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A luta pelo direito de casar: o caso Loving vs. Virginia

A luta pelo direito de casar: o caso Loving vs. Virginia 2

Richard e Mildred Loving. Caso de amor e direitos civis. Foto de Gray Villet.

Os direitos civis abrangem uma ampla gama de atividades que envolvem cidadãos de todas as origens – o direito de votar, de se reunir legalmente, de fazer uma petição ao governo, de ser julgado com igualdade perante a lei e de se expressar sem censura. Os direitos e liberdades civis, contudo, não param por aí: o direito de casar com quem desejamos vem sendo debatido nos tribunais há décadas nos Estados Unidos. As leis de Jim Crow em todo o sul do país proibiam os casamentos inter-raciais, e tinham ao seu lado leis estaduais que definiam a “ascendência negra” de uma pessoa. Em 1967, porém, a Suprema Corte dos Estados Unidos proferiu uma decisão histórica sobre os direitos civis nesse mesmo assunto: o caso Loving vs. Virginia.

Durante o período da chamada reconstrução, o estado da Virgínia implementou uma variedade de “códigos negros” com o objetivo segregacionista de estabelecer lugares para negros e brancos. Coincidindo com esses códigos estavam também leis anti-miscigenação que impediam casamentos inter-raciais. Os estados definiam quem tinha “herança negra” procurando por ancestrais negros; se alguém na história familiar de uma pessoa fosse identificada como negra, todos os descendentes seriam classificados desta forma.

Casamento ilegal

Richard e Mildred Loving (nascida Jeter) eram de Central Point, Virginia. Eles frequentaram as mesmas escolas e se conheceram durante a maior parte de suas vidas. O condado em que viviam funcionava estritamente sob as leis de Jim Crow, mas Central Point era visto como uma comunidade cordial e mestiça. Richard e Mildred se apaixonaram durante o ensino médio e, em 2 de junho de 1958, eles se casaram em Washington, DC. Seus problemas começaram não muito depois da volta para casa.

De acordo com a Lei de Integridade Racial da Virgínia de 1924 (RIA), os casamentos inter-raciais eram ilegais e não podiam ser reconhecidos pelo Estado. A lei surgira de um movimento de propaganda eugênica e racista com o objetivo de manter brancos e negros segregados. Em 11 de julho de 1958, o condado de Caroline emitiu um mandado de prisão para Richard Loving por violar a RIA. Um mandado para Mildred Loving foi emitido logo depois. Ambos foram presos e, em 6 de janeiro de 1959, receberam uma pena suspensa de um ano de prisão, uma espécie de liberdade condicional. Neste caso, a condição era não retornar por 25 anos ao seu distrito de origem. Ambos foram autorizados a se mudar para Washington, DC, no Distrito de Columbia.

Apelação na justiça

Em 1964, os Loving decidiram apelar da condenação e escreveram ao Procurador-Geral Robert F. Kennedy, que os encaminhou à União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU). Dois advogados, Bernard Cohen e Philip Hirschkop, ofereceram-se para assumir o caso e solicitaram ao tribunal distrital para retirar a sentença com base na 14ª Emenda.

Simultaneamente, Cohen e Hirschkop entraram com uma ação coletiva no Tribunal Distrital dos Estados Unidos da Virgínia Oriental, mas antes que isso pudesse avançar, o juiz Leon Bazile negou a moção para anular a sentença dos Lovings. Os Lovings então moveram uma petição para a Suprema Corte da Virgínia, onde sua moção foi negada e devolvida aos tribunais de apelação.

Richard e Mildred Loving, vistos aqui com seus filhos Peggy, Donald e Sidney, são os temas de “The Loving Story”, o documentário que conta a história do caso. Foto de Gray Villet

Processos judiciais sobre o assunto de casamentos inter-raciais ocorreram antes dos Loving, muitos dos quais sustentaram a noção de que tais casamentos eram inválidos com base na questão da raça. Alguns alegaram que, uma vez que ambas as partes foram igualmente punidas, a 14ª Emenda não teria sido violada.

As sucessivas derrotas na justiça não dissuadiram os Loving ou seus advogados de lutar. O teste final veio em maio de 1966, quando Cohen e Hirschkop entraram com um recurso na Suprema Corte dos Estados Unidos. Em 1948, a Suprema Corte da Califórnia decidiu no caso Perez v. Sharp que proibir casamentos inter-raciais era de fato inconstitucional. A Califórnia foi o primeiro estado a proibir a lei anti-miscigenação, e os Lovings usaram essa jurisprudência em seu caso. Cohen e Hirschkop argumentaram que as leis anti-miscigenação violavam o devido processo legal e a proteção igual porque a segregação racial estava em seu cerne.

Virada

Em 12 de junho de 1967, a Suprema Corte votou unanimemente a favor dos Lovings. Os direitos da 14ª Emenda foram de fato violados, incluindo o direito ao devido processo e proteção igual perante a lei. O presidente do tribunal Earl Warren autorizou a opinião do tribunal, afirmando: “A liberdade de casar ou não com pessoa de outra raça reside com o indivíduo e não pode ser infringida pelo Estado.”

Após essa decisão, as leis anti-miscigenação que permaneceram em vigor em vários estados tornaram-se impossíveis de serem aplicadas após a decisão da Suprema Corte em prol do casamento inter-racial. O número relatado de casamentos inter-raciais no Sul dos Estados Unidos aumentou de forma constante nos anos após Loving v. Virginia, e a decisão é rotineiramente citada como um caso de tribunal histórico na luta pela igualdade racial nos Estados Unidos.

Esse texto foi originalmente publicado em inglês no blog Pieces of History, do National Archives, devidamente autorizado pela fonte. Tradução: Bruno Leal.

Como citar este artigo

RICHARDSON, Thomas. A luta pelo direito de casar: o caso Loving vs. Virginia. In: Café História. Tradução de Bruno Leal Pastor de Carvalho. Original em: Pieces of History. Publicado em 17 mai. de 2021. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/luta-pelo-direito-de-casar-lovings-vs-virginia/. ISSN: 2674-5917.

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