“Esta história eu não conhecia”. Esse é o nome da oficina pedagógica que a professora Geraldyne Mendonça de Souza criou para trabalhar a história afro-brasileira na Educação Básica com os seus alunos. A oficina faz parte da dissertação “Trajetórias da luta negra pela educação: uma inspiração em Mundinha Araújo”, defendida no ProfHistória da Universidade Federal Fluminense, em 2018.
A oficina foi desenvolvida em uma turma de 6º ano, em uma escola da rede pública do município de Saquarema, no Rio de Janeiro. Souza era a professora titular de história dessa turma, formada em sua maioria por estudantes negros e indígenas, com idades entre 11 e 13 anos. As atividades da oficina podem ser desenvolvidas em qualquer etapa da Educação Básica. O trabalho pode ser acessado por meio deste link.
A oficina ensina os alunos a usarem a sala de aula para escreverem sobre suas experiências e história, o que ajuda a romper com a predominância das narrativas da maioria dos livros didáticos, ainda muito centradas na Europa. Além disso, as atividades exercitam a identidade de estudantes negros e negras pela ótica da positividade.
Inspiração
Para fazer o material, Souza usou como referência a obra da intelectual e ativista negra, a maranhense Mundinha Araújo. Na década de 1980, Mundinha e o coletivo Centro de Cultura Negra do Maranhão produziram as cartilhas “Esta História eu não conhecia”, voltadas para a Educação Básica. Essas cartilhas tinham o objetivo de narrar a história do Brasil pela perspectiva afro-brasileira.
A escritora negra Conceição Evaristo também foi uma das inspirações de Souza. O principal conceito mobilizado pela intelectual e utilizado pela professora de história foi a escrevivência, que diz respeito à importância de se escrever sobre aquilo que se vive e sente, tendo como base a prática negro-feminina de ser/estar o mundo.
A oficina “Esta História eu não conhecia”
Uma das atividades propostas por Souza foi a “História das Famílias”. Nessa atividade, a professora pediu aos estudantes que perguntassem aos seus familiares sobre as origens de seus parentes mais velhos, como avós e bisavós. A professora relatou que as famílias da maioria dos estudantes desconheciam as origens de seus antepassados. Isso os fez perceber o silenciamento documental das famílias de origem afro-brasileira. Além da desinformação, a professora relata que alguns familiares preferiam “esquecer” as histórias de seus entes, ao invés de contá-las aos estudantes.
Em outra atividade, a professora apresentou um conjunto de fotografias de personalidades negras, com diferentes tonalidades de pele negra. Dentre elas, Rihanna, Taís Araújo, Camila Pitanga e Neymar. Após apresentar as fotografias, a professora perguntou à turma o que aqueles famosos têm em comum. Apenas um dos estudantes afirmou: “São negros”. A resposta gerou uma intensa discussão em sala, pois os outros colegas discordaram da afirmação. Souza aproveitou a espontaneidade do momento para debater com a turma sobre a pluralidade presente entre as pessoas negras, em seus diversos tons de pele, principalmente. Segundo a professora, após essa discussão os estudantes demonstraram compreender melhor a diversidade que engloba o “ser negro”.
Em uma terceira atividade, a professora usou a metodologia do auto desenho. Logo no início do trabalho, os alunos perceberam uma coisa: a caixa de lápis de cor engloba opções reduzidas de tons de pele negra. A situação foi contornada quando os estudantes, aconselhados pela professora, pintaram tons de forma “mais fraca” ou “mais forte” com o mesmo lápis de cor. Os desenhos produzidos pelos estudantes revelaram que suas percepções sobre si incluíam o fato de se identificarem como pessoas negras, dados os tons de pele utilizados. O empenho na elaboração dos detalhes, como expressão, vestuário e cabelos demonstra, segundo explica a professora, que as atividades da oficina inspiraram os estudantes a representar suas próprias imagens de forma positiva.
O trabalho de Souza prevê várias outras atividades, como a construção de um “censo” da turma. As perguntas tinham a ver com a auto imagem dos alunos e com composição étnico-racial das suas famílias. Os questionários foram respondidos individualmente por cada aluno e as respostas não foram compartilhadas com o restante da turma.
As respostas demonstraram que a maior parte da turma era formada por estudantes autodeclarados negros e indígenas e que a maioria das famílias possuía uma composição inter-racial. No que diz respeito à relação dos estudantes com suas aparências físicas, 23 dos 25 estudantes afirmaram gostar de si como são.
Protagonistas na sala de aula
De acordo com a professora, as atividades da oficina mostraram aos estudantes que eles são protagonistas das suas vidas e produtores de narrativas históricas valiosas, importantes e legítimas. Juntos dos adolescentes do sexto ano, Souza teceu ainda a escuta e valorização das vozes de cada um, obtendo resultados que considerou surpreendentes quanto ao empenho de cada estudante no desenvolvimento da oficina.