“Girassol vermelho”: um torturante labirinto kafkaniano

Filme do artista e cineasta mineiro Eder Santos é inspirado em contos de Murilo Rubião. Com base insólita, "Girassol vermelho" nos arrasta para dentro do onírico.
21 de março de 2025
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Cena de "Girassol vermelho".
"Girassol vermelho" está em cartaz. Foto: divugação.

Para os brasileiros amantes e conhecedores da arte contemporânea, o nome Eder Santos não é desconhecido. Nascido em 1960 em Belo Horizonte, ele é um dos pioneiros da arte multimídia brasileira e reconhecido internacionalmente por seus projetos híbridos que transcorrem pelas diversas artes – visuais, cinema, teatro, vídeo e novas mídias. Suas obras fazem parte das coleções permanentes de instituições renomadas, como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e o Centre Georges Pompidou em Paris.

Ao longo de sua carreira, Eder Santos participou de diversas bienais e festivais, mas além de suas famosas videoartes e instalações, ele possui uma carreira premiada como diretor de cinema, tendo realizado quinze curtas-metragens, a série de TV “Midnight Tales” (2004) e o longa-metragem “Pessoas Intrigantes” (1995).

Em seu mais novo longa, “Girassol Vermelho”, Eder Santos atua na cadeira de diretor, agora junto a Thiago Villas Boas, que tem em seu currículo de assistente de direção obras como “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014) e vários episódios da série “Cidade Invisível” (2023). A obra é vagamente inspirada nos contos “A Cidade”(1944) e “Os Comensais” (1974) de Murilo Rubião, autor também mineiro e um dos principais nomes do realismo fantástico no Brasil. A obra de Rubião é fortemente influenciada por autores como Franz Kafka e Jorge Luis Borges, o que a faz ser marcada pelo insólito e pelo absurdo, criando narrativas onde o fantástico se mistura com parte do cotidiano.

Com essa base insólita o filme nos arrasta para o onírico narrando a jornada de Romeu, interpretado magnificamente pelo ator Chico Diaz, um homem que aparenta estar em busca de liberdade e que acaba (ao pegar o trem errado?) desembarcando em uma cidade desconhecida governada por um sistema autoritário opressor representada na tela como um grande galpão/usina abandonada onde, entre outras coisas, questionar é proibido. No início, Romeu parece tentar escapar de seu passado, mas sua curiosidade o transforma em alvo, levando-o a uma sequência de interrogatórios, processos burocráticos e diversas formas de torturas. O filme claramente busca explorar temas como repressão, abuso de poder e a luta pela liberdade individual.

A estética de “Girassol vermelho”

Com um artista na cadeira de diretor, a estética de “Girassol Vermelho” é, obviamente, impactante. Temos uma ambientação bruta e distópica, filmada em uma fábrica de cimento desativada. Pensamos um pouco em “O brutalista” (2024) aqui. A direção de arte, assinada por Laura Vinci e Joana Porto, utiliza materiais simples para criar cenários que reforçam a atmosfera opressiva. Temos muita fumaça, escuridão, gaiolas, maquinário pesado, jogos de luzes, água e areia. A fotografia de Stefan Ciupek emprega luzes recortadas e sombras marcadas, intensificando a sensação de claustrofobia e aumentando a tensão em torno de Romeu conforme é desenvolvida sua jornada (de herói).

Outro ponto alto do filme são os efeitos sonoros e a trilha que incorpora temáticas industriais e dissonantes e, com isso, acaba ampliando a alienação vivida pelo protagonista e evidenciando um mundo mecanizado e controlado bastante típico para cenários de distopias. Essa escolha sonora dialoga diretamente com a proposta do filme, reforçando a atmosfera sufocante intercalando sons de máquinas e sons humanos.

Além do excelente Chico Diaz no papel principal, temos os atores Daniel de Oliveira, Luah Guimarães, Luiza Lemmertz, Mariano Mattos e Bárbara Paz. Infelizmente os coadjuvantes deixam muito a desejar, quer seja pelo seu breve espaço de exposição, como Bárbara Paz, ou pela qualidade da atuação, como Luiza Lemmertz como a mulher sedutora que não nos convence em nenhum momento – nem mesmo ao tentar fumar um cigarro – e o Ditador estilo 1984 interpretado por Daniel de Oliveira que se torna tagarela demais diminuindo a tensão da trama e explicando o desnecessário e supérfluo.

Aqui precisamos refletir sobre o roteiro também. Se, por um lado, muito do dito se torna redundante – um pecado, infelizmente, bastante recorrente –, a extrema abstração poética se emaranha em devaneios dos quais parece nunca conseguir se livrar ou conectar os pontos para criar algum sentido além de meros floreios linguísticos.

Apesar desses pontos negativos – e graças ao maravilhoso Chico Diaz que faz também um trabalho físico incrível – conseguimos apreciar a experiência sensorial e reflexiva, com uma estética apurada e uma narrativa interessante mergulhando em um universo onde o absurdo e o onírico se misturam, oferecendo uma visão crítica importante sobre sistemas opressores e a capacidade da resistência diante da repressão.

"Girassol vermelho": um torturante labirinto kafkaniano 1

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Mais do que um labirinto de burocracias e protocolos kafkanianos o filme nos atravessa com uma jornada dantesca, um passeio partindo do purgatório do desconhecimento ao inferno da retirada da liberdade. Para completar a jornada divina, faltou apenas o céu, como a redenção final. Mas Eder nos priva dessa experiência e nos joga em uma cena sufocante e interminável de um jantar com pessoas inertes e uma cena final libidinosa com corpos se entrelaçando sob luz vermelha ao som de uma versão abrasileirada de “Love to Love You” de Donna Summer.

“Girassol Vermelho” estreou na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, alinhando-se ao tema “Que cinema é esse?”, que busca questionar os caminhos do cinema brasileiro e investigar novas formas narrativas. O filme entrou em cartaz nos cinemas brasileiros ontem.


Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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