Uma notícia que precisa ser muito comemorada por historiadores e por todos os que se interessam por História: a FGV Editora, da Fundação Getúlio Vargas, acaba de publicar em versão e-book a obra “Lucie Varga: entre as mentalidades e o tempo presente”, organizada por Celso Castro e Dirceu Marroquim. E o melhor: o livro tem download gratuito no site da editora. Baixe aqui.
Além de uma apresentação dos organizadores, o livro traz quatro textos escritos por Varga: “No vale de Vorarlberg: de anteontem até hoje” (1936); “A gênese do nacional-socialismo: notas de análise social” (1937); “Um problema de método em história religiosa: o catarismo” (1936); e “Peire Cardinal era herege? (1938).
Quem foi Lucie Varga?
Lucie Varga nasceu no antigo Império Austro-Húngaro, em 1904, e morreu em 1941, na França ocupada pelos nazistas. Ela tinha apenas 36 anos, era judia, imigrante, antifascista e diabética. Em 1935, em Paris, Varga foi contratada como editora da mais conhecida e importante revista acadêmica de história do século passado, a Revista dos Annales, criada por Marc Bloch e Lucien Febvre. Ela se tornaria a primeira mulher a publicar, regularmente, na revista. No total foram três artigos e seis resenhas. Varga foi também colaboradora de Febvre e com ele se envolveu amorosamente. Quando rompeu o relacionamento com o fundador dos Annales, Lucie não só sofreu como também passou por vários problemas financeiros, pois perdeu o emprego em uma época de rave crise econômica.
O livro do historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília, é destaque na categoria “historiografia” e “ensino e estudo”da Amazon Brasil. Livro disponível para leitura no computador, no celular, no tablet ou Kindle. Mais de 60 avaliações positivas de leitores.
Em 1938, após a anexação da Áustria pela Alemanha nazista, tudo piorou. Sem recursos, sem aparo e sem acesso à insulina, Varga morreu em um Hospital de Toulouse, em 26 de abril de 1941, ainda muito jovem, aos 36 anos. Seus textos possuem um olhar apurado, preciso de seu tempo. Porém, apesar de sua qualidade, eles e a sua autora permaneceram durante décadas esquecidos, inclusive dentro do meio historiográfico. Mesmo quando as mulheres tiveram mais protagonismo no movimento dos Annales, a partir do final dos anos 1960, a historiadora continuou desconhecida da maior parte das pessoas, dentro e fora da França.
“Ela foi praticamente esquecida desde então, até ser “descoberta”, em 1991, pelo historiador alemão Peter Schöttler, que publicou o livro Les Autorités invisibles: une historienne autrichienne aux “Annales”, dizem os organizadores do livro da Editora FGV.
No Brasil, até então, o único texto de Varga traduzido e publicado em português havia sido “Além do cânone”, e somente em 2022, também pela FGV. Em 2017, o Café História publicou um artigo sobre ela, bastante acessado, intitulado Lucie Varga: a “desconhecida” historiadora dos Annales, do historiador Jougi Guimarães Yamashita, doutor em História pela UFF, onde defendeu uma tese sobre Marc Bloch. Durante anos, foi o texto mais acessível sobre Varga no país.
“Lucie foi uma pesquisadora difícil de se classificar em termos de fronteiras disciplinares. Sem dúvida era uma historiadora, disciplina na qual se formou. Seus textos, contudo, especialmente os dois primeiros aqui reunidos, podem, também, ser lidos como escritos de uma etnógrafa. O mais importante, porém, é perceber como eles podem ser alinhavados pelo olhar analítico e rigoroso de Lucie. É possível observar o esmaecer das fronteiras disciplinares, com uma atenção precisa às fontes utilizadas e aos métodos a que recorreu. Trata-se de uma consciência radical de que o passado está prenhe do presente e vice-versa; e de que o amanhã e o depois de amanhã estão, em alguma medida, ligados ao anteontem”, sublinham, na apresentação do livro, Castro e Marroquim.