A invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, ocorrida no último dia 6 de janeiro, por apoiadores do agora ex-presidente Donald Trump, tem levado jornalistas e historiadores norte-americanos a discutirem a impunidade de lideranças confederadas logo após a Guerra Civil Americana. A punição dos insurgentes confederados poderia ter evitado o regime de segregação racial conhecido como “Jim Crow”? E hoje, medidas punitivas para Donald Trump e seus seguidores insurgentes poderia evitar outras tragédias no futuro?
Em entrevista ao site Slate, a historiadora Cynthia Nicoletti, professora da Universidade da Virgínia, sugere que o período da Reconstrução não oferece respostas fáceis para quem vive o presente. Nicoletti é autora do livro Secession on Trial: The Treason Prosecution of Jefferson Davis (ainda sem tradução para o português), no qual ela explica porque o Norte vitorioso não conseguiu levar Jefferson Davis, o Presidente dos Estados Confederados da América, durante a Guerra Civil Americana, a julgamento.
Nicoletti explica que assim que a guerra terminou, os nortistas estavam ávidos por punição. Não só o governo, mas também parte da sociedade. Algumas pessoas, diz ela, queriam que Davis fosse humilhado em praça pública, enquanto outros achavam que ele deveria ser enforcado. Acreditava-se que os antigos confederados eram traidores, que se punições exemplares não acontecessem, as perdas ocorridas durante o conflito ficaram impunes. Mas não foi o que aconteceu, explica a historiadora. Davis e muitas outras lideranças confederadas escaparam de punições severas no pós-guerra.
Segundo explica Nicoletti, há muitos motivos para isso não ter acontecido. O governo americano, ela sublinha, quis processar Davis pelo crime de traição, mas entendeu que o resultado dessa ação poderia ser danoso: se o principal objetivo de levar Davis ao tribunal era mostrar que a separação dos estados foi um ato ilegal, o que aconteceria se Davis acabasse absolvido pela Suprema Corte de Justiça?
No meio social, a ideia de punições severas aos ex-confederados também logo perdeu força. Segundo diz Nicoletti, a opinião pública acabou por se convencer de que misericórdia era melhor do que punição. “Lendo jornais e cartas de pessoas, você vê os nortistas muito entusiasmados com a ideia de punir os confederados até 1865, mas quando você chega a 1866, isso começa a se dissipar”, pontua a historiadora, que também chama a atenção para o esforço em reconstruir a sociedade – o que incluiria necessariamente os sulistas – e para um risco de recrudescimento da violência no país:
– O verdadeiro problema é que os nortistas precisavam reconstruir uma sociedade da qual os sulistas fazem parte. Até que ponto eles serão rejeitados, para sempre? Havia também o problema da violência emergindo novamente. Acho que hoje isso soa ridículo para nós, mas na época, falou-se muito sobre a perspectiva de outra guerra civil. Eles achavam que, assim que os sulistas juntarem as armas, podem se rebelar novamente. … A fundação da Ku Klux Klan no final de 1865 e a violência nas cidades do sul em 1866, parecia ser o sinal de algo ainda mais sério.
Outro fator importante para que o expediente de punições severas tenha sido evitado tem a ver com uma questão de classe, explica a historiadora. Tão logo a guerra terminara, a elite branca do Sul estava tentando reconstruir seus laços de amizade com a elite branca do Norte. “É incrível o grau em que alguns sulistas brancos da elite voltam às boas graças de seus amigos do Norte. E a elite sulista costumava dizer coisas [sobre a violência] como, bem, você sabe, não podemos manter as massas sob controle”.
Para ler a entrevista completa de Cynthia Nicoletti ao portal Slate, clique aqui.
Como citar esta notícia
CARVALHO, Bruno Leal Pastor de Invasão ao Capitólio reaviva debates sobre impunidade no período da Reconstrução (Notícia). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/impunidade-reconstrucao-estados-unidos/. Publicado em: 20 jan. 2021. ISSN: 2674-5917.