O dia 23 de abril é considerado, desde 1995, o Dia Mundial do Livro pela UNESCO, por ser a data da morte de dois grandes escritores: William Shakespeare e Miguel de Cervantes. Cinema e literatura, desde a gênese da sétima arte, andam de mãos dadas. São incontáveis as adaptações para o cinema de livros. Menos frequentes, mas ainda assim muito ricas, são as obras cinematográficas sobre livros e escritores. Estas sempre têm algo interessante para falar, suscitando discussões e tecendo comentários sagazes sobre o mundo da literatura. Um exemplo recente e Oscarizado de filme sobre livros é “Ficção Americana”.
Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright) é um professor universitário que acaba de se envolver em mais uma polêmica com um de seus alunos. Como punição, ele é afastado por algum tempo do departamento de literatura da universidade. Seus superiores sugerem que ele passe este tempo aprimorando seu novo romance, ou escrevendo outro livro. Impera na universidade a lógica do “publish or perish” (publicar ou perecer, na tradução literal), só que no caso não são artigos científicos, mas sim romances.
Monk parte para Boston, onde mora sua família, e onde toma contato com um fenômeno da literatura, a escritora-prodígio Sintara Golden (Issa Rae). Tragédias sucessivas acontecem que pedem a permanência de Monk em Boston, cuidando da mãe, e lá ele escreve um livro que mudará sua vida.
Cheio de erros gramaticais, imitando a fala coloquial, com muitas gírias e uma trama clichê, o livro é uma piada que Monk escreveu para passar o tempo. Ele assina com o pseudônimo Stagg R. Leigh, um fugitivo que é um estereótipo ambulante. E o livro faz um sucesso inesperado e inédito na vida de Monk.
Enquanto experimenta um êxito estranho, no qual precisa ficar se escondendo devido ao status de fugitivo de seu alter-ego, Monk é convidado, ao lado de Sintara e outros escritores, para ser jurado de um prestigiado prêmio literário. De repente, ele precisa julgar sua própria obra, que despreza apesar da acolhida do público. Nessa função de jurado, pode dar vazão a diversos sentimentos e propor muitas discussões, como quando os jurados confessam que não leem as obras completas que julgarão.
Falando do livro, o agente de Monk define que “não é literatura de qualidade, mas atende a uma demanda”. Durante o julgamento dos romances, Monk descobre muitos pontos em comum com Sintara, que também tem suas críticas para com seu próprio livro, que escreveu para atender a uma demanda do mercado: o livro-clichê. Ou melhor ainda, para usar um termo da modernidade: um livro para quem não tem lugar de fala na questão dos estereótipos raciais, mas acredita que os compreende.
O livro do historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília, é destaque na categoria “historiografia” e “ensino e estudo”da Amazon Brasil. Livro disponível para leitura no computador, no celular, no tablet ou Kindle. Mais de 60 avaliações positivas de leitores.
Há conexões com o mundo da música na frente e atrás das câmeras. Tracee Ellis Ross, que faz o pequeno, porém importante papel de Lisa, é filha da diva da música pop Diana Ross. Por outro lado, nosso protagonista é apelidado de Monk devido a Thelonious Monk, famoso pianista e compositor de jazz. A trilha sonora do filme é jazzística, composta principalmente em piano.
“Ficção Americana” equilibra, por vezes de maneira irregular, duas tramas: a do sucesso de publicação do livro de Monk e a de seus problemas familiares. Monk tem um irmão, o médico Cliff (Sterling K. Brown), que acabou de se assumir homossexual e usa drogas. A mãe deles, Agnes (Leslie Uggams), foi diagnosticada com Alzheimer, e o pai deles cometeu suicídio, algo nunca comentado ou discutido entre os dois irmãos. A pelícua também se aproxima de uma comédia romântica – algo que é inclusive criticado dentro do filme – com a relação entre Monk e uma vizinha.
O filme estreou já fazendo sucesso, ganhando o prêmio do público do Festival Internacional de Toronto. Seguiram-se cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, com a vitória na categoria Melhor Roteiro Adaptado. Cord Jefferson, diretor e roteirista vindo de uma carreira de sucesso na televisão, faz em “Ficção Americana” sua estreia em longas-metragens e foi elogiado pelo Instituto de Cinema Americano quando seu filme figurou entre os dez melhores do ano na lista de 2023: disseram que aquela era “a chegada de uma voz poderosa no cinema americano”.
Difícil de definir – é drama familiar? Comédia de humor negro? -, “Ficção Americana” traz uma sátira ao mundo da literatura e do cinema, ao mesmo tempo, em que tece um comentário sobre sucesso e estereótipos que vendem. Monk não pôde vencê-los, por isso juntou-se a eles: é isso que muitos continuam fazendo, para fazer a velha roda do entretenimento girar. Tomara que esse giro seja agora mais consciente, tendo este filme em mente.