Os indígenas foram os primeiros trabalhadores da história do país. Durante décadas, os povos originários foram os primeiros escravizados, depois substituídos na maioria por pessoas escravizadas oriundos da África. No final do século XIX, os imigrantes engrossaram o grupo dos trabalhadores explorados do país. Deixaram a Europa fugindo de guerras, crises e revoluções, mas, no Brasil, nem sempre encontraram as melhores condições de vida e trabalho que tanto procuravam.
Porém, ações de resistência, entre as quais podemos citar as fugas do cativeiro e a formação dos quilombos, mostram que essas pessoas, trabalhadoras, sempre lutaram por melhores condições de vida.
Todos esses grupos foram, em grande medida, desprezados, estigmatizados, enquanto proprietários de terras e fábricas ficavam, em grande parte, com as riquezas produzidas pelos trabalhadores. E quando resistiram, por meio de fugas de cativeiro, formação de quilombos, sindicatos ou movimentos sociais, eram caracterizados como ingratos, pagãos, comunistas ou simplesmente subversivos. Por que o trabalhador é tão explorado no Brasil e por que sua resistência contra a exploração é mal-vista?
A resposta é complexa. Mas é possível dizer que isso tem muito a ver com o regime de escravidão que vigorou durante tantos séculos no Brasil. Esse tipo de regime de trabalho criou uma cultura de desvalorização do trabalho manual. São os trabalhadores que mantêm o Brasil de pé, mas estamos longe de valorizar a sua importância na história.
O povo, suas conquistas e lutas
Embora falte ainda muito reconhecimento, principalmente social, os trabalhadores fizeram muito, e suas lutas produziram mudanças substantivas. Os anos 1920 podem ser vistos como um marco. Eles trouxeram algumas vitórias importantes das greves gerais, como a criação das chamadas caixas de aposentadorias e pensões. O governo, pressionado, se viu, então, obrigado a ceder e a conceder alguns benefícios ao trabalhador. Nessa época, não existia a lei das oito horas de trabalho diárias, por exemplo. O mais comum era a jornada de trabalho durar dez, doze horas, na prática até mais.
Em 1926, o presidente da então Organização Internacional do Trabalho (OIT), Albert Thomas, viajou a diversos países, entre eles o Brasil, a fim de conversar com os governos nacionais a fim de negociar condições de trabalho mais dignas para os trabalhadores. Thomas estava com medo de que revoltas sociais levassem a revoluções parecidas com a que ocorreu na Rússia em 1917. Nesse sentido, o governo de Getúlio Vargas, que tomou o poder em 1930, procurou não seguir os mesmos passos de seu antecessor, Washington Luís, que foi presidente do Brasil entre 1926 e 1930, e ficou famoso com a frase: “a questão social é caso de polícia”. Ou seja, ao invés da violência, Getúlio optou por um diálogo, criando o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Porém, quem não aceitou a interferência do Estado continuou sendo vítima da truculência policial. As pessoas que defendiam a independência dos sindicatos continuaram apanhando, sendo presas e, se fossem estrangeiros, eram deportados de volta para seus países de origem. Os líderes sindicais que apoiavam o governo e entregavam os colegas para a polícia receberam o apelido de “pelegos”, o que seria hoje em dia o “X9”.
Em 1932, foi criada a Carteira Profissional, que depois passou a se chamar Carteira de Trabalho. Na década seguinte, especificamente em 1943, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), resultado da pressão de décadas dos trabalhadores. Sem as greves, passeatas e toda a mobilização, o governo Vargas não teria se movimentado para concretizar essas medidas a fim de agradar ao trabalhador. Inclusive, durante a Segunda Guerra, o trabalhador nacional foi explorado incessantemente, como mostra o caso dos Soldados da Borracha.
As dificuldades mais recentes
A jornada semanal de 48 horas de trabalho será posteriormente reduzida para 44h, somente após intensa mobilização dos trabalhadores, que depois passam a defender a redução para 40 horas, conforme vemos no cartaz. Porém, a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, com o surgimento do neoliberalismo, medidas como a terceirização começam a precarizar as relações de trabalho, prejudicando as conquistas históricas do trabalhador brasileiro.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da tecnologia colocou a máquina no lugar das pessoas em diversas funções. A automação faz cada vez mais que o cliente possa pagar suas compras pela internet ou, presencialmente, em terminais de autoatendimento, o que dispensa a presença de um empregado para prestar serviços que agora podem ser executados pelo próprio cliente. Podemos ainda citar, como exemplo, canais de atendimento ao consumidor que passam a funcionar com a presença cada vez menor de humanos, afinal, quem nunca precisou telefonar para a assistência técnica de alguma empresa e foi atendido por um menu eletrônico com frases gravadas?

A chamada “flexibilização das leis trabalhistas” foi, por muito tempo, defendida pelo empresariado como a solução contra esse desemprego. A CLT, muito criticada pelos patrões, era vista como um entrave pelas barreiras que supostamente criava às contratações e demissões. Foi o que levou, inclusive, em 2017, o Governo Temer a realizar a reforma trabalhista, ampliando a precarização dos direitos do trabalhador. O governo havia prometido mais emprego, mais trabalho, com mais proteção, mas isso não aconteceu.
Melhores condições para trabalhar
Hoje é comum vermos algumas pessoas das novas gerações, principalmente nas redes sociais, fazendo piadas sobre a CLT, como algo ultrapassado, “coisa de perdedor” ou “coisa de otário”. Mas será mesmo? Essas críticas têm a ver com uma nova cultura do empreendedorismo, que defende a ideia meritocrática do sucesso proveniente do esforço individual, sem patrão ou vínculo trabalhista. Ela parte da ideia, ingênua, de que o sucesso está ao alcance de todos e que o governo deve deixar de se intrometer em assuntos que dizem respeito somente ao indivíduo. Se alguém empreender e não for bem-sucedido, isso significaria apenas que ele não se esforçou o suficiente ou que foi prejudicado pelo governo, pois, segundo essa lógica, qualquer sistema estatal de proteção do trabalhador é um atraso para o empreendedor. Direitos trabalhistas deveriam ser abolidos.

Porém, em um país tão diverso e com tantas desigualdades sociais como o Brasil, nem todos partem da mesma linha de largada nessa corrida até a vitória profissional. Como acreditar plenamente na meritocracia se um concorrente teve uma educação de alta qualidade e condições financeiras para se dedicar exclusivamente à sua capacitação enquanto outro passou anos na escola sem professores de determinadas disciplinas e teve que se dividir entre estudo e trabalho, enfrentando cansativas jornadas diárias?
Atualmente, a luta dos trabalhadores é pelo fim da jornada 6×1, que impõe apenas um dia de descanso semanal para milhões de brasileiros. Uma realidade que prejudica o trabalhador de descansar satisfatoriamente, restringe seu acesso ao lazer e o impede de dar atenção à sua família, religião e a outros aspectos da vida. Esta deveria ser uma pauta de todos: da esquerda progressista, que se diz defensora dos mais pobres, e da direita conservadora cristã, que defende o tempo para o culto e para dedicar-se aos familiares.

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Afinal, a escala 6×1 não é inimiga da direita ou da esquerda, mas da dignidade humana. O trabalho deve ser um direito e um dever, em prol do desenvolvimento pessoal de cada um e do crescimento da sociedade na totalidade. E não um meio de exploração de muitos e de privilégio de poucos.
Trabalho e trabalhadores nos documentos do Arquivo Nacional
A história do trabalho e dos trabalhadores está muito bem documentada, e esses documentos podem ser encontrados no Arquivo Nacional. As fotos que foram usadas nesse artigo, por exemplo, são todas do AN. Quer ver mais? É muito simples. Você pode pesquisar esse e outros temas no SIAN, que é o repositório online do Arquivo Nacional, totalmente gratuito, e no site Que República é essa?, que também pertence ao AN.
Este artigo é fruto da parceria entre o setor de pesquisa do Arquivo Nacional e o Café História. Para saber mais histórias como essas, conheça o projeto de divulgação histórica do Arquivo Nacional, Que República é Essa, coordenado por Viviane Gouvêa.
Como citar este artigo
MOURELLE, Thiago. Da escravidão à escala 6×1: a história do trabalhador no Brasil (artigo). In: Café História. Publicado em 28 de abril de 2025. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-do-trabalhador-no-brasil/. ISSN: 2674-5917.