História Oral: uma bibliografia introdutória

Nesta edição, dois historiadores apresentam sua bibliografia comentada sobre o campo da História Oral.

Por Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Fagno da Silva Soares

O que é história oral? Diversos pesquisadores apresentam concepções diferenciadas sobre a história oral, podendo ser considerada uma metodologia, uma técnica ou uma disciplina. Para os que a concebem como metodologia, ela implicaria numa série de procedimentos que vão desde a forma de elaboração das entrevistas, à condução e à transcrição delas, o que teria efeitos sobre a pesquisa historiográfica. Entendê-la como técnica acaba por restringi-la à preocupação com o aparato tecnológico na execução da entrevista e na criação de acervos de conservação, sem a preocupação mais profunda de seus efeitos sobre a pesquisa e o entendimento da própria relação entre história e memória. A ideia de disciplina parte do pressuposto de que a história oral não é apenas uma técnica, mas um conjunto de procedimentos ligados a uma teoria, que articularia conceitos, problemas e soluções bem singulares, que não estariam limitados ao campo da história somente, mas levaria em conta a interdisciplinaridade.Ela envolveria a construção de projetos de pesquisa cuja reflexão abarcaria os procedimentos e suas implicações nos estudos sobre a chamada história do tempo presente, a memória e a identidade. Nesse sentido, algumas questões seriam essenciais ao historiador ou também ao chamado oralista: onde, quando, o que, de que, para quem e para que desenvolver a história oral? Na definição do historiador José Carlos Sebe Bom Meihy (2006), trata-se de um conjunto de procedimentos de caráter interdisciplinar que se iniciaria com a elaboração de um projeto e que se concretizaria com o estabelecimento de um grupo de pessoas a serem entrevistadas por meio dos meios eletrônicos (gravadores, filmadoras e, cada vez mais, a internet) e do contato humano direto e dialógico. Um projeto de história oral, ainda, deve prever o planejamento da condução das gravações, o estabelecimento da passagem do oral para o escrito (códigos diferentes), a conferência e autorização pelo entrevistado, os cuidados éticos com a publicização das narrativas e a devolução, de uma forma negociada, do produto à comunidade. Você se interessa pelo tema? Confira, abaixo, a bibliografia comentada que preparamos para quem deseja conhecer mais o campo.

História-Oral
Se você trabalha com história oral ou pretende trabalhar com ela, bons livros de introdução não lhe faltarão.

1. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. [orgs.] Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

Este livro, organizado por Ferreira e Amado, traz textos de diferentes pesquisadores, que abordam temas e problemas – teóricos e metodológicos – importantes para a realização de trabalhos que envolvam a história oral. Conceitos como memória e tradição oral, biografia e tempo presente são desenvolvidos, entrelaçados à discussão sobre os usos de narrativas orais (sua contribuição e suas dificuldades). Para finalizar, a obra também trata de documentos e da criação de arquivos de história oral.

2. ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

A obra de Verena Alberti tem a preocupação em tratar dos procedimentos quanto à pesquisa e às entrevistas de história oral. O livro apresenta e discute as etapas de preparo, realização e tratamento das entrevistas. Além disso, a autora também discute a importância das novas tecnologias e as mudanças que elas trazem na concepção de documento, assim como no tratamento e na criação de acervos voltados à preservação e publicização das fontes de história oral.

3. MEIHY, José Carlos Sebe Bom; SALGADO RIBEIRO, Suzana L. Guia prático de história oral: para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo: Contexto, 2011.

A obra foi pensada no sentido de se expandir o trabalho com história oral para fora da Academia. É um guia que atualiza conceitos já discutidos em outros livros de Meihy, e apresenta procedimentos que possam ser usados na elaboração de projetos a serem desenvolvidos por empresas, entidades e comunidades. Para isso, indica caminhos operacionais e exemplos para os interessados em realizar esse tipo de trabalho. Acredita-se, nesse sentido, que a história oral não seja reduto dos acadêmicos. Isso não significa, no entanto, abandonar o rigor científico na condução das entrevistas, na análise e na fundamentação teórica.

4. MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.

A obra é uma introdução a todos aqueles que se interessam em enveredar pelos caminhos da historia oral. Na primeira parte, Meihy e Holanda apresentam os principais conceitos teóricos que a envolvem, como memória, identidade e comunidade; colaboração, documento, conferência e devolução; além dos diferentes gêneros de história oral: de vida, temática e tradição oral. Na segunda parte, discutem os procedimentos em um projeto de história oral: escolha da comunidade de destino, da colônia e das redes; usos dos meios eletrônicos; condução das entrevistas, transcrição, textualização e transcriação; análise das entrevistas.

5. FERREIRA, Marieta de Moraes; FERNANDES, Tania Mara; ALBERTI, Verena. História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: FioCruz; FGV, 2000.

A obra apresenta um panorama amplo e importante sobre a história oral em diferentes continentes. Vários pesquisadores tratam da história oral, não apenas como metodologia, mas como importante instrumento de organização, mobilização social, elaboração de memórias e identidades. Questões como a relevância da história oral no contexto da América Latina ou os silenciamentos e distorções de lembranças devido aos traumas do nazismo, na Alemanha, permitem que se pense o tratamento às fontes orais com especial atenção e cuidado, reconsiderando leituras mais restritas e positivistas sobre elas e levando em conta atributos próprios delas, como as subjetividades.

6. SANTHIAGO, Ricardo; Magalhães, Valéria B. Depois da Utopia: a história oral em seu tempo. São Paulo: Letra e Voz, 2014.

A obra é resultado do IX Encontro Regional Sudeste de História Oral: Diversidade e Diálogo, realizado em 2011, na Universidade de São Paulo. Escrito por diferentes pesquisadores, procura realizar uma reflexão sobre a história oral, a partir de sua consolidação na Academia e dos novos desafios que se apresentam no tempo presente. Nesse sentido, algumas questões fundamentais são abordadas ao longo do livro: velhos e novos usos da memória; novas discussão sobre a metodologia e sua utilização; a erudição; a relação com diferentes suportes teóricos e tecnológicos ; e, finalmente, seu diálogo com novos campos de conhecimento.


Marta Gouveia de Oliveira Rovai – Pós-doutoranda LABHOI/UFF. Doutora em História Social pela FFLCH/USP, mestre em História Social pela PUC-SP. É pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral NEHO/USP, do Núcleo de Pesquisa Cidade, Cultura e Identidade da UESPI. Líder do Grupo de Pesquisa História do Brasil: memória, cultura e patrimônio UNIFAL. É integrante da Rede Brasileira de História Pública. Faz parte da comissão editorial e da produção executiva das revistas Oralidades e História Agora e do Conselho Editorial da Revista Vox Musei. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL). E-mail: [email protected]. Fagno da Silva Soares – Doutorando em Geografia Humana pela FFLCH/USP e em Altos Estudos de História Contemporânea pela Universidade de Coimbra, mestre e especialista em História do Brasil pela UFPI, pesquisador do Núcleo de Estudos de História Oral NEHO/USP, Grupo Trabalho Escravo Contemporâneo GPTEC/UFRJ e Pesquisador do História do Tempo Presente na Amazônia CNPq/UFPA. Líder do CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesquisas em História Oral e Memória IFMA. Presidente da Academia Açailandense de Letras – AAL Biênio 2014-2016. Atualmente é professor de história do IFMA/Campus Açailândia. E-mail: [email protected]

Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Fagno da Silva Soares

Marta Gouveia de Oliveira Rovai é Pós-doutoranda LABHOI/UFF. Doutora em História Social pela FFLCH/USP, mestre em História Social pela PUC-SP. É pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral NEHO/USP, do Núcleo de Pesquisa Cidade, Cultura e Identidade da UESPI. Líder do Grupo de Pesquisa História do Brasil: memória, cultura e patrimônio UNIFAL. É integrante da Rede Brasileira de História Pública. Faz parte da comissão editorial e da produção executiva das revistas Oralidades e História Agora e do Conselho Editorial da Revista Vox Musei. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL). E-mail: [email protected].

Fagno da Silva Soares é doutorando em Geografia Humana pela FFLCH/USP e em Altos Estudos de História Contemporânea pela Universidade de Coimbra, mestre e especialista em História do Brasil pela UFPI, pesquisador do Núcleo de Estudos de História Oral NEHO/USP, Grupo Trabalho Escravo Contemporâneo GPTEC/UFRJ e Pesquisador do História do Tempo Presente na Amazônia CNPq/UFPA. Líder do CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesquisas em História Oral e Memória IFMA. Presidente da Academia Açailandense de Letras - AAL Biênio 2014-2016. Atualmente é professor de história do IFMA/Campus Açailândia. E-mail: [email protected]

4 Comments Deixe um comentário

  1. Muito importante em entender a História oral como produção dinâmica, pronta a enxergar o outro como senhor de sua história.Diferentemente da História tradicional que pôde ser contada através dos tempos por meio da escrita ou objetos tidos como “materiais”, a História oral veio a ter lugar no nosso cotidiano de forma realmente concreta a partir da presença da tecnologia e liberdade de expressão aliadas à função do historiador a incutir a existência do indivíduo na sociedade .O indivíduo como alguém capaz de contar a sua História,sem ser um mero expectador.

    • Muito bem pontuado, Andréa. Bom contar com o seu olhar aqui no Café História. A História Oral se debruça exatamente sobre isso: alteridade.

  2. Disponibilizar da História oral como fonte histórica é maravilhoso para o trabalho do historiador. Ter uma fonte que fala por si só e independe da análise do historiador que muitas vezes acaba sendo ineficiente é realmente fundamental para que a história seja justa na sua narrativa sobre os sujeitos históricos e suas ações no processo histórico.

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