O arquipélago das ilhas Falklands tem cerca de 12 mil km2 divididos em duas ilhas principais, West e East Falklands, e mais de 700 ilhas menores. As principais estão localizadas cerca de 600 Km do litoral da patagônia argentina. Port Stanley, a capital, e única cidade do arquipélago, está a 1.900 km de Buenos Aires e a 12.600 km de Londres.
A população do território, atualmente, compreende cerca de 3 mil habitantes, na sua maioria de origem britânica. Suas principais atividades econômicas são a pesca, que corresponde a mais de 50% das riquezas produzidas, seguidas de atividades ligadas aos campos da educação e da saúde para a população, controlados pelo governo territorial.
As ilhas têm sua própria moeda, a Falklands Pound, lastreada pela Libra Esterlina Britânica. Sendo um Território Ultramarino do Reino Unido (Overseas Territory) o governo das ilhas é responsável pela administração local, enquanto a defesa militar e as relações externas são responsabilidade do governo do Reino Unido. Desde 1984, após a guerra contra a Argentina, os habitantes têm direito de serem também cidadãos britânicos.
Período colonial: espanhóis, franceses, ingleses e britânicos
A história do arquipélago se confunde com a história das disputas europeias pelas regiões meridionais da América. As ilhas teriam sido avistadas pelos espanhóis em 1520 e reivindicadas por eles em 1540. O governo local, inglês, afirma, por outro lado, que o primeiro avistamento teria ocorrido apenas em 1592, por um explorador inglês. Apesar das afirmativas conflitantes, foi só no século XVIII, em 1764, que uma colônia europeia se estabeleceu permanentemente nas ilhas, num pequeno empreendimento financiado por comerciantes franceses de Saint Malo, daí o nome “Iles Malouines”, ilhas Malvinas.
Em 1765, os ingleses ignoraram a colônia francesa e fundaram também uma pequena colônia nas ilhas, sob comando do navegador John Byron, que reivindicou o território para o Rei Jorge III do Reino Unido e as batizou como Falklands Islands, em homenagem ao patrocinador da primeira expedição britânica a desembarcar brevemente nas ilhas, em 1690. O interesse britânico no território seria influenciado pelo interesse de controlar a passagem do Cabo Horn, que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico.
No entanto, em 1770, os espanhóis, depois de terem comprado a colônia francesa que existia nas ilhas, expulsaram os ingleses e conseguiram consolidar o controle total sobre o arquipélago. O controle espanhol sobre o território continuou sem maiores problemas até o início das guerras napoleônicas, em 1805. Com a aproximação entre a Espanha e a França, as possessões espanholas na América passaram a ser alvo de ataques britânicos. Buenos Aires, capital do Vice-reinado do Prata, foi ocupada pelos britânicos por duas vezes, em 1806 e 1807. Em 1810, as elites de Buenos Aires declararam sua autonomia política da coroa espanhola, então sob controle de José Bonaparte, irmão do Imperador francês, e um ano depois as ilhas Malvinas foram abandonadas pelas últimas tropas espanholas, ficando desguarnecidas. Em 1816, no Congresso de Tucumán, a Argentina declarou sua independência definitiva da Espanha. No entanto, ainda levaria quatro anos até que Buenos Aires buscasse ocupar as ilhas, reivindicando sua soberania sobre elas.
A Argentina independente, as Malvinas as argentinas
No ano de 1820, David Jewet, militar estadunidense a serviço da Argentina, desembarcou nas ilhas e tomou posse delas em nome do governo de Buenos Aires. Entre 1827 e 1833 os argentinos administraram as ilhas, com a nomeação de Luis Maria Vernet, um argentino de origem francesa e alemã, para comandar a Comandancia Política y Militar de las Islas Malvinas y adyacentes al Cabo de Hornos en el Mar Atlántico.
Vernet levou famílias do continente para as ilhas, incluindo a sua, e iniciou a criação de ovelhas, a pesca de baleias e focas e construiu prédios para atividades comerciais. Durante sua estadia na ilha nasceu sua filha, Matilda Vernet y Saez, primeira criança registrada como nascida no arquipélago. A filha de Vernet, cidadã argentina, viveria até os 94 anos, morrendo na província de Buenos Aires, em 1924. A esposa de Vernet, María Sáez de Vernet, escreveu um diário sobre a vida nas ilhas, o “Diario de 1829 en Malvinas”, que se tornou uma espécie de crônica oficial da soberania argentina sobre as ilhas, citado inclusive em documentos da chancelaria argentina. A historiografia e o governo argentino consideravam o período de Vernet na ilha tão importante que o consideram como um dos principais fundamentos de sua reivindicação sobre o território, além de diversos tratados que, no período colonial, teriam reconhecido a soberania espanhola sobre as ilhas.
Em 1831, Vernet entrou em conflito com baleeiros estadunidenses que atuavam ao redor das ilhas. Depois de alguns navios baleeiros serem apresados, uma pequena força americana atacou os argentinos, destruiu instalações e declarou que as ilhas estavam desprovidas de governo. Vernet abandonou o território ainda em 1831 e os argentinos enviaram outros funcionários para administrar o território, já bastante enfraquecido.
As Malvinas se tornam Falklands
Em janeiro de 1833, aproveitando-se do momento de fragilidade argentina na região, a fragata HMS Clio, comandada pelo britânico John James Onslow e baseada na estação naval britânica no Rio de Janeiro, chegou à região e os britânicos declararam que estavam “retomando” a posse do arquipélago. As ilhas Malvinas agora eram as Falklands Islands, parte do Império Britânico. Um habitante da ilha, argentino, chamado Antonio Rivero, liderou um grupo rebelde que atacou o pequeno assentamento controlado pelos britânicos e matou cinco habitantes, alguns deles argentinos de nascimento, mas que ainda viviam no território. O evento não teve muitas repercussões, mas até hoje a figura de Rivero é polêmica. Para a maioria dos argentinos ele foi um herói que lutou contra a dominação britânica. Para os britânicos, um homem que cometeu crimes motivados pela revolta contra a exploração que os empregados da criação de ovelhas sofriam desde o período da soberania argentina.
Durante o século XIX a presença britânica se expandiu nas ilhas, sobretudo após 1840, quando o governo britânico oficialmente autorizou e incentivou a colonização do território. Port Stanley, a capital, foi fundada em 1845 e a criação de ovelhas se tornou a maior atividade econômica, além da pesca e do reparo de embarcações. Também chegaram colonos europeus, sobretudo ingleses, escoceses e irlandeses.
No início do século XX, alemães e britânicos combateram nas águas ao redor do arquipélago, naquela que foi uma das primeiras grandes batalhas navais da Primeira Guerra Mundial, a Batalha das Ilhas Falklands. Os combates foram travados entre cruzadores blindados, e calcula-se que quase 2 mil militares tenham morrido, a maioria esmagadora de alemães, e outras centenas foram capturados e feitos prisioneiros de guerra.
Durante o século XIX e primeira metade do XX, a questão da soberania sobre as Malvinas/Falklands, embora não esquecida, não foi uma prioridade dos governos argentinos no período. Entre a década de 1830 e 1850, a Argentina foi governada por Juan Manuel de Rosas, Governador de Buenos Aires, que liderava uma Confederação de províncias com grau de autonomia elevado e sem instituições de governo centralizadas. Rosas chegou a protestar contra a presença britânica nas ilhas, mas não organizou nenhuma tentativa militar de retomar o território, e chegou a oferecer a “venda” das ilhas para o Reino Unido como forma de pagar a dívida externa argentina. Os britânicos recusaram, provavelmente considerando que não fazia sentido comprar algo que já possuíam de fato.
Após a queda de Rosas, em 1852, se iniciou um longo processo de centralização política e consolidação do Estado Nacional Argentino, que culminaria na formação de uma ordem política oligárquica e conservadora que dirigiu a Argentina até as primeiras décadas do século XX. Sob a ordem oligárquica é inegável que a Argentina se desenvolveu economicamente, se tornando a nação mais próspera da América do Sul no início do século XX. Nessa época, entre em 1884 e 1888, foram feitos apenas alguns protestos diplomáticos. O governo argentino não foi além disso, porque o objetivo principal da política externa de Buenos Aires era manter os laços econômicos com o Reino Unido, principal comprador dos produtos agrícolas do país platino. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial, com o crescente afastamento econômico entre a Argentina e os britânicos, e a ascensão do governo nacionalista e desenvolvimentista do General Juan Domingo Perón, que a questão das Malvinas começou a retornar com força.
O nacionalismo de Perón: a “usurpação britânica”
Durante o governo de Perón (1946-1955) a Argentina colocou a questão sobre as ilhas Falklands/Malvinas como central para a política interna e externa do país. Pôsteres de propaganda e livros didáticos passaram a falar das “Malvinas Argentinas”. A ocupação britânica das ilhas passou a ser descrita como um ato de usurpação e a presença britânica na região como uma sobrevivência, anacrônica, do imperialismo britânico nas Américas e da dominação e influência britânica sobre a Argentina, uma herança nefasta da dominação oligárquica que Perón afirmava combater.
O governo argentino de Perón enviou forças navais argentinas para manobras próximas às ilhas em 1947, o que forçou uma reação britânica na forma de uma pequena força naval, mas não ocorreram combates. Em 1953, o general propôs ao governo britânico comprar as ilhas, mas a oferta foi recusada pelo governo conservador de Winston Churchill. A reação britânica no período foi de enviar, unilateralmente, a causa da soberania para a Corte Judicial Internacional, o que o governo argentino rejeitava. Em 1955 Perón foi derrubado por um violento golpe militar, mas isso não significaria o fim da sua trajetória política, nem o fim das disputas pela soberania da ilha.
As resoluções da ONU
Os anos 1960 foram especialmente agitados, tanto diplomaticamente como nas próprias ilhas. Em 1960, a Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução 1514, que incentivava a descolonização de territórios subordinados à dominação colonial. Em 1965, outra resolução da ONU, a 2615, incentivava que Argentina e Reino Unido resolvessem pacificamente a questão da soberania das Malvinas. A resolução de 1965 foi vista, pelo governo de Buenos Aires, como uma vitória diplomática, já que a ONU reconhecia como legítima as reivindicações argentinas e incentivava uma solução para a questão. O governo britânico, por sua vez, identifica que a resolução lhe é favorável, uma vez que fala nos “interesses” dos habitantes das ilhas, que, na maioria de origem britânica, estariam interessados na manutenção da soberania de Londres.
Além dos episódios diplomáticos, dois outros fatos manteriam as ilhas nos noticiários. Em 1964 um argentino voou num avião monomotor Cessna, aterrissou na ilha e hasteou uma bandeira argentina e “reivindicou” o território para seu país. Já em 1966, durante a visita do Príncipe Philip, marido da Rainha Elizabeth, à Argentina, um grupo de 17 militantes peronistas, que incluía uma filha de um Ministro da Suprema Corte, sequestrou um Douglas DC-4 de passageiros da Aerolineas Argentinas e forçou o comandante a pousar a aeronave nas ilhas. O objetivo era retomar à força o território. Deram à sua curiosa expedição o nome de Operativo Condor. Ao final da malfadada operação os argentinos se renderam à pequena guarnição militar britânica que tinha cercado o avião no aeroporto de Port Stanley. Enviados de volta para a Argentina, foram condenados a pequenas penas de prisão pela ditadura do General Ongania (1966-1970).
Às vésperas da guerra
No início dos anos 1970, a Argentina vivia a crise de mais um regime militar, a autodenominada “Revolución Argentina” que governava o país desde 1966. Em 1973, o General Perón retornou do seu longo exílio na Espanha, e foi mais uma vez eleito Presidente. A postura sobre as Malvinas passou à cooperação com os habitantes das ilhas, num projeto de aproximá-los da Argentina e tornar mais fácil a transferência de soberania no futuro. Uma empresa de transporte aéreo da Força Aérea Argentina passou a fazer ligação aérea para as ilhas, o governo argentino financiou a modernização da pista de pouso em Port Stanley, a YPF, estatal petrolífera argentina, fornecia combustíveis para as ilhas e jovens habitantes iam cursar o equivalente do Ensino Médio em escolas argentinas. A possibilidade que um conflito militar pudesse eclodir por causa das ilhas, se nunca tivesse sido algo iminente, parecia agora ainda mais irreal.
No entanto, Perón morreria em 1974, sua esposa e Vice, Isabel Perón, assumiu uma Argentina que submergia em crise econômica e violência política num nível inédito até para os padrões da pouco pacífica história política argentina. Em 1976, mais um golpe militar derrubou um governo constitucional em Buenos Aires. Dessa vez, a brutalidade da ditadura atingiria níveis difíceis de serem compreendidos e a questão da soberania das Malvinas tomaria novos e inesperados rumos, culminando, pela primeira vez, em um conflito armado entre Argentina e Inglaterra, que os sul-americanos conhecem como “Guerra das Malvinas” e os britânicos como “Falklands War”, travada entre 2 de abril e 14 de junho de 1982.
Referências
COGGIOLA, Osvaldo. A Outra Guerra do Fim do Mundo. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2014.
LORENZ, Federico. Malvinas, Uma Guerra Argentina. Buenos Aires: Sudamericana, 2009.
PARADISO, José. Um Lugar no Mundo. A Argentina e a Busca pela Identidade Internacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. https://www.falklands.gov.fk/
Como citar este artigo
LOUREIRO, Fernando. As Falklands-Malvinas: uma breve história da disputa que levou à guerra entre Argentina e Inglaterra. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/falklands-malvinas-a-historia-de-uma-longa-disputa/. ISSN: 2674-5917. Publicado em: 4 Abr. 2022.