Maçonaria. O assunto foi um dos destaques nos trending topics do Twitter nesta terça-feira, 4 de outubro, graças a um video de 2017 em que o presidente brasileiro, então deputado federal, Jair Bolsonaro, discursa em uma loja maçônica. A oposição viu no antigo registro do agora candidato à reeleição uma oportunidade de minar sua a popularidade entre católicos e evangélicos, e o compartilhou nas redes sociais.
Mas o que é a maçonaria, e qual a sua relação com o catolicismo, religião de Bolsonaro? Para falar sobre o assunto, conversamos com o historiador Sérgio Coutinho, docente do Curso de História na UPIS, em Brasília, e diretor da empresa Kairós, especializada em serviços de História Pública.
“A Maçonaria é, hoje, uma sociedade discreta, presente em diversos países, com rituais fechados, que reúne pessoas que compartilham uma série de valores e laços de solidariedade. A maçonaria tem origem no mundo medieval. Durante as efervescências comerciais e urbanas dos séculos XII e XIII, os mestres das Corporações de Ofícios de Pedreiros ingleses e de outras regiões europeias foram se organizando, construindo vínculos especiais, por meio de juramentos, com compromissos de defender o grupo e tinham um vivo e difuso espírito religioso. Seus membros se sentiam autênticos especialistas, donos de um conhecimento que só eles dominavam, daí tinham o vínculo por meio de um segredo especial, de uma obediência especial. Com a crise da arquitetura religiosa na Inglaterra e as dissensões internas provocaram uma guinada dessas associações. Começou-se então, isso por volta do séc. XVIII, a aceitar em seus quadros, para salvar suas organizações, profissionais de outras categorias como advogados, médicos, comerciantes e até mesmo padres católicos e pastores protestantes. No séc. XIX, a Maçonaria se tornou um conjunto de grupos bem organizados, mas caracterizados por diferentes espíritos, às vezes hostil à Igreja Católica, às vezes não. No mundo anglo-saxão prevaleceu em geral a segunda tendência; no mundo latino, quase sempre a primeira”, explica Coutinho.
E qual a relação de tensão com a Igreja Católica? Coutinho explica:
“Como historiador, não posso aceitar sem críticas a constituição de uma narrativa de cunho maniqueísta e conspiratório que dominou a historiografia eclesiástica por anos, típica de movimentos de “intransigência católica”. Por este olhar, a Maçonaria se constituiria essencialmente em um dos inimigos mais graves da Igreja Católica, seria a culpada por inumeráveis sacrilégios, delitos, violências e faria parte substancialmente de uma conjuração mundial, bem organizada, unitária, dirigida por um ou dois chefes que teriam em suas mãos partidários em todo o mundo, decididos a tudo, contanto que destruíssem o poder da Igreja (pensamento muito semelhante ao aplicado, posteriormente, ao Comunismo). Os pretensos conluios internacionais unitários são um dos tantos mitos em que caiu, por várias vezes, a apologética católica.”
De acordo com o historiador, a realidade é mais complexa:
“A Santa Sé condenou a Maçonaria, lançando sobre seus membros e seguidores a excomunhão latae sententiae(eficaz por si mesma) desde o início do séc. XVIII até o Código de Direito Canônico de 1917, e, com o Código de 1983, foram excluídos dos sacramentos. Há, de fato, um aumento das intervenções católicas sobre a Maçonaria, especialmente a partir do séc. XIX (não podemos esquecer da famosa Questão Religiosa aqui no Brasil que colocou em conflito Bispos católicos e membros da Maçonaria, entre eles o próprio Dom Pedro II) paralelo ao seu desenvolvimento interno e à sua crescente influência sobre a vida social. Os papas acusavam a Maçonaria de rejeitar toda a Revelação contida na Bíblia, além do que pretendia destruir a ordem social cristã e o próprio Cristianismo, que lutava pela separação entre Igreja e Estado e , por causa disso, defendia a escola laica em oposição às escolas católicas, à favor do casamento civil e também ao divórcio (destruição da família cristã). Mas, como dissemos antes, é fundamental levar em conta toda a distinção entre a Maçonaria anglo-saxônica e a Maçonaria latina, pois os dois grupos não podem ser postos no mesmo plano.”
Se você quiser saber mais sobre a história e a historiografia da maçonaria, recomendamos o artigo “Maçonaria: história e historiografia” , de Célia Marinho de Azevedo, publicado em 1996 no periódico científico “Revista USP”.