Um pouco de contexto: George Armstrong Custer (1839-1876) foi um general-prodígio dos Estados Unidos, aclamado por ser um oficial da famosa Sétima Cavalaria, aquela que venceu os índios Cheyenne na Batalha de Washita (1868). Uma das cenas mais famosas desta batalha, a da cavalaria americana atravessando uma tribo indígena, serviu de inspiração para diversos filmes de faroeste, os chamados Westerns. Mas o episódio mais dramático envolvendo o General Custer ainda estava por acontecer.
Em 25 de junho de 1876, poucos dias antes do aniversário do centenário da Independência norte-americana, Custer, já considerado na época um dos grandes heróis americanos, participava de mais uma batalha contra os Cheyennes (que agora contavam com o apoio de outros povos), a chamada Batalha de Little Bighorn, quando acabou morto em combate. O episódio passou para a história como “Custer’s Last Stand” e deu origem a outras tantas representações, não só no cinema (“Fort Apache, 1948), mas na televisão também. “Custer’s Last Stand” foi o nome, por exemplo, de um seriado estadunidense lançado em 1936, dirigido por Elmer Clifton e dividido em 15 capítulos. Para uns, Custer virou sinônimo de persistência da civilização americana para muitos. Outros, diferentemente, passaram a ver Custer como um assassino de Índios.
Vamos, agora, avançar 106 anos. Em 1982, um jogo foi criado com o nome de “Custer’s Revenge”, isso é, “A Vingança de Custer”. Produzido para o Atari 2600, então um dos consoles mais populares na época, o game tinha por base um argumento de violência sexual . Em um jogo bem simples, o jogador deveria atravessar uma tela fugindo de flechadas, alcançar uma indígena do outro lado e, repetidamente, pressionar o botão de ação para penetrá-la com seu pênis, enquanto um pixel de lágrima saía de olhos da mulher. No jogo, caso o jogador seja atingido, Custer brocha. Caso alcance a indígena, deve reiteradamente penetrá-la.
“A Vingança de Custer” explicita todos os elementos que definem o videogame como uma linguagem de representação do clássico Velho Oeste: um cenário de deserto, regras em que os “obstáculos” são as flechadas indígena, possibilidades de interatividade que se limitam a mover para frente e para trás e, como vimos, penetrar uma personagem. O jogo trazia uma mensagem clara: recuperar a virilidade de Custer pelo ato do estupro. O mito do “Custer’s Last Stand” é assim reencenado no presente. Mas dessa vez colocando o jogador no papel de participar do personagem, na posição de estuprador.
A produtora Mystique, responsável pela “A Vingança de Custer”, já havia criado vários outros jogos pornográficos antes. Para “A Vingança de Custer”, a Mystique convocou grupos de ativistas feministas e indígenas para fazer um review. O resultado foi que estes grupos não só avaliaram mal o jogo, como também fizeram protestos expressivos.
Feito para um console da Atari, a própria companhia processou a Mystique, alegando que o jogo havia maculado a reputação da empresa. Algumas cidades chegaram a receber processos para banir o jogo, enquanto outras o baniram imediatamente.
A produtora defendeu-se dizendo que seu objetivo era “entreter” o público dos games e que o personagem de Custer estava apenas “seduzindo” uma “donzela participante”.
Um marco comercial
Se por um lado isso tornou o jogo extremamente mal visto na indústria dos games (a produtora faliu no ano seguinte, graças ao “crash” dos videogames em 1983), por outro, contudo, o jogo vendeu 80 mil cópias, o dobro dos outros jogos da Mystique. E mesmo após ser tirado de circulação, muitas pessoas continuaram a procurá-lo toda vez que a polêmica ressurgia – um remake não-oficial chegou a ser feito em 2014, mas falhou imediatamente. “Custer’s Revenge” foi o primeiro de uma série de jogos posteriores que venderam muito em cima da repercussão das polêmicas, como “GTA” e “Carmaggedon”, em que, respectivamente, se podia e era incentivado matar pessoas na rua.
Assim como no cinema, inúmeros jogos eletrônicos se utilizaram da glorificação da estética da violência e capitalizaram em cima disso. As grandes produções, que também dedicaram milhões à publicidade, estão entre aquelas que muita vezes, inclusive, se alimentaram dos esforços de politização, escandalização ou mesmo censura.
Desde então, no submundo dos games – sobretudo com a Internet – jogos politicamente incorretos e que poderiam ser considerados “perturbadores” continuaram a ser feitos, quase todos dependentes de polêmicas para se tornarem populares. A maioria falhou e manteve-se no anonimato, eventualmente deixando de existir por serem jogos ruins e não obterem atenção, publicidade e circulação. Outros, contudo, foram bem sucedidos.
Até onde conheço, somente um outro game eletrônico sobre o General Custer foi feito, o “Custer’s Last Command” (1995). Este jogo apresenta a simulação da Batalha de Little Bighorn. Nela, o jogador deve controlar a Sétima Cavalaria e enfrentar as forças nativo-americanas em uma batalha que, se na vida real foi perdida, na ficção pode ser revertida. O game nunca obteve sucesso, mas reside ainda em alguns sites pela internet.
Jogos como “Custer’s Last Stand” são importantes fontes para o historiador interessado em compreender não só a complexidade da Indústria Cultural e a maneira como esta mobiliza as sensibilidades, mas também por permitir examinar formas contemporâneas de representação histórica das batalhas entre norte-americanos e nativos, sobretudo à luz da questão de gênero e de conceitos como virilidade, violência e autoridade.
Referências
SLOTKIN, Richard. The fatal environment: The myth of the frontier in the age of industrialization, 1800-1890. University of Oklahoma Press, 1998.
SLOTKIN, Richard. Gunfighter nation: The myth of the frontier in twentieth-century America. University of Oklahoma Press, 1998.
Como citar esse artigo
BELLO, Robson Scarassati. Games e violência: um jogo chamado “Custer’s Revenge” (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-e-videogames. Publicado em: 10 out. 2018. Acesso: [informar a data de acesso].