O que há de novo na historiografia sobre o nazismo?

Pesquisas recentes revelam um movimento e regime políticos mais complexos e nuançados, com influências até os dias de hoje na memória, história e política.
25 de novembro de 2024
O que há de novo na historiografia sobre o nazismo? 1
Manifestantes em passeata contra o nazismo. Foto: Mika Baumeister.

Escreve-se sobre a história do nazismo e dos nazistas desde a época em que ele era um pequeno e obscuro partido político de extrema-direita na cidade bávara de Munique, no sul da Alemanha. Em mais de 100 anos, ativistas, filósofos, politólogos e, especialmente, historiadores desenvolveram conceitos e teceram narrativas para compreender um movimento e regime políticos que se tornaram uma espécie de “meta-mal”, cuja associação se tornou uma forma comum de insulto entre pessoas e, principalmente, grupos políticos, conforme é possível constatar, por exemplo, em memes e demais publicações em redes sociais.

Nesta bibliografia comentada, selecionei seis trabalhos recentes sobre o Nazismo e o Terceiro Reich, nome com o qual o regime nazista ficou associado. Cabe aqui um breve esclarecimento: embora apareça em materiais de propaganda a alcunha Das Dritte Reich (Terceiro Reich), não existiu um nome oficial do regime, sendo a Alemanha denominada, oficialmente, entre 1871 e 1945, Deutsches Reich (Reich Alemão). Dos autores selecionados, há brasileiros, europeus e um japonês – todos reconhecidos entre seus pares como referências nos temas tratados em seus livros. Inspirado na bibliografia comentada sobre o Iluminismo, do colega Daniel Gomes de Carvalho, também indico um “bônus” na forma de um filme documentário para quem deseja conhecer mais sobre o assunto por meio do audiovisual.

Richard J. Evans. A chegada do Terceiro Reich / Terceiro Reich no poder / Terceiro Reich em guerra. São Paulo: Crítica, 2017.

Lançado no exterior em 2003, a primeira edição brasileira desta trilogia é de 2010, pela Editora Planeta, do Brasil. Seu autor, Richard Evans, é um historiador especializado em Alemanha e, ao longo de três volumes, produziu uma síntese cronológica do movimento e regime nazistas, das suas origens como partido político de extrema-direita fundado em Munique, no ano de 1919, ao amargo fim do Terceiro Reich, em 8 de maio de 1945, após seis anos de Segunda Guerra Mundial. Trata-se de uma obra de consulta que pode ser lida pontualmente, quando da necessidade de esclarecer um aspecto específico da trajetória do Nazismo, bem como um meio de obtenção de uma visão geral do assunto, nas suas dimensões econômicas, institucionais e sociais do Nazismo. [Livro aqui]

Bruno Leal Pastor de Carvalho e Taís Campelo Lucas (orgs.). Expressões do Nazismo no Brasil: partido, ideias, práticas e reflexos. Salvador: Saga, 2018.

Não é somente no estrangeiro que o Nazismo desperta interesse entre os pesquisadores. No Brasil, há bastante tempo, a experiência histórica nazista é objeto de estudos por meio dos mais variados recortes temáticos, geográficos e temporais. “Expressões do Nazismo no Brasil” é uma coletânea que atualiza o leitor na variedade de trabalhos acerca do nacional-socialismo em terras brasileiras, seja pela análise da organização e o funcionamento da Landesgruppen Brasilien do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, das relações entre nazistas e integralistas ou da influência das ideias nacional-socialistas no Luteranismo no Brasil. O livro não oferece somente uma visão geral sobre o tema, como também evidencia e examina as diversas expressões do Nazismo no Brasil, cujos reflexos estenderam-se para além do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, conforme é possível constatar nos capítulos finais do livro, respectivamente, sobre o problema dos criminosos de guerra no Brasil e dos ecos da Segunda Guerra Mundial nas comunidades teuto-brasileiras no Rio Grande do Sul. [Livro aqui]

Thomas Weber. Tornando-se Hitler. Rio de Janeiro: Record, 2019.

Este livro aborda o contexto político da Baviera na década de 1920, durante o surgimento do Nazismo. De acordo com seu autor, até a Primeira Guerra Mundial, o antigo Reino da Baviera estava bem direcionado “no rumo à democratização de seu sistema político […]”. A transformação desse lugar em um reduto da extrema-direita alemã ocorreu no pós-guerra, motivada pelos conflitos políticos decorrentes da derrota da Alemanha na Grande Guerra, em 1918, e da Revolução Alemã (1918/23), cuja repressão na Baviera foi brutal. Foram nessas circunstâncias que Adolf Hitler deixou de ser um sujeito com ideias políticas vagas para se tornar, ao longo dos anos de 1920, o demagogo profundamente antissemita que liderou a Alemanha de 1933 a 1945. [Livro aqui]

Richard J. Evans. Conspirações sobre Hitler. São Paulo: Crítica, 2022.

Quem incendiou o Reichstag, em 1933? Quais eram as reais intenções de Rudolf Hess quando voou para a Grã-Bretanha, em 1941? Afinal, Hitler morreu (ou não) em Berlim? Essas são algumas das perguntas que Richard Evans procurou responder em “Conspirações sobre Hitler”, um livro que trata das teorias da conspiração que envolvem o Terceiro Reich e Hitler e que, segundo o autor, desfrutam de muita popularidade no presente. Evans compreende as teorias da conspiração como narrativas pseudo-eruditas, pedantes e portadoras de um estilo paranoico, que entende que nada na história é o que parece à primeira vista, sendo resultado de maquinações obscuras de grupos malignos que agem na surdina, modificando a história conforme os seus interesses. “Conspirações sobre Hitler” lista, contextualiza e esclarece as mais conhecidas teorias da conspiração sobre o regime nazista e seu líder, com riqueza de fontes e análise rigorosa decorrente de anos de ensino e pesquisa sobre os assuntos tratados no livro. Segundo seu autor, é “um livro de história para a era da ‘pós-verdade’ e dos ‘fatos alternativos’, um livro para os nossos próprios e atribulados tempos”. [Livro aqui]

Johann Chapoutot. A revolução cultural nazista. Rio de Janeiro: Da Vinci, 2022.

Nesta obra, o autor parte do pressuposto de que o Nazismo foi apresentado aos alemães como uma revolução cultural, expressa por meio de uma narrativa histórica permeada pelo darwinismo social e por uma perspectiva negativa acerca do futuro. Para impedir a concretização desse futuro sombrio, seria necessário romper com os valores culturais e éticos decorrentes do Cristianismo e do Iluminismo, sendo o Nazismo um meio para isso. A partir de um conjunto variado de fontes históricas, Johann Chapoutot (2022) mostra com riqueza de detalhes os processos de nazificação da Filosofia, do Direito, das Relações Internacionais e mesmo dos costumes alemães em nome da revolução cultural nazista e do surgimento de novos sujeitos históricos capazes de garantir o futuro da própria Alemanha. Um futuro que, inevitavelmente, teria de passar por uma guerra, uma rassenkrieg que, na óptica nazista, era movia a própria história. [Livro aqui]

Shigeru Mizuki. Hitler. São Paulo: Devir, 2023.

Não é somente em prosa que a história chega ao público. Cada vez mais, novas linguagens tornam públicos os saberes históricos, sendo o mangá uma dessas formas. Grosso modo, trata-se de um gênero de histórias em quadrinhos originário do Japão e conta com grande popularidade no Brasil. Aliás, foi o meu filho mais velho, de treze anos e apaixonado por mangás, Heitor, que me indicou este livro. Seu autor foi um historiador e mangaká japonês, cuja obra abordou diversos aspectos da cultura e da história do Japão. Embora não possua novidade em termos de fontes e interpretações, “Hitler”é uma obra de entrada para a compreensão do Nazismo por meio da arte sequencial e da mistura entre a cultura visual do mangá e as imagens históricas acerca do movimento/regime nacional-socialista e do seu líder, Adolf Hitler, cuja história começa quando criança, na Áustria, seu país de origem, e termina no interior de um abrigo subterrâneo sufocante em Berlim, cercado pelo Exército Vermelho e entre as ruínas da capital de um Reich que deveria durar mil anos. [Livro aqui]

Um bônus

Peter Cohen. Arquitetura da destruição. Documentário (121 min.). Suécia, 1992.

Narrado pelo talentoso ator suíço Bruno Ganz (1941-2019), “Arquitetura da destruição” é um filme documentário sobre a visão estética que nutriu a doutrina nazista. Para o Nazismo, o mundo estava em um processo de decadência, motivado pelos judeus, que agiam por meio do comunismo e da democracia liberal. Era, portanto, necessário interromper esse processo e regenerar o mundo, tornando-se mais belo e saudável, mesmo que para isso fosse necessário destruir o que já existia através da guerra e do genocídio. A versão completa e com legendas em português do filme pode ser acessada na plataforma YouTube.

Como citar esta bibliografia comentada

NETO, Wilson de Oliveira. O que há de novo na historiografia sobre o nazismo? In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historiografia-do-nazismo-bibliografia-comentada/ Publicado em: 25 nov. 2024. ISSN: 2674-5917.

Wilson de Oliveira Neto

Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Possui Estágio Pós-Doutoral em História pelo PPGHS/UeL. Professor Adjunto da Univille Universidade, onde leciona, pesquisa e orienta estudos sobre fontes visuais, impressos e história militar com ênfases no fascismo histórico e na Segunda Guerra Mundial. Autor de artigos e livros, com destaque para o verbete “Segunda Guerra Mundial. Participação Brasileira (historiografia)” publicado no volume II do Dicionário de História Militar Brasileira.

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