apertados.

Paula Palamartchuk (UFAL) – Articulação entre fontes e historiografia

Objetivamente, para a elaboração de um projeto de mestrado em história é, em primeiro lugar, imprescindível que o estudante esteja familiarizado com as fontes e que elas estejam identificadas no projeto. Em segundo lugar, não importa qual tema ou período, é necessário que o recorte esteja articulado com as fontes e com a bibliografia. Refiro-me aqui à historiografia que dialoga diretamente ou indiretamente com a pesquisa. Dessa forma, é necessário também que, ao elaborar o projeto de pesquisa, o estudante demonstre não só familiaridade mas também a leitura crítica desse conjunto de referências bibliográficas. É da intersecção entre os documentos com os quais se vai trabalhar e a revisão bibliográfica que nascerá o recorte do objeto e as perguntas de pesquisa. Por fim, a organização e a estrutura do projeto devem estar claras quanto às suas justificativas, objetivos e cronograma. Fontes, bibliografia e organização textual são o “arroz com feijão” do nosso ofício. Demonstrar familiaridade e conhecimento sobre esses aspectos já é um bom caminho para participar de qualquer seleção. Bom trabalho e boa sorte!

Karina Anhezini (UNESP) – Justificar a contribuição pretendida

Um projeto de pesquisa em História deve apresentar com clareza o conhecimento acerca do tema a ser pesquisado, ou seja, uma exposição do “estado da arte”, o bom e velho “balanço bibliográfico”. Esta parte do texto encaminhará a definição dos objetivos da pesquisa e justificará a relevância da contribuição pretendida. Além de um conhecimento prévio dos estudos sobre o tema, o projeto também deve evidenciar um mapeamento inicial das fontes que comporão a pesquisa.

Leandro Pereira Gonçalves (PUCRS) – Clareza conceitual e contextualização

Um projeto de pesquisa precisa apresentar clareza conceitual e um objeto bem definido. É fundamental que esteja alinhado as propostas do programa de pós-graduação e, principalmente, que existam orientadores disponíveis e interessados. Para a redação, além de uma boa contextualização teórica, identifico que o ponto de maior relevância é a exposição da metodologia de pesquisa, destacando principalmente as fontes que serão utilizadas na investigação, demonstrando a viabilidade de execução da proposta.

Manolo Florentino (UFRJ) – Possíveis concessões

Se você é uma pessoa assumidamente limitada, contrate um revisor gabaritado, aliado incontornável em situações de intensa confusão mental. Também tenha em conta o perfil dos componentes da banca, pois talvez sejam necessárias concessões bibliográficas precisas a minorias, junkies e new junkies, ao hermetismo de um linguista norueguês aqui, às memórias de um ex-guerrilheiro latino-americano acolá. Mas se você realmente escreve bem, denotando destreza em algo infinitamente mais árduo – saber ler –, durma tranquilo, pois a sua aprovação é certa.

Fernando Vale Castro (UFRJ) – Projeto com viabilidade e discussão bibliográfica

Para muitos que pretendem ingressar no Mestrado, a formulação do Projeto de Pesquisa é o maior desafio. O maior temor é convencer uma banca de que sua ideia de pesquisa é relevante e viável para ser realizado em dois anos. Bem, em que pese todo programa de pós-graduação estabelecer um modelo específico para a sua seleção, todo candidato precisa ter em mente alguns pontos os quais julgo fundamentais para que se tenha êxito nessa empreitada. A banca precisa ser convencida de que seu projeto tem viabilidade. É importante lembrar que nem todos os avaliadores conhecem o tema proposto, logo é fundamental que o texto explicite qual será a temática a ser estudada e quais as fontes a serem utilizadas, bem como a disponibilidade delas. Igualmente, é preciso que se demonstre conhecimento sobre a bibliografia acerca do assunto a ser estudado. Uma boa discussão bibliográfica é de suma importância em um projeto e, para que isso ocorra, é fundamental que haja um diálogo entre o que já foi pesquisado e o que está sendo proposto. Outro ponto relevante é a pesquisa se aproximar dos interesses do programa de pós-graduação desejado, uma vez que isso gerará interesse tanto da banca quanto de possíveis orientadores. Por fim, mas não menos importante, é de extrema relevância que o candidato goste muito do tema. É absolutamente impossível que um trabalho acadêmico alcance êxito sem este vínculo. O trabalho do pesquisador é feito com suor e lágrimas e, acima de tudo, com muito amor.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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    • Oi. Bom dia!! Minha formação é pedagogia, mas, a 20 anos trabalho com a disciplina de História na minha escola. Já tentei fazer uma segunda graduação em História.Entretanto nunca consigo terminar o curso. Então, quando vi essa informação fique muito interessada. Duas perguntas: Como eu faço para ingressar em algum mestrado de História e se eu posso, devido a minha outra formação. Grata.

      • Oi, Marly. Tudo bem? Você pode sim. Esta semana mesmo publicamos um artigo falando sobre isso.
        Dá uma olhada na página principal do Café História. O artigo está longo em destaque.
        E fique de olho dos programas da sua cidade. Abraço!

  1. Vou me inscrever para a prova seletiva do mestrado profhistoria. Meu tema a prioridade seria O DESPREPSRO DO PROFESSIR DE HISTORIA EM SALA DE AULA FRENTE A INCLUSAO DE ALUNOS ESPECIAIS. Gostaria de saber se o tema e coerente e quais bibliografias ou teóricos me indicariam?
    Obrigada

  2. estou com a tarefa de fazer um pré projeto de mestrado na linha de pesquisa PODER, MEMÓRIA E REPRESENTAÇÕES. Queria uma dica de como proceder a elaboração nessa temática.

  3. quero fazer mestrado em historia sou natural de cidade pequena, onde o racismo é tão enraizado que as pessoas nem percebem, e quando o percebem dizem ser pura ignorância.Quero uma temática que trabalhe isso dentro da escola de maneira mais clara para que essa cultura em cidades pequenas sejam repaginas com as mudanças realmente significativa.

  4. Sou Assistente Social do RJ. Estou muito interessada em fazer Mestrado em História.Por onde devo começar?
    Sobre a temática a ser escolhida posso falar do Serviço Social na Educação?

  5. Muito obrigada pelas dicas! Me sinto mais confiante para elaborar e propor minha tese! Obrigadíssima pela sensibilidade em informar e esclarecer a nós graduados e desesperados.
    Muita luz na jornada!

  6. faz mais de 10 anos que fiz o curso de historia por conta de um concurso melhor e construir família, e agora gostaria de tentar o mestrado, gostaria de trabalhar com esse tema em que vários tipos de classes são levadas a processos de dominação de governantes mas não sei como desenvolver alguma ajuda ou dica???

  7. queria desenvolver algo nesse sentido de alteridade e lutas de classes. mas não estou conseguindo desenvolver o tema sou de Dourados MS o mestrado de história esta com inscrições abertas aqui na minha cidade. Você pudesse me ajudar??

    • Tente conversar com algum professor da sua cidade, troque ideias com quem já fez ou faz mestrado. É difícil fazer essa consultoria a distância. Você tem um tema neste momento. O mais importante é fazer o recorte, encontrar um objeto e uma pergunta. Eu começaria por aí! Boa sorte!

  8. Olá professor Bruno, veja minha ideia para o mestrado, se possível avalie. Diante do índice de crimes em razão do feminícidio, na cidade onde resido Salvador-Bahia acrescento que, quando criança tive informações do meu pai da história de Júlia fetal, que foi morta pelo noivo, para tanto o mesmo mandou fazer uma bala de ouro, e a matou, nada mais sei, meu pai trabalhou com uma pessoa da sua família. Os relatos, acredito eu ilustraria a história das famílias da época. Estive na SPD.- Sociedade Protetora dos Desvalido em busca de dados sem resultados Existe notícias em jornais sem um aprofundamento de outras questões, apenas a forma criativa não menos perversa do assassinato.Diante dos fatos eu fiquei desanimada e já penso em outro tema. Enfim, será uma realização fazer um mestrado em História, já que estou aposentada como assiste social. Grata, desculpe pelo texto ser extenso.

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