Em março de 1978, o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, que faleceu neste domingo, aos 100 anos, realizou uma visita oficial ao Brasil. Havia uma grande expectativa para a visita do presidente americano. Esperava-se que ele fosse taxativo ao denunciar as violações dos direitos humanos no país, que vivia uma ditadura militar. Segundo o Memorial da Democracia, o motivo de tamanha expectativa era a visita de sua esposa ao país:
“No ano anterior, a primeira-dama Rosalynn Carter havia estado no Brasil e se encontrou com defensores dos direitos humanos, como o cardeal dom Paulo Evaristo Arns. Ela também recebeu denúncias de torturas sofridas por dois missionários norte-americanos. Rosalynn Carter teve uma reunião com o presidente Ernesto Geisel, na qual mencionou as violações dos direitos civis no país. O general considerou impertinente a primeira-dama dos EUA.”
Jimmy Carter, contudo, frustrou quem depositava alguma esperança nele. Publicamente, ao menos, o presidente destacou apenas vagamente a importância da “liberdade humana”. A maioria das pessoas esperava uma posição mais firme. Sua visita, desta forma, parece não ter produzido qualquer mudança no país.
Visita ao Monumento Confederado em Americana
Uma das atividades mais controversas daquela visita de Carter ao Brasil foi sua ida à cidade de Americana, no interior de São Paulo, onde conheceu e tirou foto com um monumento confederado. Este monumento homenageia os imigrantes norte-americanos que, após a Guerra Civil Americana, migraram para o Brasil, estabelecendo-se principalmente no estado de São Paulo. A visita de Carter gerou polêmica porque os Confederados foram, na Guerra Civil Americana, o lado escravocrata.
Jimmy Carter, em visita ao Brasil em 1978, fica com crianças da quinta geração da Confederação na base do monumento Confederado em Americana.
“As referências constantes ao Brasil como “nova potência”, o reconhecimento de Carter quanto as intenções pacíficas do País de explorar a energia nuclear e os encontros como o presidente Ernesto Geisel e com o general João Baptista Figueiredo, soaram como a validação do governo americano ao regime de exceção no Brasil”, escreveu o jornal O Estado de S.Paulo por ocasião da visita de Carter ao país.
Em 2024, contudo, por ocasião da morte de Carter, seu biógrafo, Jonathan Alter afirmou que Carter pressionou Geisel contra a ditadura:
“No caso do Brasil, ele tinha claro interesse em impedir que, pelo acordo com a Alemanha, o Brasil pudesse enriquecer urânio e processar plutônio. Ele foi hábil com o general Ernesto Geisel [1974-1979], com quem tinha uma relação fria. Deixou a subsecretária de Estado Patricia Derian aplicar pressão sobre Geisel para libertar presos políticos. A prioridade de Carter era impedir a proliferação nuclear na América Latina. Ele exerceu forte pressão sobre Geisel, e os americanos não têm a menor ideia disso.”
Encontro com Leonel Brizola
Em 1984, Jimmy Carter, agora fora da presidência, fez uma nova visita ao país e encontrou-se com o ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, figura proeminente da política brasileira e na época líder do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Brizola, conhecido por sua postura crítica em relação à ditadura militar brasileira e defensor dos direitos humanos, discutiu com Carter questões políticas internas e a situação dos direitos civis no Brasil.
No Rio de Janeiro, Carter visitou a comunidade do Pavão-Pavãozinho, acompanhado de 30 agentes de segurança americanos e brasileiros. Apesar do calor, Carter estava de paletó e gravata e desceu as escadarias do morro, sempre acompanhado por Brizola.
Na ocasião, segundo o jornal O Globo, ele elogiou o plano de urbanização de favelas da cidade. Para conhecer obras na comunidade, o ex-jogador Pelé, sempre assediado por crianças, também percorreu vielas da favela, até a Rua Saint Roman. Já o senador Edward Kennedy subiu o morro para abrir um centro cultural.
Em 2009, durante o segundo governo Lula (2006-2010), o ex-presidente americano, já vencedor do Nobel da Paz em 2002, veio novamente ao Brasil. Ele encontrou-se com o então presidente do Senado, José Sarney, em jantar na embaixada dos EUA. Carter tinha vindo ao Brasil defendendo o direito ao acesso à informação pública, enquanto o governo brasileiro discutia um projeto de lei sobre o tema.