É comum ouvir que todos nós construímos a História, em nosso cotidiano, como sujeitos históricos. Mas como podemos sentir isso na prática? Pensando nisso, o professor de História Benilson Sancho desenvolveu um projeto de mestrado profissional que permite que seus alunos vivenciem práticas de pertencimento e construção da História. O trabalho se chama “Maré de cidadania: uma experiência pedagógica com alunos da escola pública no Museu da Maré”. Ele é uma dissertação de mestrado do ProfHistória e foi defendido na Universidade Federal Fluminense, a UFF, em 2016.
O “Maré de cidadania” foi aplicado na turma “1902” de 9º ano do Ensino Fundamental, na Escola Municipal Nerval de Gouveia, onde Sancho trabalha. A escola está localizada no complexo de favelas da Maré, na cidade do Rio de Janeiro. Cidadania, patrimônio e memória afetiva são as linhas mestras do projeto. Por ser professor titular da turma onde desenvolveu a atividade, Sancho teve a oportunidade de realizar discussões teóricas com os estudantes ao longo de suas aulas de História e não apenas em momentos pontuais.
O projeto pedagógico “Maré de cidadania”
No início de tudo, para aproximar os estudantes do conceito de cidadania e do seu processo de construção coletiva e cotidiana, o professor pediu que cada um levasse para a aula de História um objeto que fizesse parte da memória afetiva de suas famílias. Os estudantes aceitaram o desafio e levaram diversos objetos para a sala de aula, desde cerâmicas passadas de bisavó para avó, moedas e fotografias antigas e até “cascos” de refrigerante. A partir dali o professor fez perguntas que ajudaram os alunos a se interrogarem sobre suas noções de ancestralidade e identidade.
Também teve pé na rua. Sancho levou seus estudantes para uma visita ao Museu Histórico Nacional. Lá, os alunos e alunas viram como são usados, na prática, os principais recortes temporais escolhidos para contar a História do Brasil. Quando questionados sobre o que mais chamou atenção na visita, muitos estudantes responderam a caneta de assinatura da Lei Áurea e artefatos utilizados por povos indígenas em seu cotidiano.
Outro espaço visitado com os estudantes foi o Museu da Maré, localizado próximo à escola. Essa visita se mostrou também muito significativa para os estudantes, pois muitos se sentiram representados pelo espaço. Alguns relataram que se lembraram de seus avós, das histórias que seus familiares podem ter vivido na Maré no passado, e como seus “mais velhos” podem ter contribuído na construção da história da Maré.
O projeto “Maré de cidadania” foi parte significativa das aulas de história de Sancho ao longo de todo o ano letivo. Para aproximar os estudantes do projeto e registrar cada uma de suas fases, o professor criou a página de Facebook “1902 – Aula de História”, onde os estudantes podiam realizar publicações acerca do projeto e temas a ele relacionados. O professor também deixou à disposição dos alunos, em sala de aula, um caderno para que registrassem livremente suas impressões sobre o projeto desenvolvido.
A escola vai ao museu: exposição coletiva da turma 1902
A atividade teve um desdobramento ainda mais especial. Sancho organizou, junto dos estudantes e dos coordenadores do Museu da Maré, uma exposição da turma 1902 no museu. Para isso, o professor organizou a turma em 7 grupos responsáveis por criarem obras de arte com as seguintes temáticas: música, solidariedade, adolescência, tecnologia, amizade, esporte e modernidade.
Em todas as obras criadas pelos estudantes apareceram as principais temáticas debatidas em sala, tanto nas discussões teóricas, quanto na prática. Vale destacar que os estudantes se sentiram tão envolvidos e comprometidos com a proposta de Sancho que levaram objetos da memória afetiva de suas famílias para a exposição. Uma das estudantes expôs as guias da religiosidade de seu avô na seção “Tempo de Fé”.
Os estudantes demonstraram a criação de um forte vínculo afetivo com o projeto e com o espaço da escola, que viabilizaram a oportunidade da exposição no museu. Esse vínculo aparece destacado em uma das imagens que os estudantes escolheram para abrir a exposição: a Passarela 12, que cruza a Avenida Brasil, e faz parte do trajeto diário de grande parte dos estudantes, entre suas residências e a escola.
O Museu da Maré recebeu os estudantes da turma 1902 para montarem toda a exposição. Cada detalhe foi pensado em coletivo e contou com o protagonismo dos estudantes, que participou ativamente desde o texto de abertura até a última obra exposta. O projeto foi concluído com a abertura da exposição dos estudantes no Museu da Maré, que contou com a participação de seus familiares e amigos.