Uma ordem administrativa do rei português D. João III, em 1534, implementou uma das mais importantes formas administrativas do então território brasileiro: as capitanias hereditárias. De acordo com esse conhecido sistema colonial de divisão territorial, a América Portuguesa foi dividia em 15 faixas de terras. Cada faixa foi entregue a um donatário, que teria a missão de administrar o território, explorar os seus recursos e pagar os devidos encargos à Coroa. Durante muito tempo, os historiadores pensaram que as capitanias hereditárias tinham fronteiras e legislação bem definidas. Mas isso não ocorreu exatamente dessa forma, segundo o historiador José Inaldo Chaves Jr.
José Inaldo é professor do Departamento de História da UnB e estudou as Capitanias do Norte do Brasil em seu doutorado na Universidade Federal Fluminense. O estudo ganhou prêmio de melhor tese do Programa de Pós-Graduação da UFF, em 2018, e agora virou livro, que será lançado no dia 19 de julho pela Editora Fino Traço. Em “As capitanias de Pernambuco: política e administração na América Portuguesa (sécs. XVII-XVIII)”, José Inaldo mostra que as relações de poder no Brasil foram capazes de promover novos arranjos territoriais e legislativos que regiam as capitanias do Norte, que incluíam Pernambuco, Paraíba e Rio Grande.
“Os territórios, sempre multifacetados, são resultado de operações complexas que envolvem não somente a geometria e agenda estatal sobre as localidades e a natureza (regiões administrativas, áreas de intervenção econômica do capital e do Estado, por exemplo), mas dele participam diferentes sujeitos socioambientais portadores de memórias, de identidades e de agendas próprias. Tudo isso entra na conta da invenção dos territórios e é isto que tento demonstrar a partir da história das capitanias do norte, entre os séculos XVII e XVIII”, afirma o pesquisador.
As Capitanias de Pernambuco
José Inaldo destaca que a capitania de Pernambuco conseguiu exercer influência sobre demais capitanias do Norte ao longo dos séculos XVII e XVIII, como a Paraíba, tendo, inclusive, pagado impostos relativos a ela. Ao analisar documentações coloniais e portuguesas do período, o historiador constatou que os líderes pernambucanos poderiam receber mais recursos materiais da Coroa, tendo em vista a crescente influência exercida pela cidade de Recife, que desenvolvia atividades econômicas relevantes.
Por outro lado, ele aponta que essas dinâmicas de poder e subordinação não eram estabelecidas sem disputas. Ao passo em que a capitania pernambucana alcançava maiores distinções, os líderes paraibanos também reivindicavam maior autonomia e jurisdição, ora por meios institucionais, recorrendo à Coroa portuguesa, ora por meio de revoltas.
O livro focaliza os processos que se desenrolaram ao longo dos séculos XVII e XVIII, no cotidiano e nas particularidades das relações entre as capitanias do Norte, incluindo o papel da Coroa portuguesa nesse contexto. Diferente das narrativas dominantes, que compreendem os territórios das capitanias como naturalizados, fixos e com ausência de movimentos e disputas, em seu caminho teórico e metodológico, José Inaldo aponta um conjunto de fatores, como aspectos geográficos, políticos, simbólicos, jurídicos etc. que constituíram as capitanias do Norte em suas relações humanas e espaciais:
“Bem mais que o resultado de uma simples intervenção metropolitana, as capitanias do Norte, como territórios coloniais em contextos escravistas, foram também o resultado dos conflitos e das contradições desta sociedade que ia se formando deste lado do Atlântico”, aponta o historiador.