Em seu trabalho final para o Mestrado Profissional em História, o ProfHistória, a professora Karla Vargas apresentou um conjunto de histórias de vida de pessoas negras moradoras das periferias de Florianópolis. Seu principal objetivo foi inspirar professores a construir aulas que rompam com os conteúdos etnocêntricos presentes em grande parte dos livros didáticos. “Vozes, corpos e saberes do Maciço: memórias e histórias de vida das populações de origem africana em teritórios do Maciço do Morro da Cruz/Florianópolis” foi defendido na Universidade do Estado de Santa Catarina, em 2016.
Material didático para os professores
Vargas faz um convite a seus colegas de profissão: elaborar aulas que possam ir além da crítica aos conteúdos dos livros didáticos, centradas na elaboração de propostas. A fim de se aproximar do cotidiano dos professores da Educação Básica, a autora produziu um trabalho com linguagem direta e objetiva, em formato de conversa e com ilustrações que dinamizam e tornam a leitura mais fluida.
As principais fundamentações teóricas da professora situam-se na área da Educação das relações étnico-raciais e da perspectiva decolonial. Ambas reafirmam a necessidade de levar para a sala de aula os saberes que são constituídos no cotidiano da vida dos estudantes. A proposta didática da professora está embasada na História Local que, segundo explica, pode contribuir para uma compreensão mais significativa de que todas as pessoas são sujeitos históricos, independente da classe social que ocupam ou de suas origens étnicas.
Dentre as atividades sugeridas por Vargas está a escuta das narrativas de moradores próximos à escola, dos responsáveis e vizinhos dos estudantes. A escuta sensível dessas narrativas, de acordo com a professora, colabora para a aproximação dos estudantes com o trabalho do historiador. A autora destaca que não basta ouvir as histórias de vida, é também necessário pesquisar por outras fontes, realizar perguntas de maneira crítica e se aprofundar na investigação a que se propõem.
Para contibruir com o trabalho docente, Vargas elencou um conjunto de textos e filmes que podem ser utilizados pelos professores. Além disso, sugere que sejam feitas visits a arquivos e museus a fim de que os estudantes tenham contato com demais fontes e narrativas sobre a História Local e possam se perguntar: onde estão as histórias de meus familiares, colegas e vizinhos? Elas cabem ou não na sala de aula ou na própria História de minha cidade?
Um aspecto ressaltado por Vargas em sua pesquisa é a importância de buscar não essencializar a história das populações afro-brasileiras tratando apenas do carnaval, da capoeira, da feijoada, como se esses fossem elementos naturais. Por isso, sugere que sejam ouvidas histórias de vida, a fim de se perceber como esses elementos aparecem, ou não, nos cotidianos de comunidades afro-brasileiras. Tal atitude contribui para melhor compreender os sentidos e valores atribuídos por essas populações aos seus costumes e conhecimentos.
Histórias de vida do Maciço
No contexto de sua pesquisa, Vargas conversou com moradores das periferias do Morro da Cruz, em Florianópolis. A professoras colheu narrativas de jovens, adultos e idosos, homens e mulheres, que constroem a História da cidade e são constatemente esquecidos pela historiografia tradicional.
Os registros são curtos, mas bastante significativos, pois abordam diferentes elementos da vida cotidiana e da formação das periferias do território pesquisado. No trabalho, é possível encontrar histórias como a de seu Silvio, um senhor de 84 anos que presidia um clube da dança no Morro do 25. Também nos deparamos com a história do “Cabelo de Luciana”, sobre uma jovem adulta que alisava seus cabelos por conta do racismo que sofria, mas ressignificou sua trajetória, assumiu seu black power e hoje inspira demais pessoas negras a fazerem o mesmo, por meio de sua profissão de cabelereira.
Em sua pesquisa, realizada com a colaboração de diversos moradores do Maciço de Florianópolis, Vargas não apenas convida os professores de História a produzirem algo novo, mas demonstra as possibilidades de produção de conhecimento no espaço escolar, junto dos estudantes. Assim, a pesquisadora colabora com a produção de um currículo não prescritivo, mas vivo e em contante processo de transformação.