Marco Antonio Villa tem história para contar. Em sua carreira, o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos já escreveu e publicou mais de 20 livros, que tratam de temas diversos, da Idade Média à Revolução Mexicana. Já tocou também em outros temas espinhosos da História brasileira, como João Goulart e Tiradentes. Recentemente, a editora Imprensa Oficial do Estado de São Paulo lançou o seu mais novo livro “1932: imagens de uma revolução”, no qual Villa desconstrói uma série de explicações clássicas a respeito de um dos acontecimentos históricos mais emblemáticos da História da República brasileira.
Marco Antonio Villa possui mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1989) e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1993). Atualmente é professor da Universidade Federal de São Carlos. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império e História do Brasil República.
Professor Marco Antônio Villa, antes de tudo, muito obrigado por conceder essa entrevista ao Café História. Em nossas edições anteriores, sempre começamos perguntando como o entrevistado tornou-se historiador. Portanto, como começou o seu envolvimento com a História? Para o senhor, que característica faz da História uma “ciência” diferente das demais ciências humanas?
Inicialmente cursei Economia. Atrasei muito o curso devido a minha participação no movimento estudantil. Em certo momento, resolvi abandonar Economia e prestar novo vestibular para História. Lia muito desde o Colegial, especialmente livros de História, tanto do Brasil, como das revoluções socialistas, além de muita teoria marxista, o que era frequente naquela época. História difere pela forma como trabalha com seu objeto, como recorta seus temas, etc.
Seu mais recente livro, “1932: imagens de uma revolução”, acaba de chegar às livrarias e já provoca grandes debates. Em grande parte dos livros didáticos, o episódio da “Revolução de 1932” sempre foi explicado como uma reação das velhas oligarquias. Na sua opinião, esta visão está errada? Por quê?
Está, ou melhor, é possível outras leituras. Em um país com a tradição autoritária como o nosso, a Revolução de 1932 é um marco na luta pela democracia. A relação entre ela e o PRP, os “carcomidos” de 1930, foi uma construção política de momento e que invadiu a historiografia sobre o tema (e que é muito restrita). Também não é possível transformá-la em movimento separatista ou anti-varguista. De um lado, porque o separatismo nunca esteve no centro do movimento (basta recordar que os dois principais comandantes militares – Klinger e Figueiredo – não eram paulistas), de outro, porque Vargas sempre teve (desde o célebre comício de janeiro de 1930, da Aliança Liberal), forte influência política em São Paulo (basta também recordar as votações consagradoras que teve em 1945 e 1950). 1932 é um tema espinhoso, mas temos (assim como outros) de enfrentá-lo e não ficar repetindo ladainhas, sem qualquer trabalho de pesquisa.
O senhor dedica parte significativa do seu novo livro às artes desenvolvidas em 1932, como a música e a literatura. Que peso pode ser atribuído aos intelectuais e artistas daquele tempo dentro do contexto que culminou naquela Revolução?
Faltam estudos sobre isso. Até hoje, por exemplo, Mário de Andrade não tem uma boa biografia (e não só ele, entre os intelectuais modernistas). Muitos deles tiveram participação política nos acontecimentos. Cassiano Ricardo, por exemplo, brilhante poeta, é ignorado como um participante e importante observador da cena política paulista e brasileira dos anos 20 até os anos 50. Mostro que alguns intelectuais mais anti-varguistas em 1932, o apoiaram de forma entusiástica no Estado Novo.
A Revolução de 1932 é apenas um dos seus temas de estudo. Sua dissertação de mestrado aborda Pancho Villa; sua tese de doutorado, Canudos. Em seus mais de vinte livros, o senhor aborda ainda outros temas, tais como a história da seca no Nordeste. Essa característica por parte de um historiador – falar sobre vários temas – parece ir contra a tendência cada vez mais forte de especialização em nossa área. Qual a sua opinião sobre a especialização vista hoje nos estudos históricos?
Evidentemente, não gosto desta História de “especialista”. Daquele pesquisador que desde a graduação, passando pelo mestrado, doutorado, pós-doutorado, livre docência, titulatura, só pesquisa e escreve sobre o mesmo tema. Que falta de interesse, de prazer pela pesquisa, pela novidade, pela ousadia de enfrentar novos temas. Estes não passam de burocratas da História, como aqueles velhos amanuenses das repartições públicas do passado.
Em alguns trabalhos, o senhor desconstrói mitos da História nacional, como Tiradentes e João Goulart. Em que medida esses e outros “mitos históricos” brasileiros influenciaram na condução política do país e nos rumos da própria historiografia? O senhor vê hoje a construção de algum novo mito?
O mito de hoje é o presidente Lula. Disse uma antiga filósofa (que teve, inclusive, em certa época, muita influência na pesquisa histórica, infelizmente) que quando ele fala o mundo se descortina, tudo fica claro, nada mais está oculto, tudo está revelado. Quer mito maior que esse? Será o maior mito da História do Brasil. Tem seus méritos, claro. Mas muitos intelectuais silenciaram nestes 7 anos. Alguns em troca de alguma “boquinha”. E somos o país da “boquinha”… O caso do Jango é de simples substituição do panfleto, da ideologia mais rasteira, pelo esforço do pesquisador. Quando você, como pesquisador, acaba conhecendo melhor seu objeto (Jango), percebe que sua presidência foi um desastre. Cabe como historiador apresentar este governo, deixar “as fontes falarem”. O problema é que, no Brasil, intelectual não gosta de biblioteca e historiador não tem simpatia pelo trabalho nos arquivos. Quando briguei, em 2004, pela Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, não recebi apoio de ninguém. Pelo contrário, fizeram um pequeno abaixo-assinado, publicado na seção dos leitores da “Folha de S. Paulo”, dizendo que a biblioteca não tinha nenhum problema. O mais triste é que os signatários não iam pesquisar na BMA há muito tempo. Um deles desde meados dos anos 50.
Professor, em entrevistas recentes o senhor criticou a diplomacia brasileira por sua suposta falta de combatividade em prol dos interesses nacionais. Porque o Itamaraty teria optado por esta política externa? Estamos sendo subservientes a países como Venezuela e Bolívia?
Sim, a política externa é nociva aos interesses nacionais. É panfletária e irresponsável. Basta um Evo Morales qualquer dar um grito, para que o nosso governo recue. É uma espécie de um passo à frente e dois passos atrás. É o anti-Lenin. Lula não conseguiu até hoje entender a importância da política externa. Para ele é uma fonte de caridade, de “ser bonzinho”. Distribui dinheiro para os ditadores da África Negra (certamente os recursos serão embolsados pelos ditadores e sua parentela). Aceitou renegociar o Tratado de Itaipu em bases absurdas. Critica a Colômbia, que é o único governo que tenta enfrentar o tráfico de drogas. A foto de Lula e Morales, ambos com colares com folhas de coca resume tudo.
Com bastante frequência, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, evoca Simón Bolívar em seus discursos. Qual a estratégia por trás desse “lugar de memória”?
Piada pura. É como o Fidel citando Marti como uma espécie de marxista. Chávez é a velha América Latina, é o caudilho bufão, mas perigoso. O Brasil não o leva a sério. E não podemos esquecer as enormes compras de armas realizadas pela Venezuela. Logo teremos problemas com ele.
O tipo de caudilhismo político encarnado por figuras como Hugo Chávez é útil para América Latina ou representa um retrocesso?
Retrocesso puro. Lembro dos velhos ditadores, bons personagens de literatura, porém verdadeiras tragédias para seus povos.
Professor, se existisse um Prêmio Nobel para a História, qual historiador o senhor acha que seria digno de recebê-lo? Por quê?
Dos vivos, nenhum. Claro que deve ter bons historiadores pelo mundo, porém escolher um melhor não dá. No Brasil temos alguns grandes historiadores. Um deles é Fernando Novais.
Chegamos ao fim de nossa entrevista. Gostaríamos de encerrá-la com uma questão ligada ao Café História. Um dos objetivos da rede é usar as novas mídias para fortalecer a divulgação da História no Brasil e favorecer a troca de ideias e experiências entre diversos profissionais. Para o senhor, o historiador brasileiro em geral ainda é muito resistente às novas tecnologias ou já está familiarizado com seus potenciais?
Acho que vai, pouco a pouco, habituando-se às novas tecnologias. Eu mesmo vou caminhando gradualmente. Mas a cada dia fico mais fascinado pelas facilidades no campo da pesquisa, pela possibilidade de trabalhar mais rápido, com mais qualidade. E poder escrever mais. Afinal, tem muito tema interessante para ser explorado e só vivemos uma vez.
Como citar este artigo
VILA, Marco Antônio. Repensando a História do Brasil Contemporâneo (Entrevista). Entrevista concedida a Bruno Leal Pastor de Carvalho. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-do-brasil-contemporaneo/. ISSN: 2674-5917. Publicado em: 13 out. 2009.