A História da Arte é um campo de trabalho e pesquisa complexo, com delimitações porosas nas suas fronteiras e no seu conteúdo. Seus autores não são somente historiadores, em seu sentido acadêmico, mas também pensadores provenientes de diversas áreas, como críticos, filósofos e os próprios artistas. Recentemente, inúmeras universidades pelo mundo têm criado cursos de graduação e pós-graduação que se enquadram em uma temática chamada “Estudos Visuais”, ainda sem uma delimitação clara.
Dito isto, ao historiador da arte, além dos debates disciplinares teóricos e metodológicos referentes ao seu espaço disciplinar de pesquisa, cabe-lhe sempre a perseguidora pergunta de caráter filosófico: que objeto é esse que pode ser nominado de arte? A junção das problemáticas entre “o que é história” e “o que é arte” é o principal norteador na formulação da Bibliografia Comentada que você vai ler a seguir. O recorte temporal é amplo, indo do século XVI até as décadas mais recentes. Ela tem como cerne obras que discutiram de forma direta ou indireta os desafios de uma escrita historiográfica da arte, incluindo intelectuais com formações diversas, mas que escreveram textos centrais para a discussão da História da Arte no Ocidente.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do tempo: História da arte e anacronismo do tempo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2015.
Georges Didi-Huberman é um intelectual francês contemporâneo ligado ao contexto acadêmico e de difícil enquadramento em um campo específico das humanidades. Sua extensa obra, publicada desde os anos 1980, versa sobre diversos aspectos, tendo a arte como seu objeto de estudo central em diversas perspectivas. O livro selecionado, apesar de publicado há anos no exterior, obteve a primeira tradução para o português somente em 2015. Seu conteúdo aborda um debate epistemológico importante para o campo da História da Arte e que serve também para toda a escrita da História em geral, pois, o anacronismo não seria mesmo um erro do historiador? Didi-Huberman diz que não. O autor argumenta de forma original como essa problemática referente às formas de uso do tempo afeta boa parte da produção historiográfica da arte atual criando limitações em diversas análises.
VASARI, Giorgio. Vidas dos artistas. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010.
Giorgio Vasari é umas das principais referências para compreendermos a produção artística e sociocultural do período do Renascimento. Contemporâneo a grandes artistas, seu livro é uma coletânea de biografias de artistas do período inicial da Era Moderna. Além disso, em seus primeiros capítulos, o autor apresenta uma concepção do que é arte em seu modo de produção (tanto material, quanto teórico), de forma a definir o que deveria ser digno de conteúdo da narrativa da História da Arte e de sua respectiva forma de escrita. Somente com os escritos produzidos no século XIX, em sua maioria influenciados pelo romantismo alemão, vamos encontrar narrativas capazes de formular outros modelos de escrita de História da Arte. Cabe mencionar o quanto essa obra influenciou gerações. Até os dias atuais ainda é comum encontrarmos algumas de suas proposições no que deveria ser o campo da História da Arte. É uma obra essencial e clássica para o debate dos impasses e desafios da disciplina.
WAZBORT, Leopold (org). Aby Warburg: História de Fantasmas para gente grande. São Paulo: Cia das Letras, 2015.
Aby Warburg foi um autor da virada do século XIX para o XX que deixou praticamente todos seus escritos em artigos, discursos ou mesmo esboços, postumamente publicados. O livro aqui escolhido foi organizado pelo professor da USP, Leopold Wazbort, que buscou publicar pela primeira vez em português textos essenciais do pensamento Warburguiano. Talvez bastasse dizer que Warburg realizou estudos sobre arte que influenciaram historiadores como Erwin Panofsky, E.H. Gombrich ou mesmo Didi-Hurberman, todos presentes nessa Bibliografia Comentada. A maior contribuição de Warburg nesta obra é a construção de um método original de pensar a arte tendo como princípio a aplicação de conceitos – o que deslocou a forma de escrita e reflexão da História da Arte.
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do renascimento na Itália: um ensaio. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
O século XIX forneceu diversas problematizações sobre o campo da Teoria da História. De forma superficial, podemos dizer que foi neste campo que surgiu o conceito moderno de crítica historiográfica baseada na formulação hipotética e na análise de documentos. No campo da arte, algumas das principais contribuições foram dadas por Jacob Burckhardt, que imbuído da influência do romantismo alemão e da importância atribuída à ideia de “kultor”, produziu um estudo sobre o renascimento que abordou aspectos até então pouco explorados pela historiografia da arte. A obra possui capítulos que abordam diversos tópicos do Renascimento, como a política e a formação do indivíduo, mas o eixo central na sua análise é a arte, evidenciado em dois capítulos dedicados exclusivamente ao tema que são o centro da construção argumentativa do historiador. A História da Arte ganha, com esse livro, um novo ângulo renascentista – a arte como produto de seu tempo e fruto direto da sua cultura.
MICHEL, W. J. T. What do Pictures Want? The Lives and Loves of Images. Chicago, IL: University of Chicago Press, 2005.
O livro What do Pictures Want? The Lives and Loves of Images, do historiador W.J.T. Mitchel, é uma importante contribuição para o debate que ficou marcado no movimento conhecido como “Virada Imagética”. Ao lado do que se convencionou chamar desde anos 1980 de “Virada Linguística”, a “Virada Imagética” questionou a capacidade de representação em um mundo contemporâneo cercado por imagens em variados suportes, amplificada pelos usos de novas tecnologias. Contudo, questionamentos sobre o papel das imagens na atualidade levaram o autor a pensar em seus usos em outras temporalidades, o que resultou na criação de um método para pensar a sua aplicação a outros momentos históricos. O livro é uma boa introdução aos debates da “Virada Imagética”, cujos textos ainda são raros em português.
BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
O papel da percepção sensorial e intelectual do sujeito frente ao objeto artístico representou um dos grandes debates da arte e da filosofia da arte no século XX. Em outras palavras, o problema seria estabelecer como se delimitam as experiências que surgem a partir da relação entre sujeito e objeto na arte. Imbuído dessa premissa e procurando desenvolvê-la nas chamadas artes visuais, John Berger, historiador da arte e crítico, propõe uma análise do objeto da arte incluindo um vasto debate sobre os modos de ver do sujeito/espectador. De acordo com o autor, há formas distintas de entrar em contato com uma obra artística. Para isto, Berger aborda como o enfoque no sentido da visão e a construção social do “ver” ocupam, na sociedade ocidental, um papel central no trabalho de artistas que buscam criar obras que dialogam com a percepção do espectador.
ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão: ensaio sobre o barroco. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
O historiador da arte Giulio Carlo Argan possui uma vasta obra sobre arte moderna. São livros que vão desde estudos sobre artistas ou temas específicos até grandes obras de referências que englobam longos períodos no campo das artes. O livro Imagem e persuasão: Ensaio sobre o barroco é uma coletânea de diversos artigos publicada somente em alguns países. Na tradição de grandes estudos sobre um período especifico, ou mesmo sobre a cultura que denominamos de barroca, o historiador analisa diversos aspectos: indo de grandes artistas aos mais variados suportes artísticos e suas peculiaridades dentro do barroco típico de algumas cidades italianas. Embora o livro contenha textos escritos sem a pretensão de se tornarem um livro, é possível observar que se trata de uma obra articulada, movida por uma ideia de cultura. Argan discute como foram criadas estratégias e técnicas específicas por parte daqueles artistas que se distanciavam da produção renascentista. A obra é essencial para a compreensão do barroco como um movimento artístico e histórico, podendo contribuir para um debate sobre o chamado neobarroco, que permeou o fim do século XX e início do XXI, além de servir para se pensar a cultura brasileira, que foi influenciada largamente pelo barroco europeu, mas que tingiu esse movimento com cores próprias.
GOMBRICH, Ernst Hans. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
O livro Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica foi escrito originalmente em 1956 e foi constantemente atualizado e revisado a cada nova edição. A obra buscou pensar questões metodológicas e epistemológicas sobre a arte e a escrita de sua história, tendo como ponto de análise a questão da representação e do sujeito. Examinando diversos componentes que envolvem a representação, algumas categorias que eram negligenciadas na História da Arte ganham novas dimensões e interpretações nos textos de Gombrich. Um exemplo é a investigação minuciosa das noções de estilo e de percepção do material simbólico, para a qual o autor utiliza elementos da psicologia e da filosofia estética. Gombrich propõe um arsenal teórico a quem deseja estudar a arte como um objeto na História.
MAMMI, Lorenzo (Org.). Mario Pedrosa, Arte, Ensaios. Volume I. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2015.
Organizado pelo professor Lorenzo Mammi e publicado no ano de 2015, não se trata de um livro de História de Arte strictu sensu, mas uma coletânea que reúne textos ensaísticos de Mario Pedrosa, que foi um dos maiores críticos de arte do Brasil. A obra pode ser utilizada como um importante instrumento de investigação e conhecimento da história da arte brasileira no século XX. Percorrendo um longo período que vai de 1933 a 1978 e tendo como enfoque as artes visuais, Mammi transita pelas nuances dos mais diversos movimentos artísticos da história brasileira. A estruturação diacrônica da obra permite a observação de como determinados pontos de vista do crítico foram se transformando com o passar dos anos. Um exemplo é como Pedrosa passou de um defensor de uma arte engajada ao realismo soviético para uma visão calcada em uma arte plural, múltipla e libertária. Por fim, o livro faz um debate fundamental para pensar como arte e realidade, dois conceitos de complexa definição, se cruzam em determinados momentos no Brasil do século XX.
PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.
O livro é um excelente estudo de História da Arte sobre o Renascimento e, sobretudo, revela de forma analítica o que vem a ser a metodologia de investigação a partir da iconologia. A proposta de Panofsky é pensar o conteúdo temático das obras de arte como eixo central de análise em contraposição às características formais. Para isto, ele cria uma sofisticada rede de critérios que devem ser levados em consideração pelo historiador da arte no momento de criticar e avaliar o seu objeto. Atualmente, seu trabalho tem sido criticado por uma historiografia que vê problemas em possíveis usos de seu método para alguns objetos, ou pela pouca atenção que ele dá à materialidade da obra. A despeito de tais críticas, o texto de Panofsky oferece uma reflexão ainda muito importante no campo da História da Arte.
Como citar essa bibliografia comentada
TAVEIRA, Carlos Vinícius da Silva. História da Arte: uma introdução historiográfica. (Bibliografia Comentada). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-da-arte-introducao. Publicado em: 24 Jul. 2017. Acesso: [informar data].