Katherine Fite e o Tribunal de Nuremberg

Em 1945, a advogada Katherine Fite trabalhou para o juiz Robert H. Jackson no Gabinete do Chefe do Conselho dos Estados Unidos para a Promotoria de Criminalidade do Eixo — órgão que culminaria no Tribunal de Nuremberg.
30 de novembro de 2020
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Katherine fez graduação no Vassar College em 1926 e formou-se em direito, na Universidade Yale, em 1930. Antes de seguir para o Departamento de Estado, em 1937, ela trabalhou como advogada na Comissão de Reclamações Gerais. Tendo sido designada para trabalhar com o juiz Jackson, em julho de 1945, viajou para Londres a fim de encontrar-se com o magistrado enquanto ele participava da Conferência de Londres, que tinha como objetivo estabelecer procedimentos para os julgamentos de crimes de guerra. De lá, Katherine viajou para Nuremberg, na Alemanha, onde ajudou na preparação de provas e argumentos para o julgamento dos principais criminosos de guerra nazistas.  

Durante o período em que esteve em Londres e Nuremberg, Katherine escreveu cartas vivamente descritivas para seus pais, que mais tarde ela doou para a Biblioteca Truman. Nesse material, ela descreve sua empolgação e ansiedade por voar pela primeira vez, por ter a oportunidade de conhecer pessoas importantes e participar e testemunhar em primeira mão um evento “tão histórico”. Ela também descreve o lado menos glamoroso da vida na Europa do pós-guerra — vendo os campos de concentração, a destruição da Alemanha, pessoas tentando reconstruir suas vidas e entrevistando os cúmplices de Hitler.

Antes dos julgamentos, as Quatro Potências (França, Grã-Bretanha, União Soviética e Estados Unidos) se reuniram em Londres para planejar a estratégia e os procedimentos do Tribunal. Perto do final de julho, um grupo de trabalho foi a Nuremberg para inspecionar o local do julgamento. Na foto deste grupo, Katherine é a única mulher, sendo uma das duas únicas que foram na missão (a outra foi a secretária do juiz Robert Jackson). Na foto, Jackson é provavelmente o quarto homem à direita, de gravata borboleta.  

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Delegação das Quatro Potências inspeciona Nuremberg, Alemanha, em preparação para os Julgamentos de Crimes de Guerra, 1945. (Biblioteca Presidencial Harry S. Truman, NARA)

O cartão de racionamento abaixo foi emitido pelo Exército para Katherine Fite quando ela ainda trabalhava em Londres. Em uma de suas cartas aos pais, Katherine observa: “[o] Exército dirige uma vasta organização socialista. Você vai ao PX com um cartão de racionamento e compra o que eles têm, não o que você quer. Nunca é a mesma marca de pasta de dente, mas isso acaba nos impedindo de cair numa rotina. ”

Em setembro, Katherine contou aos pais os detalhes de uma visita a Munique e ao campo de concentração de Dachau. Ela escreve: “Um grupo de prédios baixos constituía a parte horrível do acampamento — as câmaras de tortura, os crematórios, a câmara de gás e um lugar onde empilharam os corpos não queimados. Os dois últimos lugares foram os piores…É realmente impossível acreditar que o bairro onde se localiza esse campo não soubesse de nada. A sala onde eles guardavam os cadáveres, assim como outras coisas que se amontoavam, ainda tinha sangue nas paredes e até no teto.”  

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Cartão de racionamento da advogada. NARA.

Em outra carta, Katherine explica aos pais algumas vantagens de ser uma das únicas mulheres da equipe da promotoria em Nuremberg. Ela diz, por exemplo, que foi a duas festas na residência do juiz Jackson em homenagem ao senador Claude Pepper, que estava visitando Nuremberg. “Como você pode perceber, a lista de mulheres que podem fazer parte dessas festas é muito curta. Então, eu sempre vou, e geralmente consigo um lugar de honra. É divertido, mas é um esforço se você estiver cansada — como estou hoje. ”  

Na véspera do início dos julgamentos, em novembro, Katherine escreveu novamente aos pais e mencionou que compareceria à entrevista final de Wilhelm Frick. Frick serviu como Ministro do Interior do Reich de 1933 a 1943 e foi Governador do Reich na Boêmia e Morávia de 1943 a 1945. Anteriormente, Katherine já tinha ajudado na produção do primeiro interrogatório de Frick, o qual, em uma carta aos pais, ela o chamou de “homem de aparência raquítica e astuta”. Desta vez, ela notou que ele deu a “impressão de estar paralisado de medo na tribuna”. E escreveu ainda: “quando sinto pena de Frick, penso nos bebês judeus que foram gaseados.” O tribunal acabou condenando e enforcando Frick.

Missão cumprida

Katherine cumpriu sua missão e voltou para casa no final de dezembro de 1945. Ela viajou de trem de Nuremberg para Paris e passou a véspera de Natal lá. No dia de Natal, ela visitou um amigo da faculdade. De Paris, ela viajou para Le Havre para embarcar no navio Vulcania. No final de uma carta escrita neste período, ela comenta: “A Europa é um continente triste e desgastado. Estou feliz em ir embora. Os EUA estão no topo do mundo. Estive lendo a Time — edição europeia — esta noite, e percebo o quão remotos, exuberantes e luxuosos os Estados Unidos vão parecer. Temos que governar o mundo   mas a grande maioria não tem ideia de como é o resto do mundo. E como pode o equilíbrio ser mantido entre riqueza e energia, de um lado, e pobreza e exaustão, do outro?”

Em dezembro de 1945, Katherine voltou ao cargo no Departamento de Estado. Em 1957 ela se casou com Francis Lincoln e, em 1962, aposentou-se do Departamento de Estado. Todas as cartas que escreveu aos pais, junto com as transcrições e outros itens, foram digitalizadas e estão disponíveis no Catálogo do Arquivo Nacional dos Estados Unidos.

Tammy Williams é arquivista e coordenador de mídias sociais do Harry S. Truman Presidential Library and Museum.  

Como citar este artigo

WILLIAMS, Tammy.Katherine Fite e o Tribunal de Nuremberg. Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/katherine-fite-e-o-tribunal-de-nuremberg/. Publicado em: 30 nov. 2020. ISSN: 2674-5917. Texto publicado originalmente em inglês no blog Pieces of History, do National Archives.Tradução: Bruno Leal.

Tammy Williams

Arquivista e coordenador de mídias sociais do Harry S. Truman Presidential Library and Museum.

4 Comments Deixe um comentário

  1. Vivo a norte de Munique a vinte km de Dachau.
    A norte do campo de concentraçao hä o local onde os soldados capturados eram fuzilados e transportados em carros de bois para o campo para serem cremados,Herbertshausen,
    Eles nao se escondiam era como se de um transporte normal se tratasse.
    Hoje em dia hä um enorme fluxo de pessoas de mundo inteiro que visitam o campo !

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