Ícone do site Café História

A História Pública e os seus múltiplos encontros: entrevista com Tanya Evans

De acordo com historiadora, professora na Universidade de Macquarie (Sidney, AU), “precisamos explicar de forma clara e concisa às pessoas sem formação acadêmica como o nosso conhecimento é produzido e os métodos que nós utilizamos em nossas atividades acadêmicas”.

André de Lemos Freixo entrevista Tanya Evans

Você já deve ter visto aqui no Café História algum texto falando sobre História Pública, como essa bibliografia comentada. Em resumo, História Pública é um movimento internacional que engloba historiadores que, atuando em diversos espaços e a partir de diferentes parcerias, preocupam-se em fazer uma história para diferentes audiências e com diferentes audiências, o que é fundamental para combater negacionismos históricos, aproximar a sociedade da universidade e popularizar as mais recentes pesquisas desenvolvidas no âmbito acadêmico e de instituições de pesquisa.

Tanya Evans, professora na Universidade Macquarie. Foto: Macquarie University.

Para avançarmos ainda mais neste campo, no qual o Café História se inscreve, conversamos com a historiadora Tanya Evans, que tem discutido a História Pública a partir de outros lugares, como a chamada “história aplicada” e, principalmente, “a história da família”. Evans é Professora Associada de História Moderna, Políticas Públicas e Relações Internacionais na Universidade de Macquarie (Sidney, AU) e historiadora pública especializada em história da família, maternidade, pobreza e sexualidade.

Quem produz a entrevista é o nosso colaborador André de Lemos Freixo, Professor Adjunto no Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto (DEHIS/UFOP) e do Programa de Pós-Graduação em História da mesma instituição, vinculado à Linha de Pesquisa “Ideias, Linguagens e Historiografia”. Atualmente, Freixo vive em Manchester, onde é professor visitante na Universidade de Manchester (UK), onde desenvolve pesquisa sobre ética e história pública.

Você também pode ler esta entrevista no seu idioma original, o inglês, aqui.

Por que você escolheu trabalhar com História Pública? Como você define História Pública?

Eu me formei no Reino Unido das décadas de 1990 e 2000 em História Social e Cultural, inicialmente com graduação em História e Política na Universidade de Edimburgo.[1] Meu mestrado e doutorado foram realizados na Universidade de Londres sob a orientação, respectivamente, de Anna Davin e Sally Alexander, que foram pessoas muito importantes no movimento Oficina Histórica Britânica (British History Workshop).

Desde então, as minhas pesquisas têm focado em história da família, maternidade, gênero, pobreza e sexualidade. Sempre fui apaixonada por pesquisas sobre “pessoas comuns” e por lugares do passado, de forma que me interessa incorporar essas pessoas e lugares a minhas pesquisas e ao processo de produção de conhecimento histórico.

Comecei a pensar sobre mim como historiadora pública quando me mudei para a Austrália, há dez anos, mas quando vivia em Londres minha identidade como historiadora pública já estava sendo moldada, mesmo que eu ainda não tivesse consciência disso.

O grupo História e Política (History and Policy)[2] foi construído no Reino Unido em 2002 com base no Centro de História Britânica Contemporânea (Centre for Contemporary British History) do Instituto de Pesquisas Históricas (Institute of Historical Research) de Londres, no qual eu trabalhava como Assistente de Pesquisa (Research Fellow) para o professor Pat Thane. Agora entendo o quanto aprendi [naquele projeto] sobre os benefícios de me envolver com diferentes públicos e de procurar causar impacto tanto naqueles que formulam políticas públicas como nas pessoas “comuns” (ou público em geral) com nossa pesquisa histórica sobre “mães solos” na Inglaterra do século XX.

Essa guinada aconteceu quando eu comecei a fazer história pública (embora eu não a chamasse disso na época) e a trabalhar com equipes interdisciplinares, como na exposição “A Biblioteca das Mulheres” (The Women’s Library) e no caso de um documentário para a BBC intitulado “Vergonha sobre mães solo” (Shame about Single Mums).

Eu me mudei para a Austrália em 2008 para trabalhar como Assistente de Pesquisa na Universidade de Macquarie, em Sydney e nesse país eu me envolvi com o Conselho Histórico de Nova Gales do Sul (History Council of NSW) – instituição histórica bastante relevante, sobretudo para aqueles que se interessam pela história de Nova Gales do Sul (NGS). Isso levou ao meu envolvimento com a Rede de História e Política Australiana (Australian Policy and History), montada em 2010 e modelada a partir da sua versão britânica. Essa rede hoje se beneficia de renovadas fontes de financiamento, energia e do comprometimento de entusiasmados advogados da cidade de Victoria.

Os primeiros três livros que publiquei tratavam de histórias de “ilegitimidade”, pobreza e filantropia. Um deles, “Famílias Fraturadas” (Fractured Families, 2015), que trata da mais antiga instituição caritativa da Austrália ainda em atividade, a Sociedade Beneficente (Benevolent Society), criada em 1813, escrevi em colaboração com historiadoras(es) familiares enquanto trabalhava como Consultora para a Sociedade.

Isso [o maior interesse pela história familiar] ocorreu quando eu comecei a me identificar como historiadora pública – que eu defino como um trabalhar com e para diversas comunidades na produção e consumo de história. Eu tento escrever tanto para o público geral quanto os leitores acadêmicos, para políticos e representantes no Poder Legislativo, e também participo de programas de rádio e televisão graças à minha formação acadêmica. Em todos os meus projetos eu penso em como posso ampliar minhas contribuições e alcançar diferentes públicos. Estar atenta às necessidades de diferentes audiências é fundamental para o trabalho de historiadoras(es) públicas(os).

Afino meu trabalho a públicos variados porque minhas pesquisas miram nos perturbadores preconceitos cotidianos das pessoas sobre a história da família. Problematizo o conhecimento supostamente “legitimador” ou do “senso comum” sobre a vida em família no passado. Estou comprometida com a democratização do conhecimento histórico e acho que historiadoras(es) públicas(os) precisam melhorar suas explicações sobre o que isso significa para nós. Precisamos nos esforçar mais para melhor explicar como a internet e os meios digitais foram capazes de provocar um crescente acesso às fontes e ao conhecimento histórico, e como nós, enquanto historiadores públicos, podemos ter um papel proativo nesse processo. Precisamos melhorar nossa participação em nome do poder e benefício do conhecimento sobre as artes e humanidades em nossa era neoliberal.

Tanya, seu trabalho na Universidade Macquarie acontece no interior do Centro de História Aplicada. Você poderia nos falar um pouco mais sobre a proposta do Centro, suas atividades e os resultados de uma iniciativa multidisciplinar como essa?

Em fins de 2016, na Faculdade de Artes da Universidade, nós criamos, ao lado de colegas de muitas disciplinas, o Centro de História Aplicada (Centre for Applied History). Nossos colegas vêm dos Departamentos de Mídia, de Música, de Comunicação e Estudos Culturais, Geografia, História Antiga e do Museu de História Australiano, bem como alguns colegas da Faculdade de Negócios, Economia e Ciências Humanas. Todos estamos interessados em como a história funciona na vida cotidiana.

O Centro funciona a partir de redes nacionais como Biblioteca Estadual de Nova Gales do Sul (State Library of NSW), o Conselho Histórico de NGS (History Council of NSW), a Associação de Historiadores Profissionais de NGS e Distrito Federal (Professional Historians Association NSW & ACT), o Comitê do Memorial da Fome Irlandesa (Irish Famine Memorial Committee), a Sociedade de Genealogistas Australianos (Society of Australian Genealogists), o Dicionário Australiano de Biografia (Australian Dictionary of Biography), Rede Australiana de Políticas e História (Australian Policy and History Network) e o Dicionário de Sydney (Dictionary of Sydney).

Também possuímos fortes redes internacionais, incluindo os Centros de História Pública da universidade de Hamburgo (University of Hamburg), da Universidade de Carleton (Carleton University), no Canadá, com a Federação Internacional de História Pública (The International Federation for Public History) e com a Rede de História e Políticas (History and Policy Network) do Reino Unido. Nós nos concentramos em história familiar, história digital e pesquisas eletrônicas/online (e-research), patrimônio cultural, museus, história oral, trabalhos de consultoria para casas beneficentes e organizações não-governamentais, políticas públicas, televisão, rádio, comunidades locais, histórias locais e regionais.

No momento, nós temos quatro projetos envolvidos com história familiar. No primeiro, eu examino a prática, os significados e o impacto da história familiar, além de aspectos relacionas à imigração e ao multiculturalismo entre as comunidades de imigrantes que vieram para a Austrália e o Canadá da década, desde a década 1970 até o momento atual, usando para isso de história oral, evidências arquivísticas e dados de pesquisas tipo survey. O projeto revela como a história familiar empodera milhões de pesquisadores, ligando o passado ao presente de formas poderosas, transformando compreensões individuais de si mesmos e do mundo. Além disso, ele mostra também o modo como as histórias familiares impactam na compreensão da identidade e cidadania.

O segundo projeto é programa de Envolvimento da Arte e Objeto (Art and Object Engagement) conduzido por Jane Thogerson no Museu Australiano de História, sediado na nossa Universidade. Esse programa é terapêutico e voltado às pessoas com demência. Ele busca facilitar pesquisas sobre como as pessoas convivendo com essa doença se envolvem com a arte e objetos da história social.

O terceiro projeto é conduzido por um enorme time interdisciplinar de acadêmicos, incluindo arqueólogos, historiadoras(es) e Consultoras(es) sobre Patrimônio e envolve parcerias com o Serviço de Parques e Vida Selvagem de NGS e o Instituto Montanhas Azuis de Patrimônio Mundial. Ele se chama “Recuperando o passado para o futuro: Expondo a história e o patrimônio da comunidade mineradora do Vale de Jamison, 1889-1914”. Seu objetivo é investigar as evidências arqueológicas, arquivísticas e testemunhais referentes à mineração de xisto (shale) no Vale de Jamison e arredores, próximo a Katoomba, NGS. E faz isso através de pesquisas colaborativas e baseadas na comunidade. Nós propomos utilizar estas evidências para reconstruir, analisar e interpretar a vida cotidiana – especialmente trabalho, família e cultura material – nas comunidades mineradoras pré-Primeira Guerra Mundial (aprox. 1880-1914).

O quarto projeto é uma história “popular” sobre maternidade na Austrália. Esse projeto envolve um trabalho colaborativo com historiadoras(es) da família, que em suas publicações trabalham com fotografias, objetos (incluindo, livros publicados por eles mesmos, guardados em coleções particulares bem como Bibliotecas estaduais e nacionais), memórias, surveys, coleções pessoais de arquivos familiares, grupos-alvo e entrevistas.

Desde 2016, como parte dos meus trabalhos para o Centro de História Aplicada, eu organizei muitas masterclasses e oficinas (uma delas com o Jerome de Groot, em Sydney, em Julho de 2018) com e para historiadoras(es) da família, alguns com a colaboração da Seção de Educação e Erudição da Biblioteca Estadual de NGS, a Real Sociedade Histórica Australiana e a Sociedade Histórica Australiano Libanesa. Todos esses eventos ilustram os benefícios de se trabalhar em colaboração não apenas com historiadoras(es) da família[3], mas também com organizações e instituições culturais que possuem grandes números de historiadoras(es) de família como clientes.

Tanya, a história de família é uma parte significativa dos trabalhos no Centro no qual você atua. Seus livros mais recentes tratam deste tipo de história. Como você define a História de Família? Existem muitos obstáculos para projetos nessa temática?

História da família envolve o estudo de vidas de famílias no passado através de pesquisas genealógicas e sócio-históricas. Essa atividade está crescendo enormemente ao redor do mundo. Alguns podem ser muito arrogantes sobre a história de família e minhas pesquisas tentam desafiar as posturas desdenhosas de algumas pessoas para com historiadoras(es) de família e o conhecimento que estão produzindo.

Acho que historiadoras(es) acadêmicos deveriam se envolver com historiadoras(es) da família porque eles são nossos estudantes de história para além das salas de aula, eles desenvolveram habilidades historiográficas significativas e estão produzindo conhecimento empírico que transforma seu próprio conhecimento do passado, e de outros, bem como do presente. Argumento que é por esta razão que historiadoras(es) públicas(os) contemporâneas(os), dentro e fora da academia, deveriam revisitar os esforços dos seus predecessores na história social da década de 1970, especialmente os trabalhos do movimento da Oficina de História (History Workshop movement), para “permitir a participação popular na pesquisa histórica” de novas maneiras, para que o século XXI possa colher os benefícios da popularidade da pesquisa histórica entre historiadoras(es) da família ao redor do mundo.[4] Eu também desejo responder à outra pergunta, relacionada a essa: “como historiadoras(es) de família podem trabalhar com historiadoras(es) acadêmicos no futuro de modo a cumprir com a tarefa educativa emancipatória com bons resultados políticos? Digo isso porque muitos de meus colegas pensam que história pública serve apenas para a divulgação das suas pesquisas acadêmicas – como ampliação das audiências para o seu trabalho e, mesmo que essa dimensão seja importante, nós sabemos que esta não é a única razão de ser da história pública. Desejo que meus/minhas colegas compreendam a história pública como uma subdisciplina por direito próprio e reconheçam seu potencial para remodelar a disciplina histórica como um todo.

Muitos acadêmicos estão preocupados porque acham que a democratização da história é uma ameaça à autoridade acadêmica ou poder levar as “pessoas comuns” a ignorar o extenso treinamento e expertise dos historiadores profissionais. Em vez de se preocupar com a ameaça a sua autoridade acadêmica, eu acho que historiadoras(es) precisam melhorar sua comunicação às pessoas não formadas em História quanto a forma como nosso o conhecimento e a expertise são produzidos. Precisamos explicar de forma clara e concisa às pessoas sem formação acadêmica como o nosso conhecimento é produzido e os métodos que nós utilizamos em nossas atividades acadêmicas. “Pessoas comuns” já estão profundamente convencidas do valor da história e é importante que desempenhemos um papel ativo na sua educação histórica, da nossa perspectiva, para essas audiências, de modo que possamos aprender uns com os outros mais efetivamente.

Eu certamente continuarei problematizando as hierarquias de conhecimento, a expertise e a autoridade acadêmica. Enquanto muitos historiadores acadêmicos ao redor do mundo se preocupam com o declínio do número de matriculados nos departamentos de história mundo à fora, eu tenho enorme prazer em ler, ouvir, assistir e mapear a paixão que “pessoas comuns” possuem pela história. Projetos de história pública podem prover indivíduos de capital social, emocional e cultural, usando a história para pensar sobre suas vidas e o mundo diferentemente, empoderando-os a viver suas vidas de modos alternativos, possibilitando que indivíduos se tornem cidadãos mais ativos e engajados ao redor do globo. Historiadoras(es) públicos precisam facilitar a participação popular em pesquisas históricas para trabalharem no sentido de uma tarefa educativa emancipatória com efeitos políticos efetivos.

Vocês estão habituados a falar para grandes audiências de não especialistas. Como se sentem ao falar diante destas audiências?

É um privilégio falar sobre história para todo tipo de audiências, pequenas e grandes. Quanto mais você colabora com diversas comunidades no processo de produção, apresentação e escrita da história, mais fácil se torna a comunicação com eles e compartilhar suas jornadas de pesquisa com outros. Desde que eu “inverti” (‘flipped’)[5]  as minhas salas de aula, em 2014, eu raramente leciono para estudantes de graduação, de modo que eu posso aproveitar a oportunidade para conversar sobre minha pesquisa com audiências interessadas em aprender mais sobre o passado. Se nos damos ao trabalho de escrever livros, devemos estar preparados para falar sobre eles com frequência e encorajar as pessoas a comprá-los e a lê-los. Isso nos deixará felizes (assim como aos nossos editores).

Que desafios éticos vocês diriam que os historiadores enfrentam quando passado e história vêm a público?

Trabalhar com História Pública leva a muitos envolvimentos com as comunidades e trabalhos colaborativos, o que é quase sempre apreciável e benéfico para todos os envolvidos. Contudo, a colaboração sempre traz riscos e muitos historiadoras(es) públicas(os) se beneficiam do nosso conhecimento sobre ética aprendido com historiadoras(es) orais nas últimas décadas. Já trabalhei com historiadoras(es) de família que discordam de outras(os) historiadoras(es) da mesma família – isso é realmente complicado! Dito isso, eu aprendi muito através dessas experiências e às vezes aprendo como fazer as coisas diferentemente para futuros projetos da maneira mais difícil (eu ainda escreverei sobre isso um dia!).

É importante sempre respeitar as contribuições dos outros, mesmo quando eles não concordam com você ou você com eles. Eu adoro explicar minha prática da história para pessoas sem a formação acadêmica que eu tive e que questionam minhas interpretações. Eu acho que uma parte realmente importante do papel das(os) historiadoras(es) públicas(os) é explicar porque história importa para as pessoas que não dedicaram suas vidas estudando essa matéria e/ou trabalhando nessa área de conhecimento.

Notas

[1] Nota do editor: trata-se de uma graduação em História com ênfase na atuação no desenvolvimento de “políticas públicas” (Policy/policies), algo muito comum no país. Fica claro, assim, como se verá ao longo da entrevista, que no Reino Unido, história não é atividade de acadêmico fechada. É algo que tem participação direta e efetiva na vida pública e política do Reino Unido. Inclusive, no desenvolvimento de políticas públicas.

[2] Nota do editor: O “História e Política” (H&P) é uma uma rede nacional com mais de 500 acadêmicos (em sua maioria historiadorxs). Majoritariamente formada por acadêmicos de universidades britânicas, é o que se chama de uma organização da Sociedade Civil (como a OAB ou a ABI, no Brasil, por exemplo). Seus participantes, através do grupo, promovem debates e participam ativamente da constituição de políticas públicas apoiadas sobre a promoção e a produção de conhecimento histórico. A H&P é uma parceria em contínua expansão baseada no King’s College London e na Universidade de Cambridge, além de ser apoiada pela Universidade de Bristol, Universidade de Edimburgo, Universidade de Leeds, Universidade de Leeds, Universidade Aberta e Universidade de Sheffield.

[3] Nota do tradutor: historiadores da família são, em geral, historiadores “amadores”, isto é, sem formação acadêmica. Esses historiadores, muito comuns em uma sociedade com rica cultura histórica, possuem acervos materiais muitas vezes impressionantes. Materiais que, em geral, historiadores profissionais não teriam acesso por serem particulares. Fazem muito o trabalho de genealogias familiares, usam muito esses testes de DNA e ancestralidade que estão na moda hoje em dia, etc. Não têm pretensões acadêmicas, mas escrevem e publicam livros, participam da vida publica das cidades onde residem etc. Durante muito tempo houve discriminação contra eles(as), especialmente por parte dos(as) historiadores(as) acadêmicos. Ainda existe. Mas na década de 1960 e 1970, isso começou a mudar, especialmente a partir pesquisas e debates da história oral, a história das pessoas comuns, as discussões sobre memória e história, e o crescimento da história pública como campo, aproximaram os excluídos da história acadêmica – não apenas os amadores, mas igualmente todo tipo de historiador ou historiadora que não fosse um acadêmico(a) – dos profissionais estabelecidos. Se havia enorme dificuldade para os historiadores críticos obterem acesso às fotografias, cartas, etc., e enorme desconfiança por parte dos(as) historiadores(as) de família contra os profissionais, isso hoje está mudando. Alguns amadores inclusive se profissionalizaram, mas isso não é a regra. Atualmente, há profissionais como a Tanya Evans (entre muitxs outrxs) que trabalham em conjunto com esses “amadores”, seja em função de seus projetos acadêmicos ou mesmo nas instituições e agremiações acadêmicas da sociedade civil. O que acontece, no caso da Tanya, é uma troca efetiva em que os(as) historiadores(as) amadores participam da produção de conhecimento histórico de modo colaborativo. Eles são parte efetiva da elaboração de conhecimento histórico, mas não exclusivamente responsáveis por todo ele. Ambas as parte parecem sair ganhando, pois os acervos particulares são verdadeiras minas de ouro são abertos aos historiadores(as) acadêmicos, que muitas vezes conseguem  angariar as doações destes acervos para arquivos e bibliotecas públicas.  Por outro lado, os “amadores” participam efetivamente da produção de conhecimento histórico, com a legitimação de sua contribuição por especialistas e profissionais.

[4] Ver: SCTOTT-BROWN, Sophie. The Histories of Raphael Samuel: A Portrait of a People’s Historian. ANU E Press, 2017.

[5] Nota do tradutor: “Flipping the class room”, ou “sala de aula invertida”, é uma abordagem pedagógica que busca preservar o valor do professor (com sua expertise e apresentação customizada) enquanto libera o tempo de sala de aula para relações interpessoais e estratégias de aprendizado ativo e colaborativo. Assim, diferentemente do modelo seminários (aulas expositivas presenciais e “dever de casa”), o objetivo da “inversão” é estimular experiências de aprendizados mais adequados às necessidades e tempos de cada estudante. Enquanto o conteúdo obrigatório foi estudado em casa (através de plataformas online), a sala de aula se torna o local a partir do qual alguns conjuntos de problemas e estudos de caso construídos pelos estudantes sob a supervisão do professor são utilizados para reforçar o processo de aprendizagem do conteúdo de forma colaborativa e supervisionada.

Tanya Evans é Professora Associada de História Moderna, Políticas Públicas e Relações Internacionais na Universidade de Macquarie (Sidney, AU) e historiadora pública especializada em história da família, maternidade, pobreza e sexualidade. Ela é autora dos seguintes livros (todos ainda sem tradução para o português): Fractured Families: life on the margins in colonial New South Wales (2015); Sinners? Scroungers? Saints? Unmarried Motherhood in Twentieth-Century England (2012); “Unfortunate objects”: lone mothers in eighteenth-century London (2005).

André de Lemos Freixo é doutor em História (PPGHIS/UFRJ, 2012). É Professor Adjunto no Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto (DEHIS/UFOP) e do Programa de Pós-Graduação em História da mesma instituição, vinculado à Linha de Pesquisa “Ideias, Linguagens e Historiografia”, no qual trabalha com as seguintes áreas de interesse: História da Historiografia Brasileira, História do Brasil Republicano, História Pública, Teoria e Filosofia da História. Nesta instituição também é pesquisador integrado ao Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM), no qual figurou como Coordenador no biênio 2014-2016. Coordena ao lado de Marcelo Rangel o Grupo de Estudos em História, Ética e Política (GHEP/NEHM). Atualmente, é Diretor de Publicações da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH) e Visitant Scholar na Universidade de Manchester (UK), onde desenvolve pesquisa sobre ética e história pública sob supervisão do Prof. Jerome de Groot.

Como citar esta entrevista

EVANS, Tanya. A História Pública e os seus múltiplos encontros: entrevista com Tanya Evans. Entrevista concedida a Adnré de Lemos Freixo. In: Café História – História feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-publica-e-historia-familiar/. Publicado em: 11 nov. 2019. Acesso:

Sair da versão mobile